segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Para salvar Lula, PT quer tentar tirar credibilidade da Lava-Jato
Sigla alegará que ex-presidente sofre ‘massacre’; aliados admitem desgaste
Fernanda Krakovics, Sérgio Roxo e Simone Iglesias - O Globo
RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA - Com a Operação Lava-Jato cada vez mais próxima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT investirá em um discurso de vitimização de sua maior liderança, alegando que ele é alvo de um “massacre”. Apesar da estratégia, pessoas próximas do líder petista reconhecem que o desgaste é real e que ele terá dificuldade para atuar como cabo eleitoral nas eleições municipais deste ano como fez em 2012.
Os petistas apostam na radicalização para mobilizar sua militância e pretendem partir para o enfrentamento, afirmando que há seletividade nas investigações e no vazamento de informações. O objetivo é não só tentar tirar a credibilidade da Lava-Jato, mas também desgastar políticos da oposição que já foram citados.
Pressão para 2018
Apesar do cenário, cresce no PT a pressão para que Lula seja candidato à Presidência da República em 2018, com o argumento de que ele terá que defender seu nome e seu legado.
— Agora só tem um caminho, que é o Lula ser candidato. Ele pode estar desgastado agora, mas não o subestimem — afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Para um petista que frequenta o Instituto Lula, o estrago da imagem do ex-presidente está em curso, mas ainda é cedo para avaliar o impacto que as denúncias terão na disputa presidencial de 2018.
— Se depois de todo esse noticiário, não se confirmar nada, ele se recupera e se fortalece. Agora, se alguma coisa grave aparecer ou for interpretada assim, é outra história. Tem que dar tempo ao tempo. A vaca foi brejo? Não. Ele perdeu popularidade? Perdeu, sem dúvida.
Esse aliado considera “um milagre” Lula ainda aparecer em torno dos 20% das intenções de voto nas pesquisas presidenciais.
Para outro petista próximo ao ex-presidente, Lula enfrentou na semana passada o ataque mais “cerrado” até agora:
— Quando você acusa muito uma pessoa, gera uma desconfiança. Cria uma atmosfera. Num primeiro momento, é fatal. O prestígio dele vai ser afetado. Vamos ver as próximas pesquisas. Não está fácil a vida para ele.
Esse impacto na popularidade deve fazer com que Lula tenha uma postura mais reservada na eleição deste ano. O partido já decidiu, por exemplo, tirar o ex-presidente dos comerciais que serão exibidos no mês que vem. Há quatro anos, Lula tomou a frente de campanhas para prefeito da legenda e, principalmente, ajudou a eleger o estreante Fernando Haddad em São Paulo.
Por outro lado, petistas próximos a Lula afirmam que o crescimento das denúncias contra o ex-presidente levará ao acirramento de ânimos da militância.
— Ninguém vai para a rua muito animado para defender a Dilma. Com Lula é bem diferente — disse um amigo.
O deputado Paulo Pimenta (PT-SP) lista as investigações contra o ex-presidente e sua família, além dos vazamentos de informação, para dizer que há “seletividade” nesse processo e cobrar o mesmo tratamento para políticos da oposição.
— Isso cada vez mais reforça um sentimento de seletividade na nossa base social, que nunca viu a imprensa investigar o Fernando Henrique (Cardoso), o Aécio (Neves), o (José) Serra — afirmou Pimenta.
A base do PT está se mobilizando para defender o ex-presidente. O argumento é que a intenção das investigações seria acabar com a possibilidade dele voltar a concorrer.
— Querem é colocar algemas no Lula e uma coisa ele não tem: medo. É bom o pessoal tomar cuidado para não o transformar em mártir — disse um amigo do ex-presidente.
Um ex-ministro avalia que o alvo da Lava-Jato sempre foi Lula.
— Querem acabar com o nosso projeto — afirmou ele .
Lula visitou tríplex
SÃO PAULO O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, em nota divulgada pelo Instituto Lula, que visitou o tríplex no edifício Solaris, na praia das Astúrias, no Guarujá, apesar de ter negado novamente ser dono do imóvel. Na nota, o petista disse que esteve no apartamento, junto com o então presidente da construtora OAS, Léo Pinheiro, condenado na Lava-Jato a 16 anos pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A visita ocorreu um ano após a OAS concluir a construção do edifício.
A nota diz que Lula esteve uma única vez no edifício, embora, em depoimento ao Ministério Público estadual, o zelador do prédio, José Afonso Pinheiro, tenha afirmado que o ex-presidente foi ao local duas vezes. Na ocasião da visita, segundo o instituto, Lula e sua mulher, Marisa, avaliaram que o imóvel “não se adequava às necessidades e características da família, nas condições em que se encontrava”.
A nota do petista dá a entender que, depois da visita de Lula e de Marisa, a OAS decidiu fazer uma reforma no tríplex para adequá-lo às necessidades da família. O Instituto Lula diz que a família desistiu do apartamento, em 26 de novembro de 2015, porque, “mesmo tendo sido realizadas reformas e modificações no imóvel (que naturalmente seriam incorporadas ao valor final da compra), as notícias infundadas, boatos e ilações romperam a privacidade necessária ao uso familiar do apartamento”.
Em depoimento ao MP, o engenheiro Armando Dagre, da Talento Construtora, contratada pela OAS para fazer as reformas, disse que a obra custou R$ 777 mil. A obra incluiu a instalação de um elevador privativo. A assessoria do ex-presidente reconhece que Marisa e Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do casal, estiveram na unidade durante a reforma, sem especificar quantas vezes. “Em nenhum momento Lula ou seus familiares utilizaram o apartamento para qualquer finalidade.”
“Escândalo a partir de invencionices”
O Instituto Lula afirmou na nota que os adversários do petista e a imprensa “tentam criar um escândalo a partir de invencionices”. A nota tem o título de “Os documentos do Guarujá: desmontando a farsa”, e o Instituto Lula volta a dizer que Lula está processando jornalistas do GLOBO, embora não informe que o ex-presidente perdeu em primeira instância. O Ministério Público de São Paulo investiga ocultação de patrimônio por parte do ex-presidente com relação ao imóvel, e a força-tarefa da Operação Lava-Jato põe o tríplex numa lista de 11 apartamentos suspeitos de terem sido usados para lavar dinheiro de contratos da Petrobras.
Na nota, Lula diz que, quando Marisa Letícia se associou à Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), em 2005, escolheu um apartamento comum do prédio, e não o tríplex. No termo de adesão à Bancoop, divulgado junto com a nota, está escrito que o casal ficaria com a unidade 141 do edifício, um apartamento de três quartos. Essa unidade é padrão do prédio, com 82,5 metros quadrados, de acordo com o instituto (o trecho do documento enviado não dá detalhes do apartamento, limitando-se a dizer que o local tem três dormitórios).
O instituto acrescenta ainda que, até setembro de 2009, a família Lula investiu R$ 179.650,80 (R$ 286.479,32 em valores de hoje) no apartamento. Afirma também que, naquela época, a Bancoop passava por uma crise e transferiu empreendimentos para incorporadoras, entre elas a OAS. Quando a OAS assumiu o prédio do Guarujá, Marisa Letícia deixou de fazer os pagamentos mensais porque não recebeu mais boletos da Bancoop, e também não fez a adesão ao contrato com a nova incorporadora. Por isso, perdeu a reserva do 141.
Entre 2009 e 2014, pelo que diz a nota, a família de Lula não teria tentado receber de volta os R$ 179.650,80 que havia pago à Bancoop. Segundo o Instituto Lula, só em 2014, um ano depois de a obra ser concluída, o ex-presidente e a sua mulher visitaram, junto com Léo Pinheiro, uma unidade à venda no prédio. Essa unidade era o tríplex 164-A, de 215 metros quadrados.
Ainda na versão de Lula, a desistência do apartamento ocorreu em 26 de novembro de 2015, por causa das notícias sobre o imóvel. O documento de desistência assinado por Marisa e encaminhado pelo Instituto Lula tem a data de 2009, e os valores que o casal teria direito de receber de volta são os da época (sem correção pela inflação). Segundo o instituto, “como se trata de um formulário padrão, criado na ocasião em que os associados foram chamados a optar entre requerer a cota ou aderir ao contrato com a OAS (entre setembro e outubro de 2009), ao final do documento consta o ano de 2009”. O dinheiro ainda não começou a ser devolvido.
Lula também alega que não ocultou patrimônio, como acusa o promotor Cássio Conserino, um dos responsáveis pela investigação conduzida pelo Ministério Público de São Paulo, porque declarou, em seu Imposto de Renda, a “cota-parte” da Bancoop que possuía.
Lula perdeu em 1ª instância ação contra O GLOBO
Na nota divulgada ontem, o Instituto Lula volta a dizer que o ex-presidente está processando jornalistas do GLOBO por reportagem sobre o apartamento no Guarujá, mas não que perdeu a ação em 1ª instância. Ao julgar a ação improcedente, o juiz Mauro Nicolau Junior, da 48ª Vara Cível do Rio, expôs as contradições de Lula: “A conduta da assessoria de imprensa do autor se revela contraditória, ora afirmando ser o imóvel de propriedade do autor e de sua família, ora negando”.
O processo foi movido por Lula depois que o jornal mostrou, em 12 de agosto do ano passado, que um grupo empresarial recebera R$ 3,7 milhões da GFD — empresa usada para lavar dinheiro do doleiro Alberto Youssef — e repassou quase a mesma quantia para a construtora OAS, na finalização das obras do prédio no Guarujá. Lula sustentou que repórteres do GLOBO tiveram a intenção de atacar a sua honra ao publicar a reportagem.
Ao negar o pedido, em sentença de 14 de dezembro, o juiz entendeu que os jornalistas “não praticaram qualquer ato ilícito” e apenas exerceram o direito de liberdade de expressão. Por essa razão, julgou a ação improcedente e registrou que os fatos narrados pela reportagem são de interesse público. “É de notório conhecimento que o país vive momento histórico ímpar, iniciado pela ‘Operação Lava-Jato’, promovida por iniciativa de Polícia Federal e Ministério Público Federal, que busca deflagrar esquemas de corrupção em empresas públicas, e entre empreiteiras e agentes públicos. Qualquer fato que possa estar ligado a essa operação é de grande interesse público e merece ser noticiado”.
O magistrado também refutou alegação da defesa de Lula de que o apartamento não pertencia ao ex-presidente. Na ocasião, Lula disse que sua mulher, Marisa Letícia, possuía cota de participação da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) referente ao apartamento. Mas o juiz lembrou que, em 2010, a própria assessoria do Instituto Lula informou que o imóvel era do ex-presidente.
O juiz ressaltou que, se há investigações sobre o empreendimento, isso deve ser público. “Na hipótese de haver investigações criminais em curso sobre as obras do edifício em que o autor (Lula) seria proprietário de unidade, ou que sua esposa teria quotas conversíveis em unidade do edifício, tal fato não deve passar despercebido pela imprensa. Tem sim esta o direito, mais que isso, o dever, de noticiar tais fatos, desde que devidamente embasadas suas afirmações e apresentadas as versões dos envolvidos, o que é observado na matéria jornalística tratada neste processo.”

Nenhum comentário: