Tash Aw - TINYT
Bazuki Muhammad/Reuters
Em um recente passeio de fim de semana fora de Kuala Lumpur, parei para um café em um aglomerado de lojas à beira da estrada, que vendiam refrescos aos viajantes que seguiam para as terras altas cobertas de selva que formam a espinha da Malásia. Um jovem estava varrendo a pequena área em frente ao anexo que abrigava os sanitários; ele era o zelador e faz-tudo, disse, mas ficou desconfiado quando tentei puxar conversa.
Ele me disse que era de Bangladesh e que estava na
Malásia há três anos. Ele se chamava Yunus, mas eu não tinha como saber
se aquele era seu nome real.
Durante o restante do meu passeio de fim de semana, notei o grande número de trabalhadores imigrantes no interior, já que estou acostumado a vê-los na capital. Eles estão presentes em canteiros de obras, em fábricas e nas imensas plantações de produção de óleo de palma (azeite de dendê). Mas a maioria dos malaios os encontra trabalhando nas áreas mais baixas do setor de serviços, servindo mesas em restaurantes baratos ou, no caso de Yunus, limpando sanitários.
Esses imigrantes tendem a ser encontrados em empregos considerados perigosos, sujos e difíceis. Resumindo, os postos de trabalho que atualmente poucos malaios estão dispostos a ocupar.
Os trabalhadores dos vizinhos de renda mais baixa da Malásia, Indonésia, Vietnã, Nepal, Mianmar e, cada vez mais, de Bangladesh, se tornaram ubíquos aqui, mas permanecem em grande parte desconectados do restante da sociedade e, em geral, ausentes de qualquer discussão a respeito da identidade nacional. Mas um recente comunicado do governo os colocou em destaque e forçou os malaios a confrontarem, com franqueza incomum, os profundos preconceitos que alguns nutrem contra os trabalhadores pouco capacitados do exterior.
A força de trabalho estrangeira da Malásia consiste de apenas pouco mais de dois milhões de trabalhadores empregados de forma legal, somados a estimados dois milhões que não possuem documentos (dentre uma população total do país de cerca de 30 milhões). Muitos malaios sentem que a desaceleração econômica é incapaz de suportar esses números e expressam temores de uma onda de crimes alimentada pelos imigrantes.
Apesar dessas preocupações, no mês passado o governo anunciou um plano para trazer mais 1,5 milhão de trabalhadores apenas de Bangladesh nos próximos três anos. Quase imediatamente, o debate público em torno da questão, que vinha fervilhando há algum tempo antes do anúncio, reacendeu de forma espetacular, dominando as manchetes e a conversa nas redes sociais.
Uma das vozes mais proeminentes (e abertamente xenofóbica) de oposição ao programa, que foi fechado com o governo de Bangladesh, é a de um grupo chamado Pertubuhan Rapat Malaysia, que realizou uma entrevista coletiva de imprensa para alertar para as terríveis consequências da admissão de tamanho afluxo de trabalhadores estrangeiros, desde um sério aumento da criminalidade até doenças e ataques terroristas, semelhantes aos cometidos pelo Estado Islâmico.
"Transformou-se em norma para eles estuprar as mulheres locais", disse o presidente da organização, A. Rajaretinam. Ele então acusou os trabalhadores estrangeiros de disseminarem doenças e "tomarem todos os lugares".
Isso provocou uma enxurrada de respostas, notadamente de grupos de defesa da mulher e dos imigrantes, como a Organização de Ajuda às Mulheres e do Tenaganita, que condenaram o racismo contra os trabalhadores estrangeiros e acentuaram o risco de ataques xenofóbicos. Mas esses grupos também são firmemente contrários aos planos do governo. Eles querem que o governo primeiro legalize os trabalhadores sem documentos que já estão no país. Organizações como o Congresso Malaio dos Sindicatos Trabalhistas pedem proteções para os trabalhadores locais, em vez de contratação de estrangeiros por salários mais baixos.
Em questão de dias, o governo reagiu congelando o recrutamento de trabalhadores estrangeiros, incluindo os de Bangladesh, ao mesmo tempo prometendo rever as políticas de emprego. Mas àquela altura, a questão se tornou firmemente de domínio público, provocando mais discussões sobre como a Malásia trata seus trabalhadores estrangeiros.
Para os cidadãos urbanos daqui, uma das maiores preocupações é a criminalidade, particularmente os crimes violentos como assaltos à mão armada e estupros. Os crimes que envolvem trabalhadores estrangeiros ganham atenção especial. As recentes prisões de seis homens de Mianmar, acusados de matar dois trabalhadores bengaleses que se recusaram a pagar dinheiro de extorsão e jogarem seus corpos mutilados na selva, foi apenas um exemplo recente do tipo de notícia que tende a ser amplificada, de modo que os trabalhadores estrangeiros parecem exercer perpetuamente o papel de forasteiros perigosos.
Mas as estatísticas do governo de 2013 mostram que apenas 1% dos crimes na Malásia foi cometido por estrangeiros. E um relatório do Banco Mundial do mesmo ano apontou que uma maior imigração na verdade tende a reduzir a maioria dos tipos de crime.
Recentes ataques por vigilantes a estrangeiros acusados de crimes começaram a provocar uma defesa mais robusta dos direitos dos trabalhadores estrangeiros, com o grupo de direitos dos imigrantes Tenaganita assumindo a liderança na proposta de regulamentações mais duras aos agentes e intermediários responsáveis por trazer os trabalhadores do exterior. O grupo também está fazendo lobby por programas educacionais para os que já estão no país.
Em uma postagem no Facebook altamente compartilhada, um estudante da Universidade de Sunway particular contou sobre sua amizade com a faxineira indonésia no campus. Ele descreveu a difícil jornada dela para a Malásia, os turnos de 12 horas que ela trabalhava e como era sua vida com um salário mínimo. Isso chamou a atenção como um raro exemplo de um malaios superando as barreiras sociais e culturais para formar um elo empático com um trabalhador estrangeiro.
Todo esse foco na imigração e trabalho sugere que a Malásia está começando a olhar mais duramente para si mesma como o país mais maduro e de classe média que aspira ser, mesmo que, ao menos por ora, as posturas mais liberais ainda sejam minoria. Como percebi na minha conversa travada com Yunus, a falta de confiança e um enorme abismo ainda dividem os trabalhadores estrangeiros e os malaios.
Durante o restante do meu passeio de fim de semana, notei o grande número de trabalhadores imigrantes no interior, já que estou acostumado a vê-los na capital. Eles estão presentes em canteiros de obras, em fábricas e nas imensas plantações de produção de óleo de palma (azeite de dendê). Mas a maioria dos malaios os encontra trabalhando nas áreas mais baixas do setor de serviços, servindo mesas em restaurantes baratos ou, no caso de Yunus, limpando sanitários.
Esses imigrantes tendem a ser encontrados em empregos considerados perigosos, sujos e difíceis. Resumindo, os postos de trabalho que atualmente poucos malaios estão dispostos a ocupar.
Os trabalhadores dos vizinhos de renda mais baixa da Malásia, Indonésia, Vietnã, Nepal, Mianmar e, cada vez mais, de Bangladesh, se tornaram ubíquos aqui, mas permanecem em grande parte desconectados do restante da sociedade e, em geral, ausentes de qualquer discussão a respeito da identidade nacional. Mas um recente comunicado do governo os colocou em destaque e forçou os malaios a confrontarem, com franqueza incomum, os profundos preconceitos que alguns nutrem contra os trabalhadores pouco capacitados do exterior.
A força de trabalho estrangeira da Malásia consiste de apenas pouco mais de dois milhões de trabalhadores empregados de forma legal, somados a estimados dois milhões que não possuem documentos (dentre uma população total do país de cerca de 30 milhões). Muitos malaios sentem que a desaceleração econômica é incapaz de suportar esses números e expressam temores de uma onda de crimes alimentada pelos imigrantes.
Apesar dessas preocupações, no mês passado o governo anunciou um plano para trazer mais 1,5 milhão de trabalhadores apenas de Bangladesh nos próximos três anos. Quase imediatamente, o debate público em torno da questão, que vinha fervilhando há algum tempo antes do anúncio, reacendeu de forma espetacular, dominando as manchetes e a conversa nas redes sociais.
Uma das vozes mais proeminentes (e abertamente xenofóbica) de oposição ao programa, que foi fechado com o governo de Bangladesh, é a de um grupo chamado Pertubuhan Rapat Malaysia, que realizou uma entrevista coletiva de imprensa para alertar para as terríveis consequências da admissão de tamanho afluxo de trabalhadores estrangeiros, desde um sério aumento da criminalidade até doenças e ataques terroristas, semelhantes aos cometidos pelo Estado Islâmico.
"Transformou-se em norma para eles estuprar as mulheres locais", disse o presidente da organização, A. Rajaretinam. Ele então acusou os trabalhadores estrangeiros de disseminarem doenças e "tomarem todos os lugares".
Isso provocou uma enxurrada de respostas, notadamente de grupos de defesa da mulher e dos imigrantes, como a Organização de Ajuda às Mulheres e do Tenaganita, que condenaram o racismo contra os trabalhadores estrangeiros e acentuaram o risco de ataques xenofóbicos. Mas esses grupos também são firmemente contrários aos planos do governo. Eles querem que o governo primeiro legalize os trabalhadores sem documentos que já estão no país. Organizações como o Congresso Malaio dos Sindicatos Trabalhistas pedem proteções para os trabalhadores locais, em vez de contratação de estrangeiros por salários mais baixos.
Em questão de dias, o governo reagiu congelando o recrutamento de trabalhadores estrangeiros, incluindo os de Bangladesh, ao mesmo tempo prometendo rever as políticas de emprego. Mas àquela altura, a questão se tornou firmemente de domínio público, provocando mais discussões sobre como a Malásia trata seus trabalhadores estrangeiros.
Para os cidadãos urbanos daqui, uma das maiores preocupações é a criminalidade, particularmente os crimes violentos como assaltos à mão armada e estupros. Os crimes que envolvem trabalhadores estrangeiros ganham atenção especial. As recentes prisões de seis homens de Mianmar, acusados de matar dois trabalhadores bengaleses que se recusaram a pagar dinheiro de extorsão e jogarem seus corpos mutilados na selva, foi apenas um exemplo recente do tipo de notícia que tende a ser amplificada, de modo que os trabalhadores estrangeiros parecem exercer perpetuamente o papel de forasteiros perigosos.
Mas as estatísticas do governo de 2013 mostram que apenas 1% dos crimes na Malásia foi cometido por estrangeiros. E um relatório do Banco Mundial do mesmo ano apontou que uma maior imigração na verdade tende a reduzir a maioria dos tipos de crime.
Recentes ataques por vigilantes a estrangeiros acusados de crimes começaram a provocar uma defesa mais robusta dos direitos dos trabalhadores estrangeiros, com o grupo de direitos dos imigrantes Tenaganita assumindo a liderança na proposta de regulamentações mais duras aos agentes e intermediários responsáveis por trazer os trabalhadores do exterior. O grupo também está fazendo lobby por programas educacionais para os que já estão no país.
Em uma postagem no Facebook altamente compartilhada, um estudante da Universidade de Sunway particular contou sobre sua amizade com a faxineira indonésia no campus. Ele descreveu a difícil jornada dela para a Malásia, os turnos de 12 horas que ela trabalhava e como era sua vida com um salário mínimo. Isso chamou a atenção como um raro exemplo de um malaios superando as barreiras sociais e culturais para formar um elo empático com um trabalhador estrangeiro.
Todo esse foco na imigração e trabalho sugere que a Malásia está começando a olhar mais duramente para si mesma como o país mais maduro e de classe média que aspira ser, mesmo que, ao menos por ora, as posturas mais liberais ainda sejam minoria. Como percebi na minha conversa travada com Yunus, a falta de confiança e um enorme abismo ainda dividem os trabalhadores estrangeiros e os malaios.
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