Nomeação ilegal
Merval Pereira - O Globo
A solução proposta pelo Procurador-Geral da
República, Rodrigo Janot, aparentemente salomônica, permitindo que o
ex-presidente Lula assuma a Chefia do Gabinete Civil do ministério de
Dilma, mas sem foro privilegiado, permanecendo os processos contra ele
na jurisdição do Juiz Sérgio Moro, é simplesmente ilegal segundo
diversos juristas.
O deputado federal Raul Jungman, do PPS, entra
hoje na Procuradoria-Geral da República com uma ação de prevaricação
contra a presidente Dilma, baseado justamente na análise de Janot, que
admite que a intenção da presidente era obstruir a Justiça.
Janot
atribui ao ato um “desvio de finalidade” para “influenciar as
investigações”. .De acordo com um especialista, o Ato Administrativo
deve preencher os seguintes requisitos: Competência, Objeto, Finalidade,
Forma e Motivo. Desses requisitos, três são vinculados (Competência,
Finalidade e Forma) e os outros 2 são discricionários (objeto e Motivo).
Se
o Ato Administrativo estiver viciado em algum de seus elementos
obrigatórios (vinculados), ele é nulo de pleno direito. Quanto aos
elementos discricionários, embora não sejam obrigatórios, se forem
explicitados no ato, passam a vinculá-lo (Teoria dos Motivos
Determinantes).
No caso da nomeação do Lula, a competência da
Presidente da República é cristalina e o próprio Janot admite isso no
Parecer. A forma também é inquestionável. Mas, quanto à finalidade, que
também é elemento essencial do ato administrativo, Janot admite que
houve desvio de finalidade, um vício insanável. Portanto, a conclusão é
clara: a nomeação do Lula é nula.
Já o ministro do Tribunal Superior
do Trabalho Galba Velloso, autor do livro “Desvio de Poder”, da Editora
Malheiros, afirma que o Procurador-Geral da República, ao admitir a
possibilidade de Lula ser Ministro e continuar sob a jurisdição comum
“está completamente equivocado”.
O ato da Presidente da República é
nulo por desvio de poder, e não se pode fatiá-lo admitindo a nomeação e
negando o foro. “Ele não pode ser Ministro em virtude do desvio de
finalidade praticado e por isso não pode ter foro privilegiado”,
ressalta o ministro Velloso.
Ele lembra que o excesso de poder tem
duas formas, o abuso de autoridade, quando esta vai além de sua
competência, e o desvio de finalidade, quando, embora dentro de sua
competência, a autoridade declara um motivo de finalidade pública
ocultando um objetivo diverso.
“A Presidente pode nomear o Ministro
que quiser, dentro da lei. Mas não está dentro da lei nomear alguém
Ministro para escapar do Juiz que teme e escolher quem deve julgá-lo”,
ressalta Velloso
Tanto o abuso de poder, como faltar ao cumprimento
do dever por interesse ou má-fé, são definições de prevaricação, que é a
acusação que o deputado Raul Jungman fará contra a presidente da
República.
O ministro Teori Zavascki está cuidando do caso no Supremo
em duas instâncias: na parte cível, pediu informações ao
Procurador-Geral para decidir sobre uma ADPF (Arguição de descumprimento
de preceito fundamental) que visa suspender a nomeação de Lula. Como já
existe uma liminar em mandado de segurança com o mesmo efeito, a
questão será resolvida no mérito pelo plenário do STF.
Na parte
criminal, o Juiz Sérgio Moro e o Procurador-Geral foram também
consultados, para saber se há indícios de que a presidente Dilma tentou
obstruir a Justiça ao nomear o ex-presidente para seu ministério. O
Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que não há nada de
ilegal na conversa, que considerou "republicana".
O Procurador-Geral
já admitiu que houve, sim, essa tentativa de obstrução, e o Juiz Sérgio
Moro, além de pedir desculpas pela polêmica que causou ao permitir a
divulgação do áudio da conversa da presidente Dilma com o ex-presidente
Lula, manteve sua convicção de que houve no caso pelo menos uma
tentativa de obstrução da Justiça.
Disse que autorizou a divulgação
“atendendo o requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e
especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e
criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que
podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de
obstrução à Justiça”.
Moro, embora cite objetivamente o ex-presidente
Lula quando se refere à obstrução da Justiça, tenta se defender em
relação à presidente, e insinua que ela também pode ter atuado nesse
sentido, afirmando que “não parece que era tão óbvio assim que também
poderia ser relevante juridicamente para a excelentíssima presidenta da
República”.
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