Alexandre Schwartsman - FSP
Caso o raro leitor tenha a impressão de já ter lido esta coluna, minhas sinceras desculpas. No entanto, como lamentei mais de uma vez, se os responsáveis pela política econômica insistem na repetição, o que pode fazer o analista senão seguir com a brincadeira?
Digo isso a propósito de nova decisão desastrada no campo da política
econômica, expressa em mais uma mudança da meta fiscal. A original, R$
24 bilhões, foi reduzida para cerca de R$ 3 bilhões, o que em si não
chega a ser um completo desastre; o problema, na verdade, refere-se às
inúmeras exceções, deduções, abatimentos, descontos, cláusulas de
escape, desculpas esfarrapadas e afins, que permitem, no final das
contas, que mesmo um deficit primário na casa de R$ 100 bilhões (1,6% do
PIB) seja tomado como coerente com a (minúscula) meta fiscal.
A mera leitura do parágrafo acima já é suficiente para ilustrar a desmoralização do regime de política fiscal. Pelas regras, a meta fiscal para determinado ano é fixada em abril do ano anterior pela LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e guia a proposta orçamentária propriamente dita, enviada ao Congresso em agosto do mesmo ano.
Passados 11 meses, contudo, o governo de plantão pode não apenas alterar a meta determinada pela LDO mas violar as leis da matemática, em particular as que distinguem números positivos dos negativos e fingir que tudo vai bem.
Institucionalmente falando, trata-se da pá de cal sobre o regime que foi montado a partir do final do século passado, em torno do qual se articulou a visível melhora das contas públicas entre 1999 e 2008.
Tem razão meu amigo Samuel Pessôa em destacar o papel central da evolução da receita tributária no período, mas, de uma forma ou de outra, as regras vigentes não permitiram que todo crescimento da arrecadação terminasse por se tornar expansão ainda maior da despesa, o que certamente já deixou de ser o caso hoje.
Afora isso, a afirmação do ministro da Fazenda ("Eli, Eli, lamá sabachtháni?"*) acerca do "papel anticíclico" da despesa pública seria de fazer chorar qualquer economista de verdade.
Não se trata apenas de lembrar que essa mesma política, sob o comando da patativa genovesa, devidamente escudada pelo atual ministro, esteve no centro da deterioração econômica que nos trouxe à atual crise; ainda mais relevante, no presente contexto, é notar que preços de mercado já embutem um risco significativo de calote da dívida nacional, circunstância sob a qual a eficácia do gasto público para aumentar a demanda e a atividade praticamente inexiste.
Talvez nelson barbosa (pode manter as minúsculas, revisor) saiba disso, embora eu não coloque minha mão no fogo. Ainda assim, em face das pressões para a alteração da política econômica por parte do ex-futuro ministro da Casa Civil, o mais provável é que ele simplesmente não tenha tido a coragem de manter o rumo.
Afinal de contas, depois de tantos anos junto à patativa, não há coluna dorsal que não aprenda as virtudes da extraordinária flexibilidade.
Fica, portanto, mais difícil crer na sinceridade de propósito de seu "ajuste fiscal de longo prazo", ainda mais porque se trata da mesma proposta fulminada pela presidente ainda em sua encarnação como ministra. Não há rumo; apenas solidão.
*"Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?", palavras de Jesus antes de morrer, segundo a Bíblia
A mera leitura do parágrafo acima já é suficiente para ilustrar a desmoralização do regime de política fiscal. Pelas regras, a meta fiscal para determinado ano é fixada em abril do ano anterior pela LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e guia a proposta orçamentária propriamente dita, enviada ao Congresso em agosto do mesmo ano.
Passados 11 meses, contudo, o governo de plantão pode não apenas alterar a meta determinada pela LDO mas violar as leis da matemática, em particular as que distinguem números positivos dos negativos e fingir que tudo vai bem.
Institucionalmente falando, trata-se da pá de cal sobre o regime que foi montado a partir do final do século passado, em torno do qual se articulou a visível melhora das contas públicas entre 1999 e 2008.
Tem razão meu amigo Samuel Pessôa em destacar o papel central da evolução da receita tributária no período, mas, de uma forma ou de outra, as regras vigentes não permitiram que todo crescimento da arrecadação terminasse por se tornar expansão ainda maior da despesa, o que certamente já deixou de ser o caso hoje.
Afora isso, a afirmação do ministro da Fazenda ("Eli, Eli, lamá sabachtháni?"*) acerca do "papel anticíclico" da despesa pública seria de fazer chorar qualquer economista de verdade.
Não se trata apenas de lembrar que essa mesma política, sob o comando da patativa genovesa, devidamente escudada pelo atual ministro, esteve no centro da deterioração econômica que nos trouxe à atual crise; ainda mais relevante, no presente contexto, é notar que preços de mercado já embutem um risco significativo de calote da dívida nacional, circunstância sob a qual a eficácia do gasto público para aumentar a demanda e a atividade praticamente inexiste.
Talvez nelson barbosa (pode manter as minúsculas, revisor) saiba disso, embora eu não coloque minha mão no fogo. Ainda assim, em face das pressões para a alteração da política econômica por parte do ex-futuro ministro da Casa Civil, o mais provável é que ele simplesmente não tenha tido a coragem de manter o rumo.
Afinal de contas, depois de tantos anos junto à patativa, não há coluna dorsal que não aprenda as virtudes da extraordinária flexibilidade.
Fica, portanto, mais difícil crer na sinceridade de propósito de seu "ajuste fiscal de longo prazo", ainda mais porque se trata da mesma proposta fulminada pela presidente ainda em sua encarnação como ministra. Não há rumo; apenas solidão.
*"Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?", palavras de Jesus antes de morrer, segundo a Bíblia
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