quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A CORDA ARREBENTA SEMPRE DO LADO MAIS FRACO

Ex-comunistas que aderiram ao euro agora pagam a conta da crise
São nações como Romênia, Hungria, Eslováquia, Eslovênia e Bulgária, ex-aliadas da URSS
João Sorima Neto - O Globo
SÃO PAULO - Não só os líderes das principais nações da União Europeia estão preocupados em restabelecer o crescimento econômico, criar novos postos de trabalho e estancar o déficit em suas contas. A recessão e o desemprego atingem não só França, Itália e Espanha, mas também a "periferia da Europa", principalmente as nações ex-comunistas que viram na adesão ao bloco da União Europeia - um território com 500 milhões de consumidores, que produz 20% do PIB global - uma forma de elevar seu Produto Interno Bruto (PIB) e melhorar a renda de sua população.
São nações como Romênia, Hungria, Eslováquia, Eslovênia e Bulgária, que antes da queda do muro de Berlim eram alinhadas à extinta União Soviética. A aprovação desses países como integrantes do bloco passou por reformas profundas como o combate à corrupção, reforma do sistema judiciário e ajustes para a economia de mercado, como redução do déficit público. A vida dos ex-comunistas melhorou com a entrada na UE, mas a conta da crise também começa chegar para eles. Na Eslováquia, o desemprego atinge quase 8% da população. O PIB da Eslovênia, um ex-república iugoslava, crescia quase 4% em 2002. Hoje, patina em 1,4%. A Bulgária vinha crescendo 6% ao ano até a crise de 2008, e entrou em forte recessão nos anos seguintes.
- Essas nações tiveram que fazer ajustes profundos para se integrar à União Europeia (UE), a maioria não aderiu à moeda única, o euro, mas todos tiveram os benefícios que um mercado consumidor de 500 milhões de pessoas pode trazer. Os produtos que fabricam podem ser vendidos livremente a cada um dos países-membros, com custo menor de transação; a maioria deles teve crescimento do PIB e a população teve aumento de renda e mais oportunidades de emprego. Mas agora eles também sofrem as consequências da crise - diz Otto Nogami, professor de economia do Insper, em São Paulo.
Na Romênia, a população foi às ruas recentemente protestar contra as medidas de austeridade do governo, assim como fizeram italianos e portugueses. A Hungria corre o risco de sofrer sanções do Conselho Europeu por desrespeitar as regras da democracia. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, mudou a Constituição e criou leis que limitam a independência do Banco Central, dos juízes, do Parlamento e até da imprensa. Para alguns analistas, Orbán quer instalar um regime autoritário na Hungria. O Conselho avisou que a Hungria tem cerca de um mês para mudar sua Constituição sob o risco de ser expulsa da UE.
- A Hungria vem de uma crise financeira de vários anos. A moeda local (florim) perdeu muito valor nos últimos meses e as dívidas cresceram. O país agora tem muita dificuldade de atrair o capital estrangeiro, o que complica a situação. Com as medidas antidemocráticas, isso piora. O país está à beira da falência e tenta ajuda junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Fundo de Estabilidade Europeu. Além do problema econômico, há uma crise política - explica o professor doutor Kai Lehmann, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Recentemente, a agência de classificação de risco Fitch cortou a nota da dívida de longo prazo da Hungria, de "BBB-" para "BB+". E a Moody's reduziu da nota de risco húngara, de "Baa3" para "Ba1". A economia do país encolheu em 2011 e deve encolher também em 2012.
Os problemas se estendem a outros membros 'periféricos' do grupo, lembra o professor Lehmann.
- A economia da Eslovênia sofre com os problemas da vizinha rica, a Aústria, um de seus mercados mais importantes. O Chipre vai sofrer as consequências se a Grécia quebrar. Mas a Hungria, na minha avaliação, é o pior caso - diz Lehmann.
Na última sexta-feira, a agência de classificação de risco Fitch rebaixou a nota de crédito de outros países periféricos da UR, entre eles o Chipre, de BBB para BBB- e a da Eslovênia, de AA- para A. O rebaixamento reflete a deterioração do cenário econômico da região, o elevado endividamento e o desequilíbrio nas contas dos países em questão, disse a agência em nota.
O site do jornal espanhol “El País” revelou que aumentou em 30 milhões o número de pessoas que estão no limite entre a classe média e a pobreza na Europa. Em 2007, antes da crise, havia 85 milhões de pessoas no limite da pobreza (17% da população); em 2009, eram 115 milhões (23%).Esse aumento não se deu pela ascensão de pessoas a uma nova classe média, como no Brasil, e sim pelo desemprego causado pela crise. Na prática, quem era da classe média perdeu o emprego e ficou mais pobre. Os países que mais sofreram foram a Bulgária e a Romênia, segundo o jornal, onde essa proporção quase dobrou, atingindo 46% e 43% da população local, respectivamente.
O interessante é que mesmo neste cenário de crise, há mais gente interessada em fazer parte da União Europeia. Várias repúblicas da extinta Iugoslávia estão entre elas. A Croácia foi aprovada como membro e um plebiscito junto à população ratificou a decisão. O país deve entrar na UE em 2013. A Macedônia protocolouu formalmente sua intenção de fazer parte do bloco. Outras nações como Bósnia-Herzegovina, Sérvia e Montenegro também estão na fila.
- Mesmo com a crise, integrar um bloco como a União Europeia é vantagem para estes países. Há possibilidade de novas parcerias comerciais, existe a possibilidade de livre movimentação de bens e pessoas. Muitos desses novos membros devem manter suas moedas locais, que podem ser desvalorizadas em momentos difíceis para ganhar competitividade e exportar mais. Assim que os problemas da UE forem sanados, essas nações têm um incentivo econômico a mais - diz o economista Raphael Martello, da Consultoria Tendências.

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