Escolas de samba não querem bicheiros longe da festa
Dirigentes rechaçam afirmação de Cabral e dizem que carnaval pode ser até prejudicado pela ausência de contraventores
Fábio Vasconcellos/Luiz Ernesto Magalhães/Rafael Galdo - O Globo
RIO - A declaração do governador Sérgio Cabral de que os patronos ligados ao jogo do bicho devem ser afastados das escolas, como forma de profissionalizar as agremiações, não encontrou apoio no mundo do samba. Integrantes das escolas e da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) não veem problema na participação dos patronos e acham que o desfile pode até ser prejudicado se não houver ajuda deles. A afirmação do governador foi feita na segunda noite do Grupo Especial. Cabral concordou com o prefeito Eduardo Paes, que disse ser necessário haver profissionalismo e transparência na aplicação dos recursos repassados às escolas de samba.
O presidente da Liesa, Jorge Castanheira, disse que, nos 28 anos em que trabalha no carnaval carioca, nunca viu qualquer "ato errado ou ilícito" na entidade. Castanheira acrescentou que se orgulha de trabalhar com os patronos e que o carnaval deve muito a eles:
— Sempre estive ao lado das pessoas a que ele (o governador) está se referindo e me orgulho muito de ter trabalhado com elas todos esses anos. Acho que elas é que têm que avaliar se querem ou não continuar ajudando as escolas. É uma questão de foro íntimo. A Liesa é uma entidade totalmente legalizada, com tudo em ordem.
A afirmação de Cabral irritou o dirigente da Beija-Flor, Farid Abrão David, irmão do bicheiro e presidente de honra da escola, Aniz Abraão David, o Anísio, que está preso:
— Se ele (Cabral) falou isso, foi altamente infeliz. As escolas já foram investigadas dezenas de vezes. Vê o nosso carnaval? Manda ele (sic) lá ver as nossas escolas. Estão à disposição de quem quer que seja. Isso é problema dele. Ele é o governador. Manda ele (sic) tomar as medidas que achar interessantes.
Para o diretor de carnaval da Unidos da Tijuca, Ricardo Fernandes, seria uma injustiça a saída dos bicheiros. Segundo ele, os patronos contribuíram para transformar as escolas:
— É possível hoje uma escola sobreviver sem os patronos. Mas querer que eles saiam do carnaval, acho uma injustiça. São pessoas que dedicaram sua vida às escolas. E não se deve misturar a vida pessoal com a sua presença nas agremiações.
O presidente de honra da Grande Rio, Jayder Soares, disse não ver motivos para que o presidente Hélio Ribeiro de Oliveira, o Helinho, se afaste da escola. Helinho estava foragido desde dezembro de 2011, quando aconteceu a Operação Dedo de Deus, para prender contraventores acusados de envolvimento com o crime organizado. Na casa de um parente de Helinho, na Barra, a polícia apreendeu cerca de R$ 4 milhões em dinheiro. Helinho conseguiu um habeas corpus no STF na sexta-feira passada, mas não foi à avenida.
— Ele se recupera de uma cirurgia na coluna. Ninguém tem nada aqui contra o jogo do bicho. A Grande Rio é muito mais do que isso — disse Jayder.
O presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, por sua vez, explicou como é administrar uma escola sem patronos. Ele contou que a agremiação se organizou, nos últimos anos, de forma empresarial. Com um departamento de marketing e comunicação, a escola faz, por exemplo, workshops para empresas e eventos na quadra e fora dela.
— É um trabalho de muitos anos. Desde 2010, só nossa comissão de frente já trouxe à Unidos da Tijuca um faturamento superior a R$ 3 milhões em shows — diz Horta.
O produtor cultural Luiz Calainho, que coordenou a produção do desfile da São Clemente, disse que levou a experiência de gestão da sua empresa para a escola. O desfile da São Clemente motivou Paes a comentar a necessidade de profissionalismo das escolas do Rio.
O que posso dizer é que conseguimos dar a nossa contribuição para que a escola atingisse o objetivo de permanecer no Grupo Especial. Gestão é sempre muito bom em qualquer segmento — disse Luiz.
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