A ‘perestroika’ brasileira
O que está em jogo no Brasil de hoje é a
reconstrução literal e completa do Estado brasileiro e sua verdadeira
inserção no século XXI
Nelson Paes Leme - O Globo
Todas as guerras, desde as mais remotas, têm suas raízes em disputas
econômicas. Inclusive a Guerra Fria. Também as revoluções, ainda que
tendo o pavio político e social a conduzi-las, têm como combustível e se
fundam em razões econômicas. Não tivesse sido Marx, por exemplo, antes
de tudo, um economista. Daí a importância da diplomacia e de governos
que a prestigiem com os indispensáveis conhecimentos em comércio
exterior e economia política de seus condutores. A economia política é,
nesse sentido, a grande ciência do futuro. Separar a economia da
política nas ciências sociais é um reducionismo primário. A ciência
política e a econômica são irmãs sociológicas siamesas.
O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba depois de
mais de meio século de isolamento e a recente advertência de Mikhail
Gorbachev nas comemorações da queda do Muro de Berlim quanto à volta da
Guerra Fria, no entanto, parecem estar sendo avaliadas mais por seu viés
político e factual. As raízes, porém, são econômicas. Quando ele mesmo,
Gorbachev, presidiu, na antiga URSS, às transformações decisivas que
acabaram por dar fim ao socialismo real e à Cortina de Ferro, não o fez
apenas com a perestroika. Embora tivesse passado ao Ocidente como arejamento libertário, a glasnost foi
o elemento autocrítico decisivo para discutir a pétrea economia estatal
soviética e sua desmontagem do aparelhamento do Estado, representado,
em sua essência, pelos apparatchik, a calcificada burocracia
estatal soviética. A caducidade dessa economia estatizada e seu
isolamento num mundo que se globalizava a passos largos, empobrecendo
crescentemente os países do bloco soviético, capitaneados pela Rússia,
foi certamente a pedra de toque da perestroika, que,
literalmente, significa reconstrução. Sem a desmontagem do aparato
econômico do gigantesco estamento tecnoburocrático que dirigia a URSS,
nada poderia ter sido feito, a perestroika teria sido em vão e a Guerra Fria poderia ter levado nosso planeta à destruição total.
A
advertência de Gorbachev, em que pese ter sido feita de maneira global,
cai como luva para a atual situação da economia política brasileira.
Assim também o reatamento das relações dos EUA com Cuba. Não apenas os
escândalos da Petrobras, mas toda a imensa sucessão de assaltos ao
Estado desde sempre tem tido origem nessa tecnoburocracia que controla,
com seus longos tentáculos, nossa economia altamente estatizada, hoje
tangida com mão de ferro pelos burocratas do PT. Sua desmontagem,
portanto, não é apenas um problema político. É eminentemente um problema
econômico. Como destravar a economia brasileira e entregá-la, liberta
desses tentáculos, aos verdadeiros agentes do progresso, do crescimento e
do desenvolvimento sustentáveis, abafada que se encontra hoje por esse
onipresente aparato tecnoburocrático que se apropriou do Estado
brasileiro, dominando-o e o infestando completamente? Em artigo no
GLOBO, por exemplo, o economista David Zylbersztajn chamava a atenção
para o fato de que as políticas do pré-sal estão sendo conduzidas na
contramão do entendimento da nova economia mundial e que o uso de
combustível fóssil não chegará ao final deste século, segundo o
contundente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC) da ONU. Conclui que toda a estratégia energética
petista atual se funda em matriz e conceitos do século passado.
Se os brasileiros não se unirem corajosa e consistentemente para
tentar reverter com vigor esse quadro e promover a nossa própria perestroika,
certamente o futuro será muito pior do que se imagina. O que está em
jogo no Brasil de hoje é a reconstrução literal e completa do Estado
brasileiro e sua verdadeira inserção no século XXI. Ou continuamos com o
gigantismo estatal sufocante na economia e com o bolivarianismo
retrógrado na política, representados por essa visão atrasada de luta de
classes, ou partimos para um Estado moderno, leve, fiscalizador,
vigoroso e pouco intervencionista, antídoto do populismo, do
clientelismo, do paternalismo das “bolsas” e das esmolas públicas,
antônimos da criatividade, do empreendedorismo e da verdadeira
independência econômica. Necessitamos, isto sim, de um Estado probo e
ágil, inserido na economia global que prestigie a ação diplomática nos
organismos internacionais e nos grandes fóruns multilaterais. Estes são
os verdadeiros agentes a retirar-nos da pobreza endêmica.
Antes da perestroika de Gorbachov, o Brasil era a segunda
economia mundial mais estatizada. Só perdia mesmo para para a falecida
URSS. Hoje deve ser, seguramente, a mais estatizada de todas. Toda a
política habitacional aqui depende da CEF; todo o desenvolvimento do
campo, do BB; e boa parte do desenvolvimento industrial e comercial, do
BNDES, para seus apaniguados, inclusive empresas estatais como a
Petrobras. A energia, agrilhoada nas mãos corrompidas desta e da
Eletrobrás, inclusive a nuclear. Todo esse conjunto completamente
dominado pelos apparatchik da burocracia companheira e seus “tesoureiros” conluiados com “empreiteiras” amigas.
O PT já chamou sua militância “às armas” para lutar por sua visão de
mundo do século passado e até aprofundá-la na manutenção desse
descalabro. Fez “o diabo" para não perder esta eleição. Continua
mentindo à nação desavergonhadamente. O que fará acuado pela Justiça é
uma incógnita. A única previsão possível é de que a História estará
andando em marcha a ré no Brasil nos próximos três anos.
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