Emily B. Hager e Mark Mazzetti - NYT
Iêmen: as imagens de um país mergulhado em violência
Os
hospitais estão sobrecarregados pela chegada contínua de feridos e há
escassez de medicamentos e equipamentos. Naseem al-Khaledi sofreu
fraturas faciais graves devido a um ataque aéreo no distrito de Faji
Attan, em Saná - Thomas Glass/ICRC/BBC
Os Emirados Árabes Unidos despacharam secretamente centenas de
mercenários colombianos rumo ao Iêmen para lutar no conflito violento do
país, acrescentando um novo elemento volátil a uma guerra complexa que
já atraiu Estados Unidos e Irã.
Este é o primeiro envio de combatentes para um exército estrangeiro que os Emirados formaram discretamente no deserto ao longo dos últimos cinco anos, dizem várias pessoas envolvidas no projeto.
O programa já foi coordenado por uma empresa privada ligada a Erik Prince, fundador da Blackwater Worldwide, mas as pessoas envolvidas na iniciativa disseram que o papel dele terminou há alguns anos e, desde então, foi assumido por militares dos Emirados.
A chegada de 450 soldados latino-americanos ao Iêmen --entre eles há também panamenhos, salvadorenhos e chilenos-- contribui para a caótica mistura de exércitos do governo, tribos armadas, redes terroristas e milícias iemenitas atualmente em guerra no país.
No início deste ano, uma coalizão de países liderada pela Arábia Saudita, e que inclui os Estados Unidos, começou uma campanha militar no Iêmen contra os rebeldes houthis que expulsaram o governo iemenita da capital, Sanaa.
Embora o Irã não tenha reconhecido oficialmente seu papel no conflito, há anos vem fornecendo apoio militar e financeiro aos houthis.
Este é também um vislumbre do futuro da guerra. Nações árabes ricas, especialmente a Arábia Saudita, Qatar e Emirados, adotaram uma estratégia militar mais agressiva nos últimos anos por todo o Oriente Médio, tentando conter o caos desencadeado pelas revoluções árabes que começaram no final de 2010. Mas esses países entraram em novos conflitos --no Iêmen, na Síria ou na Líbia-- com exércitos que não estão acostumados à guerra e populações que têm pouco interesse pelo serviço militar.
"Mercenários são uma opção atraente para os países ricos que querem fazer guerra mas cujos cidadãos não querem lutar", disse Sean McFate, membro do Conselho do Atlântico e autor de "The Modern Mercenary" ("O Mercenário Moderno", em tradução livre).
"O setor militar privado agora é globalizado", disse McFate, acrescentando que os Estados Unidos essencialmente "legitimaram" o setor com sua forte dependência de empresas terceirizadas no Iraque e no Afeganistão ao longo de mais de uma década de guerra. "Os mercenários latino-americanos são um sinal do que está por vir", disse ele.
Os soldados colombianos que estão agora no Iêmen, escolhidos a dedo de uma brigada de cerca de 1.800 soldados latino-americanos treinados numa base militar dos Emirados, foram acordados no meio da noite para serem enviados ao Iêmen no mês passado. Eles foram chamados para fora do quartel enquanto seus colegas ainda dormiam, e em seguida receberam plaquetas de identificação e postos no exército emirado. Os que foram deixados para trás agora estão sendo treinados para operar os lançadores de granadas e veículos blindados que as tropas dos Emirados estão usando atualmente no Iêmen.
Funcionários dos Emirados fizeram questão de recrutar soldados colombianos em vez de outros latino-americanos porque consideram que os colombianos têm mais experiência em guerrilha, tendo passado décadas lutando contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ou Farc, nas florestas da Colômbia.
A missão exata dos colombianos no Iêmen não é clara, e uma pessoa envolvida no projeto disse que podem se passar semanas até que haja um combate. Eles vão se juntar a centenas de soldados sudaneses que a Arábia Saudita recrutou para lutar lá como parte da coalizão.
Dezenas de soldados de operações especiais dos Emirados já morreram desde que chegaram ao sul do Iêmen, em agosto. Um único ataque de foguete no início de setembro matou 45, além de vários soldados sauditas e bahrani.
A presença de soldados da América Latina é um segredo oficial nos Emirados, e o governo não mencionou publicamente o envio deles ao Iêmen. Yousef Otaiba, embaixador dos Emirados em Washington, recusou-se a comentar. Um porta-voz do Comando Central dos Estados Unidos, o quartel-general militar que supervisiona o envolvimento dos EUA no conflito do Iêmen, também não quis comentar.
A força latino-americana nos Emirados foi originalmente criada para executar missões internas --guardar dutos e outras infraestruturas estratégicas e possivelmente reprimir tumultos nos acampamentos cada vez maiores que abrigam trabalhadores estrangeiros nos Emirados--, de acordo com documentos corporativos, autoridades dos EUA e várias pessoas envolvidas no projeto.
Em 2011, um relatório de inteligência destinado a líderes envolvidos no projeto listava a Al Qaeda na Península Arábica, os piratas somalis e motins internos como algumas das maiores ameaças à estabilidade dos Emirados.
Os soldados foram informados de que um dia poderiam ser chamados para combater em missões no exterior, mas até o envio ao Iêmen, as únicas missões externas que haviam recebido eram para fornecer segurança a navios comerciais de carga.
Essas missões eram raras, e os soldados envolvidos no projeto descreveram anos de monotonia acampados no deserto, abrigados numa base militar dos Emirados chamada Zayed. Eles acordam todos os dias às 5 da manhã para o exercício e treinamento militar, que inclui a prática de tiro, navegação e controle de motins. Muitos ocidentais, entre eles vários norte-americanos, vivem no acampamento e atuam como instrutores para os soldados da América Latina.
Mas no final da manhã o sol é tão forte no complexo varrido pelo vento que os soldados entram nas salas com ar condicionado para a instrução militar.
Os soldados vivem em quarteis militares normalmente austeros, pendurando a roupa limpa nas janelas para secar com o ar quente. Há uma sala de computadores onde eles podem checar e-mail e Facebook, mas não têm permissão para publicar fotos nas mídias sociais. As refeições são simples.
"É a mesma comida o tempo todo, todo dia", disse um membro do projeto há várias semanas. "Frango todo santo dia."
Os Emirados gastaram o equivalente a milhões de dólares para equipar a unidade, comprando desde armas de fogo e veículos blindados até sistemas de comunicação e tecnologia para enxergar no escuro. Mas os líderes dos Emirados raramente visitam o acampamento. Quando isso acontece, os soldados fazem demonstrações táticas, entre elas descer de rapel de um helicóptero e dirigir bugues blindados, próprios para as dunas.
A maioria deles fica por causa do dinheiro, recebendo salários que vão de US$ 2.000 (R$ 7,520) a US$ 3.000 (R$ 11.280) por mês, em comparação com os cerca de US$ 400 (R$ 1.500) que ganhariam na Colômbia. Os soldados que foram enviados ao Iêmen receberão um adicional de US$ 1.000 (R$ 3.760) por semana, de acordo com uma pessoa envolvida no projeto e um ex-militar colombiano.
McFate disse que a migração constante de soldados latino-americanas para o Golfo Pérsico gerou uma "fuga de armas" num momento em que os países latino-americanos precisam de soldados na batalha contra os cartéis de drogas.
Mas especialistas na Colômbia disseram que a promessa de ganhar mais dinheiro lutando para os Emirados --dinheiro que os soldados enviam para suas famílias na Colômbia-- faz com que seja difícil manter os soldados no país.
"Essas ofertas, com seguro e salários bons, chamam a atenção dos nossos melhores soldados", disse Jaime Ruiz, presidente da Associação de Funcionários Aposentados das Forças Armadas da Colômbia. "Muitos deles se aposentaram do exército e foram embora."
Tradutor: Eloise de Vylder
Este é o primeiro envio de combatentes para um exército estrangeiro que os Emirados formaram discretamente no deserto ao longo dos últimos cinco anos, dizem várias pessoas envolvidas no projeto.
O programa já foi coordenado por uma empresa privada ligada a Erik Prince, fundador da Blackwater Worldwide, mas as pessoas envolvidas na iniciativa disseram que o papel dele terminou há alguns anos e, desde então, foi assumido por militares dos Emirados.
A chegada de 450 soldados latino-americanos ao Iêmen --entre eles há também panamenhos, salvadorenhos e chilenos-- contribui para a caótica mistura de exércitos do governo, tribos armadas, redes terroristas e milícias iemenitas atualmente em guerra no país.
No início deste ano, uma coalizão de países liderada pela Arábia Saudita, e que inclui os Estados Unidos, começou uma campanha militar no Iêmen contra os rebeldes houthis que expulsaram o governo iemenita da capital, Sanaa.
Embora o Irã não tenha reconhecido oficialmente seu papel no conflito, há anos vem fornecendo apoio militar e financeiro aos houthis.
Este é também um vislumbre do futuro da guerra. Nações árabes ricas, especialmente a Arábia Saudita, Qatar e Emirados, adotaram uma estratégia militar mais agressiva nos últimos anos por todo o Oriente Médio, tentando conter o caos desencadeado pelas revoluções árabes que começaram no final de 2010. Mas esses países entraram em novos conflitos --no Iêmen, na Síria ou na Líbia-- com exércitos que não estão acostumados à guerra e populações que têm pouco interesse pelo serviço militar.
"Mercenários são uma opção atraente para os países ricos que querem fazer guerra mas cujos cidadãos não querem lutar", disse Sean McFate, membro do Conselho do Atlântico e autor de "The Modern Mercenary" ("O Mercenário Moderno", em tradução livre).
"O setor militar privado agora é globalizado", disse McFate, acrescentando que os Estados Unidos essencialmente "legitimaram" o setor com sua forte dependência de empresas terceirizadas no Iraque e no Afeganistão ao longo de mais de uma década de guerra. "Os mercenários latino-americanos são um sinal do que está por vir", disse ele.
Os soldados colombianos que estão agora no Iêmen, escolhidos a dedo de uma brigada de cerca de 1.800 soldados latino-americanos treinados numa base militar dos Emirados, foram acordados no meio da noite para serem enviados ao Iêmen no mês passado. Eles foram chamados para fora do quartel enquanto seus colegas ainda dormiam, e em seguida receberam plaquetas de identificação e postos no exército emirado. Os que foram deixados para trás agora estão sendo treinados para operar os lançadores de granadas e veículos blindados que as tropas dos Emirados estão usando atualmente no Iêmen.
Funcionários dos Emirados fizeram questão de recrutar soldados colombianos em vez de outros latino-americanos porque consideram que os colombianos têm mais experiência em guerrilha, tendo passado décadas lutando contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ou Farc, nas florestas da Colômbia.
A missão exata dos colombianos no Iêmen não é clara, e uma pessoa envolvida no projeto disse que podem se passar semanas até que haja um combate. Eles vão se juntar a centenas de soldados sudaneses que a Arábia Saudita recrutou para lutar lá como parte da coalizão.
Dezenas de soldados de operações especiais dos Emirados já morreram desde que chegaram ao sul do Iêmen, em agosto. Um único ataque de foguete no início de setembro matou 45, além de vários soldados sauditas e bahrani.
A presença de soldados da América Latina é um segredo oficial nos Emirados, e o governo não mencionou publicamente o envio deles ao Iêmen. Yousef Otaiba, embaixador dos Emirados em Washington, recusou-se a comentar. Um porta-voz do Comando Central dos Estados Unidos, o quartel-general militar que supervisiona o envolvimento dos EUA no conflito do Iêmen, também não quis comentar.
A força latino-americana nos Emirados foi originalmente criada para executar missões internas --guardar dutos e outras infraestruturas estratégicas e possivelmente reprimir tumultos nos acampamentos cada vez maiores que abrigam trabalhadores estrangeiros nos Emirados--, de acordo com documentos corporativos, autoridades dos EUA e várias pessoas envolvidas no projeto.
Em 2011, um relatório de inteligência destinado a líderes envolvidos no projeto listava a Al Qaeda na Península Arábica, os piratas somalis e motins internos como algumas das maiores ameaças à estabilidade dos Emirados.
Os soldados foram informados de que um dia poderiam ser chamados para combater em missões no exterior, mas até o envio ao Iêmen, as únicas missões externas que haviam recebido eram para fornecer segurança a navios comerciais de carga.
Essas missões eram raras, e os soldados envolvidos no projeto descreveram anos de monotonia acampados no deserto, abrigados numa base militar dos Emirados chamada Zayed. Eles acordam todos os dias às 5 da manhã para o exercício e treinamento militar, que inclui a prática de tiro, navegação e controle de motins. Muitos ocidentais, entre eles vários norte-americanos, vivem no acampamento e atuam como instrutores para os soldados da América Latina.
Mas no final da manhã o sol é tão forte no complexo varrido pelo vento que os soldados entram nas salas com ar condicionado para a instrução militar.
Os soldados vivem em quarteis militares normalmente austeros, pendurando a roupa limpa nas janelas para secar com o ar quente. Há uma sala de computadores onde eles podem checar e-mail e Facebook, mas não têm permissão para publicar fotos nas mídias sociais. As refeições são simples.
"É a mesma comida o tempo todo, todo dia", disse um membro do projeto há várias semanas. "Frango todo santo dia."
Os Emirados gastaram o equivalente a milhões de dólares para equipar a unidade, comprando desde armas de fogo e veículos blindados até sistemas de comunicação e tecnologia para enxergar no escuro. Mas os líderes dos Emirados raramente visitam o acampamento. Quando isso acontece, os soldados fazem demonstrações táticas, entre elas descer de rapel de um helicóptero e dirigir bugues blindados, próprios para as dunas.
A maioria deles fica por causa do dinheiro, recebendo salários que vão de US$ 2.000 (R$ 7,520) a US$ 3.000 (R$ 11.280) por mês, em comparação com os cerca de US$ 400 (R$ 1.500) que ganhariam na Colômbia. Os soldados que foram enviados ao Iêmen receberão um adicional de US$ 1.000 (R$ 3.760) por semana, de acordo com uma pessoa envolvida no projeto e um ex-militar colombiano.
McFate disse que a migração constante de soldados latino-americanas para o Golfo Pérsico gerou uma "fuga de armas" num momento em que os países latino-americanos precisam de soldados na batalha contra os cartéis de drogas.
Mas especialistas na Colômbia disseram que a promessa de ganhar mais dinheiro lutando para os Emirados --dinheiro que os soldados enviam para suas famílias na Colômbia-- faz com que seja difícil manter os soldados no país.
"Essas ofertas, com seguro e salários bons, chamam a atenção dos nossos melhores soldados", disse Jaime Ruiz, presidente da Associação de Funcionários Aposentados das Forças Armadas da Colômbia. "Muitos deles se aposentaram do exército e foram embora."
Tradutor: Eloise de Vylder
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