Wolfgang Munchau - FT/DN
Basta pegarmos
em três declarações feitas na semana passada por três dos políticos
europeus mais importantes e fazermos as contas. A chanceler alemã,
Angela Merkel, disse: a não ser que acordemos num mecanismo para
partilhar refugiados, a área europeia de livre-circulação, o espaço
Schengen, fica em questão. Manuel Valls, primeiro-ministro francês,
disse: não foi o nosso país que decidiu abrir as fronteiras; nós já não
podemos receber refugiados. E Jean-Claude Juncker, presidente da
Comissão Europeia, disse: se Schengen fracassar, o euro fracassa.
Claro
que nenhum destes políticos queria dizer aquilo. O que nós estamos a
ver aqui é como a política e a economia interagem atualmente na Europa.
Não há, evidentemente, nenhuma ligação económica entre Schengen e o
euro. Os controlos fronteiriços não estão entre as dez, nem sequer as
50, principais ameaças fundamentais à sustentabilidade a longo prazo da
zona euro. Mas o Sr. Juncker tem alguma razão. Schengen e o euro são os
projetos mais ambiciosos e mais visíveis da União Europeia. O desfazer
do primeiro pode instaurar um precedente.
Como
sempre, o papel da Alemanha será crucial. A Sra. Merkel cometeu um erro
importante na forma como abriu as portas aos refugiados. Ela não
consultou outros líderes políticos, nem sequer o seu próprio partido.
Ela subestimou o impacto e não conseguiu fazer os preparativos
logísticos. Será realmente surpreendente que alguns países da UE se
recusem a aceitar até as modestas quotas propostas?
Há
muitos sentimentos feridos na Alemanha. Ouvi recentemente um comentador
normalmente equilibrado proclamar que o país que tinha exibido uma
atitude tão generosa na crise da zona euro se sentia agora traído pelos
Estados membros seus parceiros europeus. Há muita coisa que está errada
nesta declaração - para começar, a ideia de que a Alemanha se portou bem
durante a crise do euro. E muitos dos países mais relutantes, como a
Polónia, nem sequer pertencem à zona euro. Há ira também, para onde quer
que se olhe na Alemanha. Os conservadores alemães estão também
preocupados com o próximo estímulo monetário do Banco Central Europeu e
com as propostas da Comissão Europeia para um seguro de depósito
bancário. Eles estão a ver a grande mutualização da dívida a entrar
sorrateiramente pela porta das traseiras e olham isso como uma grande
traição.
Mesmo os líderes moderados
como o Sr. Valls e Mark Rutte, primeiro-ministro holandês, parecem falar
com ira quando advogam medidas extremas, como a de fechar as fronteiras
Schengen aos refugiados. O Sr. Rutte também estabeleceu a ligação entre
a sobrevivência do euro e o futuro da zona de livre-circulação.
O
que se está a passar? A resposta simples é que se estão a desenrolar
demasiadas crises em simultâneo para as quais a UE não está preparada:
os refugiados, o terrorismo, a invasão da Ucrânia pela Rússia, a dívida
soberana da zona euro, a crise constitucional portuguesa, a
independência da Catalunha, a banca italiana, a Volkswagen. Em breve
necessitaremos de uma base de dados das crises para as conseguirmos
acompanhar.
A UE, com os seus complexos
sistemas de controlos e equilíbrios, regras de votação de dupla maioria
em alguma legislação e de unanimidade noutra, não foi construída para
lidar com estas questões geopolíticas e geoeconómicas prementes. Foi
projetada para negociar acordos comerciais, implementar políticas de
concorrência, desembolsar fundos estruturais e delinear uma política de
vizinhança. A UE está überfordert - sobrecarregada - por
conflitos militares regionais e globais, pela coordenação da política
macroeconómica e por emergências humanitárias.
Nunca
se deve desperdiçar uma boa crise, era o que costumavam dizer em
Bruxelas. Agora já não é assim. No início da década de 1970, o colapso
do sistema de Bretton Woods de taxas de câmbio semifixas foi uma dessas
crises úteis. Ela desencadeou o longo processo da integração monetária
europeia. As recessões do fim da década de 1970 e do início da de 1980
criaram um consenso político que deu origem ao mercado único.
Mas
a proliferação de emergências políticas e as competências dos Estados
membros e da UE significam que, agora, as crises são rotineiramente
desperdiçadas. Nem sequer são resolvidas. O futuro da Grécia na zona
euro é agora tão incerto como era no verão. Atenas irá receber mais um
empréstimo, mas a única coisa que mudou realmente foi que a história não
está nas primeiras páginas. Outras emergências parecem mais
importantes.
Atualmente, a resposta da
UE a todas estas crises é empurrar com a barriga. Como vimos na crise do
euro, isto pode funcionar por uns tempos. Mas, enquanto se podem fazer
truques de ilusionismo com a dívida, é mais difícil fazer que isso
funcione com os refugiados. Se a fronteira externa não estiver
suficientemente bem controlada, os países acabarão por não ter outra
hipótese que não seja a de imporem os seus próprios controlos internos. E
devem fazê-lo.
O meu conselho é que se
concentrem no que, em última instância, é importante: defendam o euro e
deixem cair Schengen se necessário. Mas isto exigiria um sentido de
direção estratégica até agora ausente. Os sobrecarregados líderes
europeus podem acabar por perder os dois.
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