Leandro Prazeres - UOL
Divulgação/Quilliam Foundation
Adam Deen fez parte de uma organização extremista no Reino Unido e hoje trabalha para evitar que jovens ingressem em movimentos terroristas
O que leva cidadãos europeus criados em países desenvolvidos a se tornarem radicais? Adam Deen diz saber parte da resposta. Adam é um ex-radical muçulmano de origem turca e criado no Reino Unido. No início dos anos 90, ele se filiou ao grupo extremista Al-Muhajiroun, banido em 2005 e conhecido por apoiar no Reino Unido as ações do Estado Islâmico e por ter ligações com os assassinos do fuzileiro naval Lee Rigby, morto em 2013 em Londres.
No início dos anos 2000, Adam se afastou do movimento e é hoje
pesquisador sênior da Quilliam Foundation, uma entidade com sede em
Londres que estuda a causas da radicalização de jovens na Europa. Em
entrevista para o UOL, Adam diz que é muito mais fácil
recrutar jovens hoje que na sua "época" e que o extremismo afetou até
sua relação com as mulheres.
UOL - O que o levou a ingressar em um grupo radical?
Adam Deen - No final da minha adolescência, eu tive um grande interesse pelo Islã e queria descobrir um pouco mais sobre isso. Um dia, eu saí da mesquita após as orações de sexta-feira e esbarrei numa pessoa dessa organização extremista que distribuía um panfleto. A mensagem era a de que era uma obrigação nossa estabelecer o Estado islâmico. Trocamos telefones e passei a ir às reuniões do grupo. Eles se tornaram uma espécie de autoridade no meu mundo e na forma como eu entendia a minha fé. Eu fiquei mais e mais simpático a essas teses e me juntei à organização.
UOL - Quão perto você esteve de conduzir ataques terroristas?
Deen - Na época em que eu fui um radical, éramos uma organização não-violenta, mas ainda assim era extremista. Ela [Al-Muhajiroun] se auto-denomina "Estado Islâmico-Reino Unido". Ela não estava preparando ações violentas, entretanto, por conta do tipo de educação islâmica que eles davam para os integrantes, alguns de nós consideraram a opção de conduzir um atentado terrorista. Tive alguns encontros com pessoas de fora da organização e com alguns mentores para avaliar nossa participação em ataques terroristas. Mas eu nunca me engajei em um ataque.
UOL - Você nasceu e foi criado em uma família de classe média razoavelmente integrada à sociedade inglesa. Como foi, exatamente, que um jovem com essa estrutura, acabou virando um extremista?
Deen - Meu mundo ficou muito polarizado, parecido com a ideologia do EI. Tudo o que era bom estava num lado com o Islã e com os muçulmanos, e tudo o que fosse diferente disso, ocidental, era visto como herético e mal. Comecei a criar uma antipatia pela sociedade ocidental. Fiquei alienado da sociedade e isso teve custos sociais. Eu via amigos e familiares que não eram ligados à minha forma de ver o islã como maus muçulmanos ou muçulmanos fora do caminho. Eu não tinha uma vida social com o sexo oposto porque era visto como algo ocidental e imoral.
UOL - Muita gente no Brasil e fora dele não entende como jovens criados em países desenvolvidos, com acesso a boa educação e saúde, podem se transformar em jovens radicais, como os que participaram dos ataques em Paris. Boa parte deles eram cidadãos europeus...
Deen - Isso acontece porque a narrativa radical é muito sedutora. De um lado, isso é apresentado intelectualmente de uma forma muito lógica. Na superfície, parece absolutamente racional. De outro, não existe uma contra-narrativa dentro do Islã que se oponha a essa narrativa radical. Quando eu era parte dessa organização, as pessoas ao meu redor não eram capazes de argumentar contra essa narrativa extremista na qual eu estava inserido. Foi só mais tarde que consegui desenvolver um pensamento crítico.
UOL - Mas o Islã é conhecido por ser uma religião que prega a paz. Como não há alternativa à radicalização?
Deen - Hoje, nós temos duas correntes principais dominando o espaço intelectual islâmico. Temos o Wahhabismo (interpretação considerada ultra-conservadora do Islã e que alguns estudiosos dizem fundamentar a ideologia de líderes do Estado Islâmico) e o Islamismo (também conhecido como Islamismo Político, defende a criação de um Estado predominantemente islâmico regido pela sharia, conjunto de leis islâmicas). Você é basicamente levado a chegar a um desses dois campos de pensamento sem que haja uma alternativa consolidada a isso tudo.
UOL - Você quer dizer que para evitar o radicalismo, a mudança tem que vir de dentro do Islã?
Deen - Muita gente culpa a radicalização por elementos econômicos e sociais. Mas isso é irrelevante para a questão. Veja o meu caso: que fator socioeconômico me fez mais suscetível a essa propaganda? Eu realmente gostaria de deixar isso claro porque não deveríamos negligenciar essa falta de uma opção dentro do próprio islã. A mudança tem que vir de dentro da comunidade muçulmana. O que o Ocidente pode fazer é apoiar e entender que há duas estratégias. Uma é focar nas pessoas que já são extremistas e potencialmente perigosas. A segunda é de longo prazo, que é impedir que as pessoas cheguem perto de se radicalizarem. Em vez de esperar que as pessoas se radicalizem, por que não tentar evitar que essa jornada aconteça?
UOL - Os refugiados são uma ameaça em termos de segurança?
Deen - Eu não acho que há motivos para se preocupar com isso. Os imigrantes são pessoas que estão fugindo desse tipo de violência. Eles são vítimas, e não algozes. Onde o problema é sério é com aquelas pessoas que já são cidadãos.
UOL - É mais fácil recrutar jovens hoje do que era na sua época?
Deen - Sim. Recrutar um extremista ficou muito mais fácil. No meu tempo, eles [os recrutadores] eram muito ativos. Eles estavam em cada mesquita, em cada centro comunitário, mas hoje temos o poder das mídias sociais. Eles estão em todos os lugares. Isso é uma ferramenta essencial. Até recentemente, isso era completamente ignorado. Os grupos radicais colocam até 12 mil vídeos na internet todos os meses. Nós estamos diante de uma máquina de propaganda sem precedentes na história. A mensagem agora está chegando a audiências cada vez maiores.
UOL - O Estado Islâmico é o grupo terrorista mais perigoso da história recente?
Deen - Eu acho que sim. Sem dúvida.
UOL - O que o levou a ingressar em um grupo radical?
Adam Deen - No final da minha adolescência, eu tive um grande interesse pelo Islã e queria descobrir um pouco mais sobre isso. Um dia, eu saí da mesquita após as orações de sexta-feira e esbarrei numa pessoa dessa organização extremista que distribuía um panfleto. A mensagem era a de que era uma obrigação nossa estabelecer o Estado islâmico. Trocamos telefones e passei a ir às reuniões do grupo. Eles se tornaram uma espécie de autoridade no meu mundo e na forma como eu entendia a minha fé. Eu fiquei mais e mais simpático a essas teses e me juntei à organização.
UOL - Quão perto você esteve de conduzir ataques terroristas?
Deen - Na época em que eu fui um radical, éramos uma organização não-violenta, mas ainda assim era extremista. Ela [Al-Muhajiroun] se auto-denomina "Estado Islâmico-Reino Unido". Ela não estava preparando ações violentas, entretanto, por conta do tipo de educação islâmica que eles davam para os integrantes, alguns de nós consideraram a opção de conduzir um atentado terrorista. Tive alguns encontros com pessoas de fora da organização e com alguns mentores para avaliar nossa participação em ataques terroristas. Mas eu nunca me engajei em um ataque.
UOL - Você nasceu e foi criado em uma família de classe média razoavelmente integrada à sociedade inglesa. Como foi, exatamente, que um jovem com essa estrutura, acabou virando um extremista?
Deen - Meu mundo ficou muito polarizado, parecido com a ideologia do EI. Tudo o que era bom estava num lado com o Islã e com os muçulmanos, e tudo o que fosse diferente disso, ocidental, era visto como herético e mal. Comecei a criar uma antipatia pela sociedade ocidental. Fiquei alienado da sociedade e isso teve custos sociais. Eu via amigos e familiares que não eram ligados à minha forma de ver o islã como maus muçulmanos ou muçulmanos fora do caminho. Eu não tinha uma vida social com o sexo oposto porque era visto como algo ocidental e imoral.
UOL - Muita gente no Brasil e fora dele não entende como jovens criados em países desenvolvidos, com acesso a boa educação e saúde, podem se transformar em jovens radicais, como os que participaram dos ataques em Paris. Boa parte deles eram cidadãos europeus...
Deen - Isso acontece porque a narrativa radical é muito sedutora. De um lado, isso é apresentado intelectualmente de uma forma muito lógica. Na superfície, parece absolutamente racional. De outro, não existe uma contra-narrativa dentro do Islã que se oponha a essa narrativa radical. Quando eu era parte dessa organização, as pessoas ao meu redor não eram capazes de argumentar contra essa narrativa extremista na qual eu estava inserido. Foi só mais tarde que consegui desenvolver um pensamento crítico.
UOL - Mas o Islã é conhecido por ser uma religião que prega a paz. Como não há alternativa à radicalização?
Deen - Hoje, nós temos duas correntes principais dominando o espaço intelectual islâmico. Temos o Wahhabismo (interpretação considerada ultra-conservadora do Islã e que alguns estudiosos dizem fundamentar a ideologia de líderes do Estado Islâmico) e o Islamismo (também conhecido como Islamismo Político, defende a criação de um Estado predominantemente islâmico regido pela sharia, conjunto de leis islâmicas). Você é basicamente levado a chegar a um desses dois campos de pensamento sem que haja uma alternativa consolidada a isso tudo.
UOL - Você quer dizer que para evitar o radicalismo, a mudança tem que vir de dentro do Islã?
Deen - Muita gente culpa a radicalização por elementos econômicos e sociais. Mas isso é irrelevante para a questão. Veja o meu caso: que fator socioeconômico me fez mais suscetível a essa propaganda? Eu realmente gostaria de deixar isso claro porque não deveríamos negligenciar essa falta de uma opção dentro do próprio islã. A mudança tem que vir de dentro da comunidade muçulmana. O que o Ocidente pode fazer é apoiar e entender que há duas estratégias. Uma é focar nas pessoas que já são extremistas e potencialmente perigosas. A segunda é de longo prazo, que é impedir que as pessoas cheguem perto de se radicalizarem. Em vez de esperar que as pessoas se radicalizem, por que não tentar evitar que essa jornada aconteça?
UOL - Os refugiados são uma ameaça em termos de segurança?
Deen - Eu não acho que há motivos para se preocupar com isso. Os imigrantes são pessoas que estão fugindo desse tipo de violência. Eles são vítimas, e não algozes. Onde o problema é sério é com aquelas pessoas que já são cidadãos.
UOL - É mais fácil recrutar jovens hoje do que era na sua época?
Deen - Sim. Recrutar um extremista ficou muito mais fácil. No meu tempo, eles [os recrutadores] eram muito ativos. Eles estavam em cada mesquita, em cada centro comunitário, mas hoje temos o poder das mídias sociais. Eles estão em todos os lugares. Isso é uma ferramenta essencial. Até recentemente, isso era completamente ignorado. Os grupos radicais colocam até 12 mil vídeos na internet todos os meses. Nós estamos diante de uma máquina de propaganda sem precedentes na história. A mensagem agora está chegando a audiências cada vez maiores.
UOL - O Estado Islâmico é o grupo terrorista mais perigoso da história recente?
Deen - Eu acho que sim. Sem dúvida.
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