O caso Delcídio
No caso atual, a alegação é que o senador
Delcídio do Amaral não poderia ser preso pelo estrito dizer da
Constituição. Mas isso seria decretar a impossibilidade de punir um
crime evidente, dar a um criminoso a proteção da Justiça quando a lei
foi feita para protegê-lo, e à democracia, quando no exercício de seu
mandato, e não em situações de evidente delito como aquela flagrada na
gravação.
Aliás, alega-se também que a gravação, tendo sido feita à
revelia de Delcidio, não poderia ser usada como prova contra ele,
ponderação que os ministros da 2 Turma não levaram em conta. Em casos
como esse, no entanto, o senador estaria se utilizando da democracia
para atentar contra ela, e a Justiça tem que ter meios para reagir a
isso.
Foi o que a 2 Turma do STF fez ao interpretar a Constituição.
É o que o STF está fazendo desde o mensalão. Os criminalistas alegam
que mesmo considerando a natureza do crime de organização criminosa como
permanente, o fato de ser permanente não permite a prisão em flagrante a
qualquer momento.
Quando um crime é inafiançável a lei diz
expressamente, alegam, citando os crimes inafiançáveis: racismo, tráfico
de drogas, terrorismo, crimes hediondos e ação de grupos armados, civis
ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
(Art.5º, incisos XLII, XLIII, XLIV, da CF).
Não é o fato de caber
prisão preventiva que torna um crime inafiançável, contestam. No mais,
porque justificar essa suposta inafiançabilidade com o fato de ser
possível a prisão preventiva, se o senador não pode ser preso
preventivamente? O ministro Teori Zavascki, na última página da decisão
diz "decreto a prisão cautelar. Expeça-se mandado de prisão."
Só
existem dois tipos de prisão cautelar: prisão temporária e prisão
preventiva. Prisão em flagrante não tem natureza cautelar. Se ele
tivesse sido preso em flagrante teria de ter sido lavrado um auto de
prisão em flagrante e deveria ter sido realizada uma audiência de
custódia - do senador com o próprio Teori, o que não houve.
Mas há
constitucionalistas, como Gustavo Binenbojm, agora professor titular da
UERJ, que interpretam a decisão do Supremo de maneira positiva. O que o
STF talvez considere, pondera ele, é que aquela prerrogativa do art. 52,
parágrafo 2o, da Constituição exige é a prisão em flagrante por crime
inafiançável, como título jurídico original da privação da liberdade.
Após
o referendo dado pelo Senado, o que aconteceu nas 24 horas seguintes, o
STF fica autorizado a prolongar a prisão em virtude da presença dos
requisitos legitimadores da prisão preventiva, como única maneira de
impedir que o preso volte a tentar obstaculizar as investigações da
Lava-Jato.
Afinal, por que o art. 53, parágrafo 2o admite a prisão em
flagrante do parlamentar quando em questão a prática de crime
inafiançável? Qual o sentido finalístico dessa norma? A meu ver, diz
Binenbojm, só pode ser o de permitir a interrupção da prática delitiva
e, por extensão, impedir que o parlamentar possa, imediatamente após ser
detido, ser posto em liberdade e colocar em risco a persecução penal,
até em função do poder inerente à sua condição de parlamentar.
Assim,
caberá ao STF acompanhar as circunstâncias envolvidas nas investigações
do caso e avaliar, permanentemente, a necessidade da manutenção da
prisão, à luz dos requisitos legais da prisão preventiva. O entendimento
contrário - de viés literal e formalista, classifica Binenbojm- levaria
ao esvaziamento do sentido finalístico da prisão em flagrante do
parlamentar, pois ele teria que ser sempre libertado imediatamente após a
prisão, configurando quase uma contradição em termos.
O sistema
admitiria a prisão do parlamentar, mas o preso teria que ser
imediatamente libertado, sem possibilidade de o Judiciário (no caso, o
STF) avaliar a necessidade da subsistência da prisão para preservar a
persecução penal. Por evidente, comenta Binenbojm, a Constituição não
pode ser interpretada de forma a institucionalizar a impunidade e
retirar a credibilidade das instituições do Estado democrático de
direito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário