Ou esse troço ainda acaba virando uma bagunça e se desmoralizando. Não se deve dar a delatores o privilégio de ir ajustando suas narrativas segundo as conveniências da hora
Reinaldo Azevedo - VEJA
Há duas ocorrências envolvendo delações premiadas que, obviamente, impõem que se repensem procedimentos. Vamos ver. Fernando Moura, que já havia incriminado José Dirceu, mudou a versão na semana passada em depoimento ao juiz Sérgio Moro. Minimizou a atuação do ex-ministro no petrolão.
Os
procuradores ameaçaram, então, cancelar os benefícios de sua delação.
Ele não teve dúvida e mudou a história uma segunda vez, voltando a
incriminar Dirceu. Disse nesta quinta, referindo-se ao pagamento de
propina: “Eu tenho certeza de que ele tinha [conhecimento]”.
Moura era
amigo do petista havia 30 anos. Ao falar ao juiz, chegou a sugerir que
seus depoimentos tivessem sido deturpados pelos procuradores. Nesta
quinta, admitiu ter mentido. E foi além. Afirmou ter sentido que sua
família estava sendo ameaçada, o que teria motivado a mentira. Um homem
lhe teria indagado na rua sobre seus dois netos, que moram no Rio Grande
do Sul.
Moura disse
que, em 2005, a conselho de Dirceu, passou quatro meses do exterior. O
esquema criminoso lhe teria repassado dinheiro a pedido do petista
Renato Duque, que era diretor de Serviços da Petrobras.
Bem, parece
evidente que as coisas não podem ser feitas desse modo. Não havendo a
prova material, documental — e não há, porque a natureza da apuração
lida com provas circunstanciais — de que uma versão ou outra é a
verdadeira, em qual acreditar?
Sim, sabemos
do esquema criminoso que foi montado e tendemos a apostar que fale a
verdade agora. Que seja. Mas uma coisa me parece certa: alguém com esse
comportamento não pode ter o benefício da delação premiada. Não fosse a
ameaça feita pelos procuradores, ele teria voltado atrás da mentira
contada em juízo?
Vamos à
segunda ocorrência, na qual Moura também está envolvido. Seu primeiro
depoimento com acusações contra Dirceu não tinha sido gravado nem em
áudio nem em vídeo. Reportagem da Folha informa que há outros casos.
Há
declarações sem registros audiovisuais de Alberto Youssef e seus
principais auxiliares — Rafael Angulo Lopez e Carlos Alexandre de Souza
Rocha — sobre a entrega de dinheiro em espécie para vários políticos. Os
três teriam incriminado, por exemplo, o deputado Nelson Meurer (PP-PR),
denunciado por Rodrigo Janot ao STF. Teori Zavascki ainda não se
pronunciou a respeito.
De fato, a
lei não impõe, apenas sugere, esse tipo de registro. Parece, quando
menos, uma medida prudencial, não é mesmo? Vejam lá o caso do delator
que mudou de ideia duas vezes: quando prestou depoimento ao juiz Sergio
Moro, sugeriu que os procuradores haviam deturpado a sua fala.
A
Procuradoria-Geral da República se limitou a lembrar a não
obrigatoriedade, não explicando as razões para ter dispensado o registro
audiovisual.
Não há uma
só explicação boa. Se a lei não o obriga, que o bom senso o faça. Quanto
ao delator que já contou uma história, desmentiu e voltou à versão
original, bem, a mim parece evidente que não deve mais contar com o
benefício da delação.
Concedê-lo
seria aquiescer com a versão de que ele foi ameaçado, o que, convenham,
requereria, então, uma investigação específica. Ele está sugerindo que a
ameaça partiu de Dirceu?
Não dá para
condescender com isso. Já aconteceu com Julio Camargo, lembram-se?, no
caso Eduardo Cunha. Em delação, primeiro, ele negou a participação do
deputado num esquema de recebimento de propina e depois voltou atrás.
Tudo indica que falou a verdade nessa segunda vez. Não importa. Deveria
ter perdido o benefício. Fim.
Ou esse
troço ainda acaba virando uma bagunça e se desmoralizando. Não se deve
dar a delatores o privilégio de ir ajustando suas narrativas segundo as
conveniências da hora.
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