Segundo as atas de suas audiências às quais o "Le Monde" teve acesso, o único sobrevivente dos comandos de Paris só foi interrogado por duas horas desde que foi preso, em 18 de março
Élise Vincent - Le Monde
VTM/Reuters
Imagem de vídeo mostra momento em Salah Abdeslam, de casaco branco, é preso por policiais belgas, em Molenbeek, próximo a Bruxelas (Bélgica)
Uma semana após a detenção de Salah Abdeslam, o "Le Monde" teve acesso ao conteúdo de sua audiência com os investigadores na Bélgica.
O único sobrevivente
dos comandos dos ataques de Paris, no dia 13 de novembro de 2015, hoje é
suspeito de saber sobre o duplo atentado que estava sendo preparado em
Bruxelas e de não ter feito nada para impedi-los.
Abdeslam foi ouvido um dia após ser preso, no dia 19 de março, na sede da polícia federal em Bruxelas. Primeiro pelos policiais e depois, algumas horas mais tarde, pela juíza de instrução, cerca de uma hora a cada vez. Um tempo que parece muito curto, considerando o valor desse acusado.
Essa audiência, bastante sumária e repleta de incoerências, mostra que os investigadores talvez tenham perdido uma oportunidade de obter informações que poderiam ter permitido frustrar os atentados de 22 de março. Abdeslam foi interrogado sobretudo sobre os acontecimentos de 13 de novembro de 2015.
Os policiais até tentaram saber mais sobre seus cúmplices em Bruxelas e a ajuda logística da qual ele pôde desfrutar durante seus 125 dias de fuga dentro da capital. Mas o interrogatório não avançou.
Abdeslam se contentou em responder às perguntas que lhe fizeram, minimizando seu papel, mas não deu nenhum elemento que pudesse despertar as suspeitas dos investigadores. Assim, a Justiça belga parece ter deixado passar a tragédia que estava sendo tramada.
Às 10h daquele sábado, Abdeslam estava acompanhado de um advogado designado pela Corte, e a primeira pergunta que lhe fizeram foi sobre seu papel durante os atentados de 13 de novembro.
Abdeslamh confirmou que foi ele que alugou carros e hotéis, e também admitiu ter sido o motorista dos três terroristas até o Stade de France. Mas em vez de assumir completa responsabilidade, ele jogou a culpa em seu irmão mais velho: "Fiz aquilo a pedido de Brahim".
AFP
Salah Abdeslam
Ele só confirmou a identidade de Bilal Hadfi, e não a dos outros dois terroristas suicidas do Stade de France, cujo papel ele disse "ignorar". Foi naquele momento que ele também explicou que deveria ir ao Stade de France, sem ingresso, para "se explodir."
No caso, aquele que viria buscá-lo em Paris junto com Hamza Attou. Ali começaram as primeiras omissões de Abdeslam, uma vez que desde então se descobriu que ele tentou ligar pelo menos para uma de suas tias que mora em Paris.
Sobre seu cinturão de explosivos, Abdeslam garante que foi seu irmão Brahim que lhe deu no apartamento alugado em Bobigny. Depois de desistir, ele conta que o "escondeu" em um "lugar discreto".
Mais tarde, a juíza de instrução tentou saber se ele realmente havia desistido de se suicidar, ou se ele tinha tido um problema técnico.
Segundo informações obtidas pelo "Le Monde", Abdi Aberkan, o primo em cuja casa ele se refugiou em Molenbeek, na rua dos Quatre-Vents, e que foi detido no dia 19 de março, afirmou em sua audiência que Abdeslam lhe havia dito que em seu cinturão faltara "líquido explosivo".
Uma das maiores mentiras de Abdeslam diz respeito a Abdelhamid Abaaoud, o suposto mentor dos atentados de Paris. O jovem de 26 confirmou: "Foi ele o responsável pelos atentados".
"Sei disso por causa do meu irmão Brahim", ele explicou. Mas em vez de dizer que os dois se conheciam desde a infância, e chegaram a ser detidos juntos na ocasião de um arrombamento de uma garagem em 2010, Abdeslam jurou, sem piscar, que a "única vez" em que ele havia visto "Abaaoud em sua vida" fora na véspera dos atentados, em um esconderijo em Charleroi.
Sobre essas supostas cumplicidades em Bruxelas, durante sua fuga, os investigadores só obtiveram de Abdeslam indicações superficiais.
O jihadista explicou que no dia seguinte aos atentados de Paris, ele primeiramente se escondeu em Schaerbeek, uma comuna de Bruxelas, na casa de alguém que ele chamou de Abdel, e que na verdade era Mohamed Belkaid, morto em uma incursão mal-sucedida em Forest, no dia 15 de março.
Abdeslam afirmou ter ido para a casa dele porque "não tinha outro lugar para ir". Mas mais tarde ele afirmou em suas declarações que Mohamed Belkaid logo lhe garantiu, no dia 14 de novembro, que ele possuía outro esconderijo, em Forest, onde por fim ele veio a morrer, permitindo que Abdeslam fugisse.
Vítimas de atentados terroristas em Bruxelas
A italiana Patricia Rizzo, 48, morreu no atentado de Bruxelas. "Infelizmente, Patricia não está mais entre nós. É triste, mas colocamos um fim a esta corrida interminável para encontrá-la", escreveu Massimo Leonora, primo da italiana, em sua conta no Facebook. Patricia trabalhava na Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar e estava no metrô de Maelbeek no momento do ataque terrorista. Ela era casada e tinha um filho - Imagem: Reprodução/ Facebook
Questionado sobre o financiamento dessa viagem, Abdeslam afirmou: "o dinheiro da locação vinha de meu irmão Brahim. Não sei qual a proveniência desse dinheiro, mas sei que não era seu. Toda vez que tive de pagar por coisas para preparar esses atentados, o dinheiro vinha de Brahim".
Isso parece confirmar que Mohamed Belkaid foi levado para a Bélgica especificamente para preparar a logística à distância do massacre do dia 13 de novembro.
"Abdel Mohamed Belkaid não estava contente em me ver voltar. Eu lhe expliquei que não consegui me explodir. Ele me consolou e em seguida disse que ia me esconder o tempo necessário para que eu pudesse ir até um lugar onde estaria em segurança", contou Salah.
Eles passaram do esconderijo de Schaerbeek para Forest de táxi dez dias depois, segundo suas declarações.
Questionado sobre o segundo homem com quem ele foi detido no dia 19 de março, Abdeslam foi muito menos loquaz. Este tinha vários pseudônimos, um deles "Amine Choukri". Mas seu verdadeiro patronímico, segundo informações obtidas pelo "Le Monde", era Ayari, de origem tunisiana.
Esse homem Abdeslam confirma ter ido buscar na Hungria e ter levado até Schaerbeek, onde por fim ele se escondeu, mas de quem ele afirmou "não saber nada". Contudo, através de suas declarações, Abdeslam confirmou sua periculosidade. Assim como Mohamed Belkaid, Ayari tinha "ido para a Síria".
O momento em que os investigadores provavelmente perderam a chance de frustrar os ataques sendo preparados em Bruxelas veio quando Abdeslam foi interrogado sobre Ibrahim e Khalid el-Bakraui, dois dos terroristas do duplo atentado de 22 de março.
Mostraram-lhe uma foto dos dois irmãos e, assim como ele fez depois com a juíza de instrução, ele afirmou sem hesitar: "Não os conheço". E ele nunca mais foi questionado sobre esse ponto.
Abdeslam foi ouvido um dia após ser preso, no dia 19 de março, na sede da polícia federal em Bruxelas. Primeiro pelos policiais e depois, algumas horas mais tarde, pela juíza de instrução, cerca de uma hora a cada vez. Um tempo que parece muito curto, considerando o valor desse acusado.
Essa audiência, bastante sumária e repleta de incoerências, mostra que os investigadores talvez tenham perdido uma oportunidade de obter informações que poderiam ter permitido frustrar os atentados de 22 de março. Abdeslam foi interrogado sobretudo sobre os acontecimentos de 13 de novembro de 2015.
Os policiais até tentaram saber mais sobre seus cúmplices em Bruxelas e a ajuda logística da qual ele pôde desfrutar durante seus 125 dias de fuga dentro da capital. Mas o interrogatório não avançou.
Abdeslam se contentou em responder às perguntas que lhe fizeram, minimizando seu papel, mas não deu nenhum elemento que pudesse despertar as suspeitas dos investigadores. Assim, a Justiça belga parece ter deixado passar a tragédia que estava sendo tramada.
Às 10h daquele sábado, Abdeslam estava acompanhado de um advogado designado pela Corte, e a primeira pergunta que lhe fizeram foi sobre seu papel durante os atentados de 13 de novembro.
Abdeslamh confirmou que foi ele que alugou carros e hotéis, e também admitiu ter sido o motorista dos três terroristas até o Stade de France. Mas em vez de assumir completa responsabilidade, ele jogou a culpa em seu irmão mais velho: "Fiz aquilo a pedido de Brahim".
AFP
Salah Abdeslam
Ele só confirmou a identidade de Bilal Hadfi, e não a dos outros dois terroristas suicidas do Stade de France, cujo papel ele disse "ignorar". Foi naquele momento que ele também explicou que deveria ir ao Stade de France, sem ingresso, para "se explodir."
Uma série de incoerências
Sobre o que aconteceu após a noite sangrenta, ele conta: "Desisti quando estacionei o carro. Deixei meus três passageiros, depois saí novamente. Rodei a esmo, e parei o carro, não sei onde. Fechei o veículo, levei a chave comigo e entrei na estação Montrouge. Andei algumas estações, uma ou duas, e em seguida desci. Caminhei até uma loja de telefonia, comprei um telefone e contatei uma única pessoa: Mohamed Amri".No caso, aquele que viria buscá-lo em Paris junto com Hamza Attou. Ali começaram as primeiras omissões de Abdeslam, uma vez que desde então se descobriu que ele tentou ligar pelo menos para uma de suas tias que mora em Paris.
Sobre seu cinturão de explosivos, Abdeslam garante que foi seu irmão Brahim que lhe deu no apartamento alugado em Bobigny. Depois de desistir, ele conta que o "escondeu" em um "lugar discreto".
Mais tarde, a juíza de instrução tentou saber se ele realmente havia desistido de se suicidar, ou se ele tinha tido um problema técnico.
Segundo informações obtidas pelo "Le Monde", Abdi Aberkan, o primo em cuja casa ele se refugiou em Molenbeek, na rua dos Quatre-Vents, e que foi detido no dia 19 de março, afirmou em sua audiência que Abdeslam lhe havia dito que em seu cinturão faltara "líquido explosivo".
Uma das maiores mentiras de Abdeslam diz respeito a Abdelhamid Abaaoud, o suposto mentor dos atentados de Paris. O jovem de 26 confirmou: "Foi ele o responsável pelos atentados".
"Sei disso por causa do meu irmão Brahim", ele explicou. Mas em vez de dizer que os dois se conheciam desde a infância, e chegaram a ser detidos juntos na ocasião de um arrombamento de uma garagem em 2010, Abdeslam jurou, sem piscar, que a "única vez" em que ele havia visto "Abaaoud em sua vida" fora na véspera dos atentados, em um esconderijo em Charleroi.
Sobre essas supostas cumplicidades em Bruxelas, durante sua fuga, os investigadores só obtiveram de Abdeslam indicações superficiais.
O jihadista explicou que no dia seguinte aos atentados de Paris, ele primeiramente se escondeu em Schaerbeek, uma comuna de Bruxelas, na casa de alguém que ele chamou de Abdel, e que na verdade era Mohamed Belkaid, morto em uma incursão mal-sucedida em Forest, no dia 15 de março.
Abdeslam afirmou ter ido para a casa dele porque "não tinha outro lugar para ir". Mas mais tarde ele afirmou em suas declarações que Mohamed Belkaid logo lhe garantiu, no dia 14 de novembro, que ele possuía outro esconderijo, em Forest, onde por fim ele veio a morrer, permitindo que Abdeslam fugisse.
Vítimas de atentados terroristas em Bruxelas
A italiana Patricia Rizzo, 48, morreu no atentado de Bruxelas. "Infelizmente, Patricia não está mais entre nós. É triste, mas colocamos um fim a esta corrida interminável para encontrá-la", escreveu Massimo Leonora, primo da italiana, em sua conta no Facebook. Patricia trabalhava na Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar e estava no metrô de Maelbeek no momento do ataque terrorista. Ela era casada e tinha um filho - Imagem: Reprodução/ Facebook
De esconderijo em esconderijo
Mohamed Belkaid e Salah Abdeslam se conheciam porque o segundo foi buscar o primeiro na Alemanha (ou na Hungria, suas declarações divergem), em setembro de 2015, em uma Mercedes alugada.Questionado sobre o financiamento dessa viagem, Abdeslam afirmou: "o dinheiro da locação vinha de meu irmão Brahim. Não sei qual a proveniência desse dinheiro, mas sei que não era seu. Toda vez que tive de pagar por coisas para preparar esses atentados, o dinheiro vinha de Brahim".
Isso parece confirmar que Mohamed Belkaid foi levado para a Bélgica especificamente para preparar a logística à distância do massacre do dia 13 de novembro.
"Abdel Mohamed Belkaid não estava contente em me ver voltar. Eu lhe expliquei que não consegui me explodir. Ele me consolou e em seguida disse que ia me esconder o tempo necessário para que eu pudesse ir até um lugar onde estaria em segurança", contou Salah.
Eles passaram do esconderijo de Schaerbeek para Forest de táxi dez dias depois, segundo suas declarações.
Questionado sobre o segundo homem com quem ele foi detido no dia 19 de março, Abdeslam foi muito menos loquaz. Este tinha vários pseudônimos, um deles "Amine Choukri". Mas seu verdadeiro patronímico, segundo informações obtidas pelo "Le Monde", era Ayari, de origem tunisiana.
Esse homem Abdeslam confirma ter ido buscar na Hungria e ter levado até Schaerbeek, onde por fim ele se escondeu, mas de quem ele afirmou "não saber nada". Contudo, através de suas declarações, Abdeslam confirmou sua periculosidade. Assim como Mohamed Belkaid, Ayari tinha "ido para a Síria".
O momento em que os investigadores provavelmente perderam a chance de frustrar os ataques sendo preparados em Bruxelas veio quando Abdeslam foi interrogado sobre Ibrahim e Khalid el-Bakraui, dois dos terroristas do duplo atentado de 22 de março.
Mostraram-lhe uma foto dos dois irmãos e, assim como ele fez depois com a juíza de instrução, ele afirmou sem hesitar: "Não os conheço". E ele nunca mais foi questionado sobre esse ponto.
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