terça-feira, 1 de março de 2016

Sim, ele pode
João Pereira Coutinho - FSP
Hoje é dia de Super Terça nos Estados Unidos e só existe uma pergunta: como explicar o sucesso de Donald Trump? São infinitos os artigos que repetem a pergunta como se Trump fosse uma nova epidemia, pronta para destruir a humanidade.
Li muitos desses artigos. Parei, por motivos óbvios: já não aguentava tanto riso. A culpa é da ignorância do povo, diziam uns. A culpa é da mídia que deu palco a um "palhaço", diziam outros. Pessoalmente, talvez a culpa seja do aquecimento global, que derrete os neurônios de qualquer pessoa civilizada.
Mas o único artigo com pés e cabeça foi escrito por Daniel Drezner no "The Washington Post": se Trump vencer a indicação republicana, a culpa é dos cientistas políticos. A culpa, no fundo, é de pessoas como eu e da "ciência" que eu pratico. Maldito seja Daniel Drezner! E não é que ele tem razão?
Diz Drezner que, nos últimos anos, os "cientistas" desenvolveram uma teoria que consideravam infalível: nas eleições presidenciais, vence quem tem o apoio do partido.
Foi a confiança na "ciência" que levou o Partido Republicano a desprezar a ameaça Trump. Aliás, os outros candidatos conservadores se alinharam na mesma falácia: nos debates, gastaram munições uns contra os outros -e esqueceram-se de Trump, imperial e ileso. Agora é tarde, Inês é Marta.
"Mea culpa": também eu acreditava na "teoria dos partidos". Mais: um resto de otimismo acredita ainda. Pode ser que Marco Rubio consiga virar o jogo, diz a voz interior da esperança.
Pena que a realidade seja uma conspiração contra ela: depois de New Hampshire, da Carolina do Sul e de Nevada, Trump está em todo o lado. Entre os jovens, entre os velhos. Entre os moderados, entre os radicais. Entre os cultos, entre os incultos. Como foi que a "ciência política" não previu isso?
A essa eu respondo: porque a "ciência política", grosso modo, prefere o mundo como ele deveria ser -e não como ele é.
A Europa é um bom exemplo: em vários países do continente, e com a França em lugar de destaque, crescem os partidos extremistas que prometem combater a imigração, libertar o país do chicote fiscal de Bruxelas e encerrar as fronteiras aos malefícios da globalização.
E esse crescimento explica-se porque a imigração (sobretudo do Oriente Médio), a "austeridade" econômica e os desafios do cosmopolitismo são medos "reais", e não ilusórios, de populações que se sentem esquecidas pelas elites políticas "tradicionais".
No meio deste abismo, qualquer populista que ofereça soluções fáceis (e radicais) para os gritos da turba corre sérios riscos de vencer democraticamente uma eleição.
Infelizmente, essa evidência não perturba a "intelligentsia" da Europa: se os temas "incômodos" são incômodos, melhor não falar deles - uma espécie de "pensamento mágico" segundo o qual tudo desaparece se nada for mencionado. Na hora de votar, o bom senso democrático será soberano.
Como escreveu Peggy Noonan no "The Wall Street Journal", a política moderna está hoje dividida entre os "protegidos" e os "desprotegidos". Os primeiros encontram-se nos "partidos do sistema", na mídia cúmplice e, claro, nos "cientistas políticos" que sabem tudo, exceto política.
Os "desprotegidos" são todos os outros que se confrontam com a insegurança e a pobreza endêmicas, procurando em vão uma resposta vinda "de cima".
E se isso acontece na Europa, também se encontra nos Estados Unidos, defende Noonan. O sucesso de Trump explica-se pelo fato de ele não se apresentar como um "protegido"; antes como um "outsider".
Nas suas proclamações radicais, ele conquista os americanos que perderam a fé em Washington; que temem, com razão ou sem, as ameaças da imigração; e que clamam pelo "velho sonho americano", feito de oportunidades e riqueza para todos.

Quando venceu a corrida presidencial, o slogan de Obama era "Yes, We Can" -uma frase que lidava mais com o narcisismo do candidato do que com as preocupações dos cidadãos que ele procurava governar.
O slogan de Trump é "Make America Great Again": tão simples, tão tosco, tão eficaz.
Se a "ciência política" não confundisse o desejo com a realidade, teria compreendido que na diferença entre as duas frases está o segredo do fenômeno Trump. 

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