domingo, 31 de agosto de 2014

As Bolsas Plebiscito de Dilma e Marina 
Elio Gaspari - O Globo
Marina Silva merece todos os aplausos. Anunciou em seu programa o que pretende fazer se for eleita. Ela quer criar uma "democracia de alta intensidade". O que é isso, não se sabe. Lendo-a vê-se que, sob o guarda-chuva de uma expressão bonita — “democracia direta” — deseja uma nova ordem constitucional. Apontando mazelas do sistema eleitoral vigente, propõe outro, plebiscitário, com coisas assim: “Os instrumentos de participação — mecanismos de participação da democracia representativa, como plebiscitos e consultas populares, conselhos sociais ou de gestão de políticas públicas, orçamento democrático, conferências temáticas e de segmentos específicos — se destinam a melhorar a qualidade da democracia”.
Marina parte da premissa de que “o atual modelo de democracia (está) em evidente crise". Falta provar que esteja em crise evidente uma democracia na qual elegeu-se senadora, foi ministra e, em poucas semanas, tornou-se virtual favorita numa eleição presidencial. Ela diz que nesse país em crise “a representação não se dá de forma equilibrada, excluindo grupos inteiros de cidadãos, como indígenas, negros, quilombolas e mulheres”. Isso numa eleição que, hoje, as duas favoritas são mulheres, uma delas autodefinida como negra.
Marina quer “democratizar a democracia”. O jogo de palavras é belo, mas é sempre bom lembrar que na noite de 13 de dezembro de 1968, quando os ministros do marechal Costa e Silva aprovaram a edição do Ato Institucional nº 5, a democracia foi exaltada 19 vezes. Deu numa ditadura de dez anos e 18 dias. A candidata, com sua biografia, é produto da ordem democrática. Ela nunca a ofendeu, mas seu programa vê no Congresso um estorvo. Se o PT apresentasse um programa desses, a doutora Dilma seria crucificada de cabeça para baixo.
Marina não está sozinha com seu projeto de reestruturação plebiscitária. Durante o debate da Band, Aécio Neves criticou a proposta de Dilma de realizar uma reforma política por meio de um plebiscito, rotulando-a de “bolivariana”, numa alusão às mudanças de Hugo Chávez na Venezuela. Ela respondeu o seguinte: “Se plebiscitos forem instrumentos bolivarianos, então a Califórnia pratica o bolivarianismo”.
Que todos os santos de Roma e d’África protejam a doutora. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Desde janeiro de 2010, a Califórnia fez 338 plebiscitos e aprovou 112 iniciativas. O mais famoso deles ocorreu em 1978 e tratava do congelamento do imposto sobre propriedades, associado à exigência de dois terços das assembleias estaduais para aprovar aumento de impostos. Tratava-se de responder “sim” ou “não”. Deu 65% a 35% e atribui-se a esse episódio um dos maiores sinais do renascimento do conservadorismo americano (em 1980-1981 Ronald Reagan foi eleito presidente dos Estados Unidos.)
No Brasil já se realizaram três grandes plebiscitos. Em 1963 e 1993, o povo escolheu entre parlamentarismo e presidencialismo. Ganhou o presidencialismo. Em 2005, a urna perguntava: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?” O “não” teve 64% dos votos.
A sério, um plebiscito é simples: “sim” ou “não”? “Parlamentarismo” ou “presidencialismo”? Essa é uma prática da democracia direta, porque é simples.
A proposta de encaminhamento plebiscitário de uma reforma política só não é bolivariana porque vem a ser um truque muito mais velho que a bagunça venezuelana. Em 1934, Benito Mussolini fez a reforma política dos sonhos dos comissariados. Os eleitores recebiam uma lista de nomes com a composição do Parlamento e podiam votar “sim” ou “não”. Il Duce levou por 99,84% a 0,15%.
A República brasileira não está em crise, pelo contrário. Seus poderes Executivo e Legislativo serão renovados numa eleição em que Marina vê vícios profundos, ainda que não os veja na possibilidade de ser eleita. Sua proposta de reordenamento do Estado pode encarnar a vontade do eleitorado mas, na melhor das hipóteses, dá em nada. Na pior, em cesarismo plebiscitário.
Recordar é viver
Marina Silva não sabia que o avião em que viajava com Eduardo Campos saía de um caixa dois. (naquele jatinho só a máquina parecia estar nos conformes; era de um usineiro falido, fora vendido a um consórcio de laranjas, e o piloto estava “cansadaço”).
Lula também não sabia da existência do mensalão. Em 1993, numa de suas campanhas, foi apanhado voando em dois jatinhos. Um pertencia ao filho do deputado João Alves, que amealhara uma fortuna ganhando na loteria e participando das malfeitorias da Comissão de Orçamento. Ficou conhecido como um dos Sete Anões. Outro era de uma empresa que fornecia alimentos à prefeitura petista de São Paulo.
Confrontado com a impropriedade, Nosso Guia informou que não sabia de nada e foi para o ataque: “Estão querendo jogar o PT na mesma lama dos outros partidos”.
Obama e Marina
Em 2008, Vernon Jordan, um dos ícones da elite negra americana, apoiava a campanha de sua amiga Hillary Clinton. Ela tinha tudo para ser indicada candidata a presidente pelo partido Democrata. Anos antes, ele percebera que o casal tinha futuro e ajudou a construir a figura de Bill, um desconhecido governador do Arkansas.
Quando Jordan passou a apoiar a candidatura do companheiro Obama, explicou-se em poucas palavras: “É duro você ir contra um movimento”.
O Pró-Mercedes
Um carioca bem-humorado conspiromaníaco acredita ter descoberto um programa secreto do PT para azarar Aécio Neves.
Estariam distribuindo automóveis Mercedes-Benz com adesivos do candidato no vidro traseiro.
Boa notícia
As coisas boas também acontecem. Apesar de persistir a guilhotina tributária que expõe as pequenas empresas à morte súbita quando elas faturam mais de R$ 3,6 milhões anuais e são expulsas do sistema de cobrança do Simples, andou-se um bom pedaço nessa questão.
Há poucas semanas a doutora Dilma expandiu o alcance do Simples, beneficiando cerca de 450 mil empresas de profissionais liberais. Além disso, acabou com o martírio da exigência de certidões negativas para abertura e fechamento de empresas. Mais: pequenas e médias empresas só poderão ser multadas se forem visitadas duas vezes pelo fiscal. Na primeira, caso não haja dolo, ele adverte; na segunda, autua.
Pleito
Os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram o encaminhamento ao Congresso de um pedido de aumento. Ganham R$ 29.462 e querem R$ 35.919, equivalentes a US$ 209 mil anuais. Mais carro com motorista e passagens.
Seus nove colegas da Corte Suprema americana ganham US$ 214 mil, sem mais nada. O juiz Harry Blackmun, pai da sentença que legalizou o aborto, ia para o serviço de Fusca. David Souter rodava um Passat. Antonin Scalia dirige o BMW que comprou.

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