A onda se forma
MERVAL PEREIRA - O Globo
Ontem deve ter sido o
dia mais difícil da presidente Dilma nos últimos tempos, só teve notícia
ruim. Pela manhã, o anúncio oficial de uma recessão econômica, à noite a
pesquisa Datafolha no "Jornal Nacional" anunciando o que a maioria já
previa: Marina Silva alcançou-a no primeiro turno, preparando a
ultrapassagem previsível nas próximas sondagens, e tem vitória
confirmada no segundo turno por dez pontos de vantagem.
Para o tucano Aécio
Neves, sobra a constatação de estar no lugar certo no momento errado,
pois antes do acidente trágico que matou o ex-governador Eduardo Campos
tinha condições de chegar ao segundo turno, e até mesmo ganhar a
eleição.
Preparado para uma
disputa que tinha como mote o fim da era PT, de repente o candidato do
PSDB foi atirado em meio a uma nova eleição, que abriu outra perspectiva
eleitoral, com o mesmo sentido mas com outros ingredientes: a emoção
superando a razão, os símbolos ganhando dimensões de realidade, trocada
pelos sonhos.
Basicamente, o programa
lançado ontem pela candidata Marina Silva é o mesmo programa econômico
que o PSDB apresentou, já defendido em diversas ocasiões tanto pelo
candidato quanto por aquele que seria (será?) seu ministro da Fazenda, o economista Armínio Fraga.
Natural, pois Campos e
Aécio estiveram muito próximos no início da campanha, e a própria Marina
tem em sua equipe economistas de pensamentos similares aos dos do PSDB,
inclusive um, André Lara Resende, que já esteve no governo de Fernando
Henrique Cardoso. Outro, Giannetti da Fonseca, já disse que um eventual
governo Marina a economia poderia ser comandada pelo mesmo Armínio, o
que, mais que uma revelação de decisão, é uma indicação da proximidade
na visão econômica dos dois partidos.
O ponto talvez mais
polêmico do programa do PSB seja o deslocamento de prioridades na
política energética, com o incentivo para fontes de energia alternativas
ao petróleo. O pré-sal, que se transformou em ponta de lança dos
governos petistas, passaria a ter um papel secundário, dentro do
entendimento de que o crescimento econômico deve obedecer à preservação
do meio ambiente.
O petróleo seria "um mal
necessário" para Marina, e o país deve preparar-se para viver sem ele,
que é um insumo finito e poluidor.
Implícito nessa política
está também que o incentivo ao consumo de automóveis, com isenção de
impostos e controle do preço da gasolina, será abandonada.
Há outro ponto de
aproximação importante entre PSB e PSDB: a intenção de retirar a
centralidade do Mercosul na nossa política de comércio exterior, abrindo
espaços para acordos bilaterais como vêm fazendo os países da Aliança
Atlântica, como Peru e Chile. Além dos aspectos econômicos, está
embutida nessa decisão estratégica uma mudança geopolítica importante,
que nos afastaria dos países chamados "bolivarianos" da América Latina.
Essa coincidência de pontos de vista pode facilitar um acordo com o PSDB no segundo turno.
Ontem, até mesmo o mote
de Aécio de chamar o eleitorado "para conversar" foi utilizado por
Marina no Twitter, se propondo a conversar com os eleitores para
esclarecer as denúncias que estão pipocando nas redes sociais.
Para a presidente Dilma,
em queda e com uma crise econômica pela frente, uma visão
esquizofrênica: para explicar o fracasso da economia, seus aliados dizem
que a recessão ficou para trás nos dois primeiros trimestres e já
estamos crescendo novamente, embora nada indique que isso seja verdade.
Com relação à pesquisa
que mostra Dilma sendo alcançada por Marina, uma caindo, a outra em
ascensão, veem uma situação imutável, com seu favoritismo mantido. A
pesquisa Datafolha indica que Marina vem crescendo e já superou Dilma no
Sudeste e no Centro-Oeste (regiões em que o PSDB venceu nas eleições
presidenciais anteriores) e nas cidades médias e grandes em todo o país.
Não parece uma mera onda passageira.
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