sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Como viver em sociedades cada vez mais desiguais?
Le Monde - Philippe Arnaud
Aijaz Rahi/AP
25.abr.2014 - Crianças atravessam um canal com água parada e repleto de lixo em uma área de favela em Bangalore, na Índia 25.abr.2014 - Crianças atravessam um canal com água parada e repleto de lixo em uma área de favela em Bangalore, na Índia
Teria sido o inacreditável sucesso do livro "O Capital no Século 21", de Thomas Piketty, o responsável por abrir esse nicho? A questão das desigualdades na França e da justiça social é diagnosticada em duas obras recentes, que somam ao ponto de vista do economista o de sociólogos e de um demógrafo.
François Dubet, professor de sociologia na Universidade de Bordeaux, organizou uma obra coletiva, publicada em junho, chamada "Inégalités et justice social" ("Desigualdades e justiça social", Ed. La Découverte), com a participação de cerca de vinte autores, entre eles vários sociólogos. Entre os mais conhecidos, estão Alain Caillé, Pierre Rosanvallon, Luc Boltanski, Alain Touraine e o filósofo Alain Renaut.
A reflexão deles se articula em torno de quatro questões: na imensidão das desigualdades sociais, quais são "pertinentes" para entender a vida social?; há princípios de justiça que permitam reconhecer "desigualdades justas" e "desigualdades injustas"?; Como os indivíduos lidam (subjetivamente) com as desigualdades sociais?. Por fim, qual seria o papel dos sociólogos na sociedade de hoje?
Consenso
"Hoje estamos em uma situação paradoxal", escreve Dubet. "Enquanto as desigualdades sociais se aprofundam e parecem voltar ao estado do início do século 20, o regime de representação das desigualdades em termos de classes sociais vem declinando. De um lado, as classes sociais parecem ter perdido sua consistência social; de outro, desigualdades até então invisíveis ou secundárias passam a revelar novos problemas e trazem à tona novos atores, sobretudo as desigualdades entre sexos e entre as maiorias e as minorias discriminadas."
Enquanto Dubet expõe suas próprias convicções de maneira detalhada em um ensaio a ser publicado no dia 18 de setembro, "La Préférence pour l'inégalité: comprendre la crise des solidarités" (ou "A preferência pela desigualdade: para entender a crise de solidariedade", Ed. Seuil-La Repúblique des idées), as contribuições de seus coautores muitas vezes divergem.
O debate sobre a atualidade da teoria da justiça do americano John Rawls – que defende o princípio de equidade correspondente, mais do que uma rígida igualdade, na consolidação dos Estados-providência e da redução das desigualdades – é muito interessante: essa teoria seria menos pertinente quando as desigualdades aumentam?
Rosanvallon acredita que sim, enquanto Alain Renaut defende a ideia de que ela continua válida. Mas há consenso em torno de duas constatações. Primeiro, um certo constrangimento dos sociólogos em relação ao fenômeno de "desconstrução" das classes sociais, como observa Luc Boltanski. Isso porque outros conceitos entraram em crise, como o da igualdade de oportunidades meritocrática, diz Rosanvallon.
"Uma das condições necessárias para as políticas de igualdade"
Dubet lembra: a igualdade de oportunidades na escola é uma faca de dois gumes. "Da mesma maneira que os alunos são responsabilizados por seus fracassos, há uma suspeita que recai sobre os pobres, os desempregados, os imigrantes, alguns doentes, que no fundo seriam responsáveis por seu destino, e que não mereceriam nem nossa compaixão, nem nossa solidariedade."
Segunda constatação: a solidariedade está em crise. Para todos os autores, "o sentimento de solidariedade é uma das condições necessárias às políticas da igualdade". Émile Durkheim (1858-1917) dizia isso em sua época, o laço social é feito de um mínimo de "amor" ou de simpatia. Os autores concluem observando que embora "nem todas as desigualdades sejam equivalentes", a sociologia pode ajudar a distinguir as desigualdades "justas" das desigualdades "injustas."
Hervé Le Bras, demógrafo e historiador, diretor de estudos na Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais, fala em uma "confusão das desigualdades". Seu "Atlas des inégalités" (Ed. Autrement, publicação prevista para 10 de setembro) apresenta um mapeamento inédito, realizado com base nos dados do Insee.
O autor reuniu números recentes, mas também estatísticas antigas, que permitem obter constantes. É o caso da geografia do divórcio, de 1896 até os dias de hoje, que mostra que o índice de separações continua sendo maior no norte da França, em Paris e na costa mediterrânea do que no Grande Oeste e no sul do Maciço central.
"Segregação metropolitana"
Para Le Bras, uma das grandes tendências é "o crescimento da segregação metropolitana, ou seja, a tendência dos mais afortunados, dos mais instruídos, dos mais jovens, de se concentrarem nas grandes metrópoles". Os operários vivem agora "longe do centro", observa.
O demógrafo não hesita em retomar um termo introduzido outrora por um oficial francês, Jean-Marie Delarue, autor de um célebre relatório para o ministro de Política Urbana: o "banimento" das classes populares. "A sociedade está se separando cada vez mais em dois mundos, tanto em termos de renda como em termos de localização", escreve. A constatação é semelhante à do geógrafo Christophe Guilluy, em "Fractures françaises" (Ed. Flammarion, 2013).
"O aumento das desigualdades age como um veneno que vai enfraquecendo a democracia aos poucos", adverte Le Bras. "Os partidos políticos são incapazes de abordar essa extensão das desigualdades." Ele ressalta a importância dos amortecedores contra a crise e a retração do Estado-providência, que são a família, a solidariedade dos vizinhos, a casa própria e a religião. São "camadas protetoras", diz.

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