Raphael Deberdt - Le Monde
Anjan Sundaram/AP
A República Democrática do Congo (RDC) está prestes a fazer um avanço considerável na proteção dos direitos humanos. Uma lei que trata de princípios fundamentais relativos aos povos autóctones pigmeus acaba de entrar na pauta da Assembleia Nacional Congolesa com o apoio de membros da sociedade civil e de personalidades políticas. Em um país onde os direitos dos pigmeus são historicamente desconsiderados, essa é uma iniciativa importante.
O texto, que vem sendo preparado há vários anos, pretende elevar o país ao mesmo patamar que seus vizinhos em matéria de proteção jurídica dos direitos das populações indígenas. A vizinha República do Congo aprovou em 2011 uma lei sobre a promoção e a proteção dos direitos dos povos pigmeus, enquanto a República Centro-Africana se tornou, em abril de 2010, o primeiro país africano a ratificar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais.
A República Democrática do Congo é um dos países do continente africano mais bem dotados de recursos naturais, onde é possível encontrar terras-raras, mas também urânio, ouro, diamantes e a segunda maior floresta tropical do mundo. O país também abriga entre 250 mil e 600 mil pigmeus, que vivem um modo de vida tradicional, muitas vezes longe das considerações econômicas de rentabilidade e de produtividade.
Uma mobilização civil sem precedentes
A necessidade de uma lei surgiu depois que atores da sociedade civil
congolesa se mobilizaram contra um projeto do Banco Mundial que tinha
por intuito a exploração de riquezas florestais da RDC. Para reativar a
economia de um país devastado por 32 anos de ditadura e 15 anos de
guerra civil, o Banco queria promover a exploração da bacia do Congo, e
isso sem considerar a existência ancestral de populações autóctones que
habitam, caçam e cultivam nessas florestas.
Os atores da mobilização, reunidos em uma associação, pediram pela intervenção do Painel de Inspeção do Banco Mundial. O primeiro empréstimo de US$15 milhões, que comporta um aspecto "floresta", concedido em 2002, e o segundo empréstimo, o chamado "apoio transitório a uma operação de crédito na recuperação econômica", concedido em 2005, eram condicionados a certas reformas políticas e florestais na República Democrática do Congo. As críticas se concentraram na falta de envolvimento das comunidades locais no zoneamento florestal e sobre o risco de violação dos direitos dos povos indígenas. Em 2007, o Painel concluiu que o Banco estava deixando de respeitar seus próprios padrões de proteção às populações.
Ao reafirmar os direitos elementares das populações pigmeias, o projeto de lei vai mais longe ao propor uma proteção das práticas medicinais, do artesanato, de apresentações ou da literatura oral desses povos. Ela também pretende abordar uma questão central na RDC, que é a do direito à terra e aos recursos naturais. Privados de terras, os pigmeus não gozam de imensas riquezas naturais congolesas e muitas vezes são deslocados à força de seus territórios para ceder lugar a concessões de mineração.
Foram muitos os obstáculos a essa lei e que continuam ameaçando sua aprovação. Como explica Bruno Lapika, representante do distrito de Feshi na província de Bandundu e favorável à lei, ela muito provavelmente sofrerá uma emenda. O medo das autoridades em ver a emancipação das populações autóctones constitui uma grande barreira, acompanhada pela barreira dos madeireiros que temem ser expulsos caso a lei seja aprovada.
Certas organizações de preservação ambiental também negam aos pigmeus seus direitos sobre as florestas ancestrais que hoje são protegidas. A criação do parque nacional de Kahuzi Biega nos anos 1970 pelo Instituto Congolês de Preservação da Natureza levou à expulsão de inúmeras populações indígenas.
A aprovação desta lei, contudo, seria algo inédito em um país profundamente marcado pelas diferenças étnicas que são instrumentalizadas pelos políticos. Esse avanço jurídico é uma primeira resposta e não poderá ser considerado sem uma educação das populações sobre esse assunto. Infelizmente ainda ocorrem agressões entre milicianos pigmeus e grupos armados bantos e contra os defensores de direitos humanos, especialmente na rica província mineradora da antiga Katanga. No mês passado, várias tomadas de reféns e confrontos mortais ocorreram naquilo que agora é apelidado de "triângulo da morte", estendendo-se para as províncias recém-criadas do Alto Katanga, do Alto Lomami e de Tanganyika.
A situação precária de segurança obriga que se adote uma lei para garantir uma coabitação pacífica. Só podemos apoiar essa iniciativa exemplar e esperar que ela tenha um impacto duradouro sobre os direitos humanos na República Democrática do Congo.
Os atores da mobilização, reunidos em uma associação, pediram pela intervenção do Painel de Inspeção do Banco Mundial. O primeiro empréstimo de US$15 milhões, que comporta um aspecto "floresta", concedido em 2002, e o segundo empréstimo, o chamado "apoio transitório a uma operação de crédito na recuperação econômica", concedido em 2005, eram condicionados a certas reformas políticas e florestais na República Democrática do Congo. As críticas se concentraram na falta de envolvimento das comunidades locais no zoneamento florestal e sobre o risco de violação dos direitos dos povos indígenas. Em 2007, o Painel concluiu que o Banco estava deixando de respeitar seus próprios padrões de proteção às populações.
Permitir que os pigmeus tenham acesso aos recursos
A mobilização sem precedentes que permitiu que o Banco Mundial voltasse atrás encontrou novo fôlego na vontade de integrar o direito dos povos autóctones pigmeus nos textos de lei nacionais. Em um país onde o pigmeu não é considerado como igual ao banto, esse projeto poderia parecer utópico. Depois da criação da Dinâmica de Grupos dos Povos Autóctones (DGPA) e de vários anos de lobby apoiados por organizações estrangeiras como a Rainforest Foundation Norway, o projeto parece se concretizar. Em julho de 2014, um texto foi entregue à Assembleia Nacional.Ao reafirmar os direitos elementares das populações pigmeias, o projeto de lei vai mais longe ao propor uma proteção das práticas medicinais, do artesanato, de apresentações ou da literatura oral desses povos. Ela também pretende abordar uma questão central na RDC, que é a do direito à terra e aos recursos naturais. Privados de terras, os pigmeus não gozam de imensas riquezas naturais congolesas e muitas vezes são deslocados à força de seus territórios para ceder lugar a concessões de mineração.
Foram muitos os obstáculos a essa lei e que continuam ameaçando sua aprovação. Como explica Bruno Lapika, representante do distrito de Feshi na província de Bandundu e favorável à lei, ela muito provavelmente sofrerá uma emenda. O medo das autoridades em ver a emancipação das populações autóctones constitui uma grande barreira, acompanhada pela barreira dos madeireiros que temem ser expulsos caso a lei seja aprovada.
Certas organizações de preservação ambiental também negam aos pigmeus seus direitos sobre as florestas ancestrais que hoje são protegidas. A criação do parque nacional de Kahuzi Biega nos anos 1970 pelo Instituto Congolês de Preservação da Natureza levou à expulsão de inúmeras populações indígenas.
Tensões persistentes entre bantus e pigmeus
Patrick Saidi, coordenador nacional da DGPA, bem como todos os atores da mobilização, reconhece a dificuldade de se mudar as tradições. A lei só cria um contexto legal a favor dos povos autóctones, mas sua efetividade dependerá dos mecanismos de promoção da coabitação pacífica entre os grupos étnicos. Então ainda há um longo caminho antes de uma aceitação mútua entre bantos e pigmeus.A aprovação desta lei, contudo, seria algo inédito em um país profundamente marcado pelas diferenças étnicas que são instrumentalizadas pelos políticos. Esse avanço jurídico é uma primeira resposta e não poderá ser considerado sem uma educação das populações sobre esse assunto. Infelizmente ainda ocorrem agressões entre milicianos pigmeus e grupos armados bantos e contra os defensores de direitos humanos, especialmente na rica província mineradora da antiga Katanga. No mês passado, várias tomadas de reféns e confrontos mortais ocorreram naquilo que agora é apelidado de "triângulo da morte", estendendo-se para as províncias recém-criadas do Alto Katanga, do Alto Lomami e de Tanganyika.
A situação precária de segurança obriga que se adote uma lei para garantir uma coabitação pacífica. Só podemos apoiar essa iniciativa exemplar e esperar que ela tenha um impacto duradouro sobre os direitos humanos na República Democrática do Congo.
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