quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Está o México em sua hora de fim do mundo?
Jovem democracia vive seu pior momento de credibilidade em direitos humanos devido às ligações entre os poderes públicos e a violência
Hector Aguilar Camin - El País
Em um tom provocativo e terminal, dois editores do jornal "Milenio", da Cidade do México, colocaram esta pergunta para seus colaboradores: o México passa pelo pior momento de sua história? Há algo apocalíptico no momento psíquico do México, algo que autoriza esta pergunta radical em um país cuja história registra várias guerras civis e não poucos tempos catastróficos.
Para os que creem que o México começa com os olmecas, será difícil ver em nossos dias danos comparáveis ao desaparecimento das civilizações pré-hispânicas e a fúnebre queda de Tenochtitlán. Não sei se os que creem que o México começa a existir com a Nova Espanha podem ver nos dias atuais algo comparável à queda demográfica do século 16, que reduziu 1,5 milhão de habitantes do Vale do México a apenas 200 mil (Gibson, "Los aztecas bajo el dominio español").
Os que acreditam que o México nasceu em 1810, com a independência, talvez também possam crer que a violência de hoje é comparável à da própria Guerra da Independência, que custou 250 mil vidas em uma população de 6 milhões. Ou com a dos anos de guerras civis que marcaram nossa vida independente, entre 1821 e 1848, ano em que o país perdeu para os Estados Unidos uma guerra vergonhosa e metade de seu território. Em 1849, no prólogo de sua "Historia", Lucas Alamán antecipou seu luto pelo possível desaparecimento da "nação mexicana". Vieram então as guerras de Reforma e Intervenção (1857-1867), que quase cumpriram o temor de Alamán.
Nossa história está cheia de "tempos piores", é difícil melhorar a lista. Mas a pergunta dos editores de "Milenio" diz algo sobre os ânimos mexicanos e merece um comentário. Refaço sua pergunta em uma escala mais modesta, mas talvez mais discutível: o México passa pelo pior momento de sua vida democrática?
Certamente não passa pelo pior momento econômico dos últimos 15 anos, mérito que corresponde a 2009, quando o PIB caiu 4,7%. Este é o pior momento, entretanto, em número de pobres, já que as porcentagens de pobreza se mantiveram iguais, mas a população cresceu e hoje há cerca de 5 milhões a mais de mexicanos pobres que em 2000.
No que se refere à corrupção, a de hoje não é muito maior que a dos últimos dois governos, mas tocou a figura do presidente e provocou uma rejeição cujo vigor é a novidade moral da vida pública mexicana, um ponto de inflexão que crucifica o governo, mas revitaliza a sociedade.
Sobre a violência, o México tampouco vive o pior momento de sua história recente, que corresponde a 2011, quando a taxa de homicídios chegou a 22 por 100 mil habitantes. A atual é de 16: uma redução substancial. Mas casos como os das execuções extrajudiciais de Tlatlaya, cometidas pelo Exército, as de Tanhuato, atribuídas à Polícia Federal, a vergonhosa conta de jornalistas assassinados e sobretudo o desaparecimento de 43 estudantes de Ayotzinapa deram uma virada de 180 graus na percepção pública de quem é responsável pela violência.
A guerra contra as drogas do presidente Calderón conseguiu estabelecer a narrativa de que a violência que ensanguentava o país era, basicamente, de criminosos matando criminosos. As estatísticas sempre lhe deram razão e deixaram para o governo somente a responsabilidade de decidir combatê-los. A ideia de que a violência estatal poderia ser causa do crescimento da violência só começou a ser apresentada como uma das explicações da matança depois de bem avançado o governo Calderón e irreversível a guerra. Como em toda narrativa convincente, nesta havia grande parte de verdade: as disputas entre bandos eram a origem da maioria dos assassinatos, os chefões e seus asseclas eram os protagonistas da guerra e assim eram apresentados na mídia, mortos ou presos pela ação do Estado.
O governo de Peña Nieto pôs aquela narrativa em descanso, deixou de assustar a sociedade com números de mortos e fotos de enforcados, deixou de falar na violência como uma prioridade e não fez o balanço da herança de sangue que recebia. Os criminosos deixaram de ser responsáveis pela matança, a matança desapareceu do discurso governamental, que se dedicou às reformas.
Veio então a crise de Michoacán, que mostrou a autoridade local do PRI em conluio com o crime. O governo federal se responsabilizou por Michoacán e conteve e expulsou os criminosos para os Estados vizinhos de México e Guerrero. Do Estado do México chegou pouco depois o caso de Tlatlaya, que mostrou o Exército fazendo execuções extrajudiciais: 22. De Guerrero veio então o caso dos 43 desaparecidos de Ayotzinapa, que o governo federal assumiu novamente como uma crise própria, diante do vazio do governo local.
Ali estava outra vez o governo federal no meio dos mortos, mas não havia mais a narrativa que culpava os criminosos pelos crimes. Os crimes tinham passado a ser, por omissão ou comissão, responsabilidade do Estado.
Daí a tormenta nacional e internacional pela violência e a violação de direitos humanos que paira sobre o México, que nesse assunto vive o pior momento de credibilidade e desprestígio dos anos de sua jovem democracia, momento só comparável em sua intensidade à mancha de sangue que a guerra contra as drogas espalhou pelo mundo.
Vivemos o pior momento de nossa história democrática? A realidade não é mais grave, mas o olhar público é infinitamente mais exigente, e tudo parece pior. Parece ser a hora mexicana do fim do mundo.
Não é o melhor, claro, mas talvez também não seja o pior, embora o que nos toca de perto, o único que temos à vista.
Posso lembrar anos de semelhante inquietação pública em nossa vida democrática, mas a que sacode o México nestes dias não tem paralelo em minha memória, senão com a produzida pelas grandes desvalorizações dos anos 1980 e 1990.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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