terça-feira, 3 de novembro de 2015

Na Califórnia atingida pela seca, o gramado clássico perde terreno
Jennifer Medina - NYT
Há apenas um ano, o Carmel Mountain Ranch Country Club –que fazia propaganda de seu campo de golfe "primorosamente aparado, de tirar o fôlego"– exibia as mesmas colinas gramadas encontradas em clubes de golfe por todo o país.
Mas então veio uma reforma de US$ 4 milhões (R$ 15,6 milhões). Com pás e tratores, lá se foram 21 hectares de grama, quase metade do gramado do campo. Passarelas que antes eram de grama foram substituídas por casca de sequoia picada, conhecida aqui como "cabelo de gorila" por sua aparência grosseira e pela sensação que causa sob os pés. Grandes trechos das fairways (parte mais lisa do campo) estão agora cobertos de granito decomposto, que Kevin Hwang, gerente geral do clube, chama de "termo elegante para terra".
"Ele ainda não está tão bonito quanto eu achei que ficaria", confessou Hwang enquanto dirigia seu carro pelo campo semipúblico, que permite a entrada de não-sócios. Com menos grama para onde lançar as bolas, o campo também se tornou mais difícil.
Ainda assim, o clube não teve de gastar um centavo: a agência de água local pagou pela obra toda. Ela usou um fundo –agora esgotado– do Distrito de Água Metropolitano do Sul da Califórnia, um órgão maior que oferece descontos aos proprietários de casas e outros para arrancarem a grama que consome muita água e substituí-la por alternativas mais adequadas à seca.
O programa de troca de dinheiro por grama existe há anos no sul da Califórnia, mas chegou ao auge este ano à medida que a seca se intensificou e as agências locais de água aumentaram os descontos, às vezes para até US$ 4 (R$ 15,68) por metro quadrado. O Distrito Metropolitano de Água, fornecedor para a maior parte da área urbana do sul da Califórnia, gastou mais de US$ 450 milhões (R$ 1,76 bilhão) em descontos nos últimos dois anos –incluindo os US$ 4 milhões (R$ 15,6 milhões) para o Carmel Mountain Ranch Country Club.
Mas essas iniciativas caras não dizem respeito apenas à conservação. Sob alguns aspectos, o programa é uma tentativa de mudar o paisagismo do Estado, retirando os gramados verdes que há gerações têm sido um emblema do sonho californiano –não só para os moradores mas também para as pessoas que cresceram assistindo programas como "The Brady Bunch" e "Melrose Place" e consideravam o jardim perfeito como um direito de nascença no sul da Califórnia.
"Acho que as pessoas no futuro vão olhar para esta época e dizer que foi o momento em que lançamos uma tendência", disse Jeffrey Kightlinger, gerente-geral do Distrito Metropolitano de Água, prevendo que o interesse pela substituição dos gramados vai continuar, mesmo sem os descontos. Afinal de contas, a água está mais cara agora, e há multas por uso excessivo.
Kightlinger achou que os US$ 350 milhões (R$ 1,37 bilhão) adicionais destinados ao programa de descontos na região para este ano durariam até dezembro. Em vez disso, eles acabaram em poucos meses. Em determinado momento, o distrito estava desembolsando US$ 15 milhões (R$ 58 milhões) em descontos por semana.
"Acho que ninguém, em lugar nenhum, gastou esse tanto de dinheiro com descontos para o consumidor, e com certeza não conseguiremos sustentar isso daqui para frente", disse Kightlinger. "É como qualquer outra coisa: você começa aqui, e depois eventualmente isso vira uma coisa pela qual você não precisa mais pagar."
O Departamento de Recursos Hídricos do Estado iniciou seu próprio programa, ainda que bem menor, para financiar descontos semelhantes em outras regiões. A Iniciativa de Substituição dos Gramados da Califórnia 2015, que entrou em vigor em 1º de Abril, prometia a remoção de 4,6 milhões de metros quadrados de gramados e jardins ornametais. Apenas um quarto dos US$ 22 milhões (R$ 86,2 milhões) destinados aos descontos no resto do Estado foi utilizado até agora, talvez num sinal de resistência persistente contra arrancar a grama.
"Tem suas vantagens poder deitar no próprio gramado", disse Annette Gutierrez, proprietária da Potted, uma loja de paisagismo em Los Angeles. Seu negócio aqueceu à medida que mais californianos –orientados a reduzir o consumo de água em 25%– buscaram alternativas à grama. Gutierrez passou horas com clientes para ajudá-los a imaginar a aparência de seus novos jardins, com espaço para fogueira, vasos com musgos e intrincados mosaicos de suculentas.
Muitos jardins da frente das casas agora exibem uma gramínea do gênero Stipa, de aparência mais agreste, e vasos cheios de suculentas espinhosas, nenhuma das quais necessita de muita água. Museus, parques e centros comerciais ao ar livre mudaram o conteúdo das jardineiras e outras áreas de paisagismo. Mas as agências públicas praticamente pararam de subsidiar esses projetos, e não está claro se a mudança generalizada veio para ficar.
Descontos grandes como o que foi dado ao Carmel Mountain Ranch Country Club geraram manchetes enfurecidas, à medida que as pessoas criticaram as agências de água por subsidiar empresas e moradores ricos. Mas agora que o dinheiro secou e espera-se que o El Niño encharque de chuvas o inverno da Califórnia, é possível que o interesse pela substituição dos gramados diminua e que a grama verde volte a ser preferida como um símbolo da boa vida aqui.
Sem os descontos, uma mudança fundamental da paisagem da região só acontecerá quando o gosto dos consumidores começar a mudar, disse Stephanie Pincetl, diretora do Centro para Comunidades Sustentáveis da Califórnia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
"Estamos falando aqui de centenas de milhares de hectares, e é pouco realista pensar ou mesmo ter esperança de que isso vai mudar após uma seca", disse Pincetl. "Precisamos que os viveiros produzam toda uma variedade de plantas, que as lojas vendam essas plantas, e que as grandes varejistas treinem suas equipes para saber de fato o que fazer com elas, e que os jardineiros que trabalham no dia a dia saibam como cuidar delas."
Por enquanto, as suculentas são as plantas da moda em Los Angeles, disse Lili Cantor, diretora de educação de adultos na Fundação Theodore Payne para Flores Silvestres e Plantas Nativas, um grupo sem fins lucrativos dedicado à flora da Califórnia. Seu curso de paisagismo "Veja, Mamãe, Sem Gramado!", tem lotado as bibliotecas e centros comunitários.
"Passei a vida toda em viveiros e nunca tivemos um momento igual a esse", disse Singer. "É como se as pessoas estivessem finalmente entendendo que na verdade vivemos num clima árido e não podemos simplesmente importar a aparência da Costa Leste para cá."
Tradutor: Eloise De Vylder 

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