Não sairemos da paralisia nem da sensação de estarmos à beira do despenhadeiro se a discussão continuar limitada a pessoas e a interesses imediatistas
Fernando Henrique Cardoso - O Globo
Nestes últimos tempos tenho procurado me inspirar na recomendação bíblica: olhai os lírios do campo. Diante de tanto escândalo, tanta ladeira abaixo da economia, é melhor olhar para o mais simples e mais sublime. Tive a oportunidade de ouvir Beethoven na Filarmônica de Berlim, regida por Simon Rattle. A “Nona” foi soberba, mas a “Sétima sinfonia” envolveu o auditório em tamanha beleza que me reconciliei com as agruras que me esperariam na volta.
Mal chegado, ainda quentes os debates que havia feito para o lançamento de meu livro “A miséria da política”, entrei no ciclo das entrevistas e apresentações na TV sobre outro livro, este mais de recordações, desabafos momentâneos e sensações ambivalentes, “Diários da Presidência – 1995-1996”.
Tornou-se inevitável que a pequena e a grande política se misturassem. Eis-me, pois, de novo no labirinto do noticiário cotidiano. Daí a refletir sobre o modo de como sair do ramerrão da política partidária, vai um passo. De que vale eu dizer novamente que impeachment não é alvo desejável, mas, sendo o caso, torna-se circunstância impositiva diante de fatos e de reações populares?
Certamente não se trata de golpe, mas de processo prescrito pela Constituição. Para que serve eu dizer que uma vez que o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma investigação sobre os abusos do poder econômico para assegurar a reeleição presidencial só resta aguardar as investigações e a palavra dos juízes?
Ou que há momentos em que o interesse da pátria pode exigir que a grandeza dos governantes acolha até o gesto dramático da renúncia, desde que com ele venham embutidas exigências para que os principais nós que emperram o país sejam cortados?
A saída da crise requer a formação de uma nova conjuntura na qual seja possível colocar na ordem do dia os cinco ou seis pontos fundamentais ao redor dos quais se forme um novo consenso nacional. Não se trata de aliança entre partidos, grupelhos e setores da sociedade.
Trata-se de dar novo rumo ao país na busca de melhor sociedade futura. Não precisamos de salvacionismos, mas da elaboração de ideias que se possam substantivar em políticas que atendam ao interesse nacional e aos anseios populares.
Não é possível que não tenhamos aprendido como nação que a demanda contínua de mais políticas públicas benéficas para certos setores e a recusa, ou impossibilidade, de maior tributação são incompatíveis. Num só exemplo: ou se volta a discutir a idade mínima de aposentadoria ou as contas da Previdência, que já não fecham, apresentarão déficits crescentes e insustentáveis.
Ou, em outro terreno: já não se viu que a mágica de botequim de aumentar o endividamento público (já chegamos a R$ 2,7 trilhões!) e de continuar expandindo o crédito para incentivar o consumo pode apenas criar “bolhas”?
Estas, uma vez estouradas, pela falta de meios tanto para emprestar quanto para pagar, levam a economia e as pessoas à ruína, como agora acontece. Já não passou da hora de aprovar, como foi sugerido no passado, medida que limite a expansão do gasto abaixo do crescimento do PIB, salvo em situações de retração econômica? Ou de aprovar, como proposto em projeto em curso, limites para o endividamento federal? Ou ainda se acredita que manter o Orçamento em relativo equilíbrio, com uma dívida pública não explosiva, é um imperativo apenas da ortodoxia “neoliberal”?
Mudando de tema, por que não voltarmos à proposta, hoje apoiada pelo Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo e pela prática corriqueira em muitos setores produtivos, que aceita as negociações entre sindicatos, mesmo a despeito do legislado, sem que se alterem os itens constitucionais da CLT?
O fantasma do desemprego está alertando para a necessidade de maior realismo no mercado de trabalho. Assim como a dura experiência de a crise nos ter levado às portas da “dominância fiscal” mostra que o crescimento da taxa de juros Selic, sem um efetivo ajuste fiscal, não funciona para conter a inflação e apenas aumenta o montante de juros da dívida pública quando se passa de certo umbral de razoabilidade pelos impulsos do voluntarismo político.
Mais ainda, e apenas a título ilustrativo de mais um entre os muitos itens da agenda necessária para tirar o país do atoleiro, é preciso reconhecer que não houve percepção de que o mundo marcha para uma economia de baixo carbono, e que o Brasil entrou numa sucessão de erros na política energética.
Assentou mal as bases de exploração do pré-sal, restringindo nossa enorme vantagem comparativa com o etanol, e errou pela falta de uma política de tarifas adequadas, a ser conduzida por agências reguladoras livres da influência partidária.
As relações intrínsecas entre desenvolvimento econômico e meio ambiente devem ser outro tema da nova agenda nacional. Por fim, o ponto focal é a recuperação da credibilidade das instituições políticas. Cinco ou seis itens básicos podem ser definidos para desatar o impasse da legislação eleitoral e partidária.
Esta, somada à permissividade com práticas corruptas, levou à proliferação de falsos partidos e, consequentemente, de ministérios para atender à sanha de alguns deles para abocanhar pedaços do Estado e do Orçamento. Daí a crise moral em que estamos mergulhados.
É para conduzir uma agenda nacional deste tipo, ou do que mais pareça necessário ao país, que precisamos de lideranças e do apoio da sociedade e de alguns partidos. Não sairemos da paralisia nem da sensação de estarmos à beira do despenhadeiro se a discussão continuar limitada a pessoas e a interesses imediatistas delas ou de seus partidos.
Como quem tem a responsabilidade de unir porque foi eleita para conduzir o país (e não uma facção) está com poucas condições para tal, é que se dá a discussão, infausta, mas necessária, dos caminhos constitucionais para sairmos da crise. Não se dá um passo maior sem saber o que vem depois. Daí a necessidade de um consenso nacional para juntarmos forças ao redor de um caminho mais claro para o futuro.
Certamente não se trata de golpe, mas de processo prescrito pela Constituição. Para que serve eu dizer que uma vez que o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma investigação sobre os abusos do poder econômico para assegurar a reeleição presidencial só resta aguardar as investigações e a palavra dos juízes?
Ou que há momentos em que o interesse da pátria pode exigir que a grandeza dos governantes acolha até o gesto dramático da renúncia, desde que com ele venham embutidas exigências para que os principais nós que emperram o país sejam cortados?
A saída da crise requer a formação de uma nova conjuntura na qual seja possível colocar na ordem do dia os cinco ou seis pontos fundamentais ao redor dos quais se forme um novo consenso nacional. Não se trata de aliança entre partidos, grupelhos e setores da sociedade.
Trata-se de dar novo rumo ao país na busca de melhor sociedade futura. Não precisamos de salvacionismos, mas da elaboração de ideias que se possam substantivar em políticas que atendam ao interesse nacional e aos anseios populares.
Não é possível que não tenhamos aprendido como nação que a demanda contínua de mais políticas públicas benéficas para certos setores e a recusa, ou impossibilidade, de maior tributação são incompatíveis. Num só exemplo: ou se volta a discutir a idade mínima de aposentadoria ou as contas da Previdência, que já não fecham, apresentarão déficits crescentes e insustentáveis.
Ou, em outro terreno: já não se viu que a mágica de botequim de aumentar o endividamento público (já chegamos a R$ 2,7 trilhões!) e de continuar expandindo o crédito para incentivar o consumo pode apenas criar “bolhas”?
Estas, uma vez estouradas, pela falta de meios tanto para emprestar quanto para pagar, levam a economia e as pessoas à ruína, como agora acontece. Já não passou da hora de aprovar, como foi sugerido no passado, medida que limite a expansão do gasto abaixo do crescimento do PIB, salvo em situações de retração econômica? Ou de aprovar, como proposto em projeto em curso, limites para o endividamento federal? Ou ainda se acredita que manter o Orçamento em relativo equilíbrio, com uma dívida pública não explosiva, é um imperativo apenas da ortodoxia “neoliberal”?
Mudando de tema, por que não voltarmos à proposta, hoje apoiada pelo Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo e pela prática corriqueira em muitos setores produtivos, que aceita as negociações entre sindicatos, mesmo a despeito do legislado, sem que se alterem os itens constitucionais da CLT?
O fantasma do desemprego está alertando para a necessidade de maior realismo no mercado de trabalho. Assim como a dura experiência de a crise nos ter levado às portas da “dominância fiscal” mostra que o crescimento da taxa de juros Selic, sem um efetivo ajuste fiscal, não funciona para conter a inflação e apenas aumenta o montante de juros da dívida pública quando se passa de certo umbral de razoabilidade pelos impulsos do voluntarismo político.
Mais ainda, e apenas a título ilustrativo de mais um entre os muitos itens da agenda necessária para tirar o país do atoleiro, é preciso reconhecer que não houve percepção de que o mundo marcha para uma economia de baixo carbono, e que o Brasil entrou numa sucessão de erros na política energética.
Assentou mal as bases de exploração do pré-sal, restringindo nossa enorme vantagem comparativa com o etanol, e errou pela falta de uma política de tarifas adequadas, a ser conduzida por agências reguladoras livres da influência partidária.
As relações intrínsecas entre desenvolvimento econômico e meio ambiente devem ser outro tema da nova agenda nacional. Por fim, o ponto focal é a recuperação da credibilidade das instituições políticas. Cinco ou seis itens básicos podem ser definidos para desatar o impasse da legislação eleitoral e partidária.
Esta, somada à permissividade com práticas corruptas, levou à proliferação de falsos partidos e, consequentemente, de ministérios para atender à sanha de alguns deles para abocanhar pedaços do Estado e do Orçamento. Daí a crise moral em que estamos mergulhados.
É para conduzir uma agenda nacional deste tipo, ou do que mais pareça necessário ao país, que precisamos de lideranças e do apoio da sociedade e de alguns partidos. Não sairemos da paralisia nem da sensação de estarmos à beira do despenhadeiro se a discussão continuar limitada a pessoas e a interesses imediatistas delas ou de seus partidos.
Como quem tem a responsabilidade de unir porque foi eleita para conduzir o país (e não uma facção) está com poucas condições para tal, é que se dá a discussão, infausta, mas necessária, dos caminhos constitucionais para sairmos da crise. Não se dá um passo maior sem saber o que vem depois. Daí a necessidade de um consenso nacional para juntarmos forças ao redor de um caminho mais claro para o futuro.
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