domingo, 3 de janeiro de 2016

Irão: Riade pagará caro pela execução de clérigo xiita
Susana Salvador - DN"Não nos ajoelharemos", diz cartaz exibido por um grupo de mulheres no Bahrein, em protesto pela morte de Nimr al-Nimr  |  EPA/AHMED ALFARDAN
Morte de Nimr al-Nimr, crítico da dinastia que governa a Arábia Saudita, arrisca intensificar as tensões sectárias na região
O objetivo da execução de 47 pessoas na Arábia Saudita era mostrar que o país não vai tolerar ataques de jihadistas sunitas ou da minoria xiita e ainda desencorajar os jovens a juntarem-se a grupos extremistas numa altura em que o Estado Islâmico ganha terreno. Mas a inclusão do clérigo xiita Nimr al-Nimr, crítico da monarquia dos Al-Saud, entre os condenados com ligações à Al-Qaeda, gerou uma onda de choque no mundo islâmico e arrisca intensificar as tensões sectárias. "A Arábia Saudita vai pagar um preço elevado", defendeu o Irão, grande rival xiita do reino sunita.
Al-Nimr, um dos rostos dos protestos da Primavera Árabe no país, foi condenado à morte em 2014 por rebelião, desobediência ao soberano e porte de armas. Mas para os defensores dos direitos humanos, o objetivo era calar um crítico. "O caso específico de Nimr al-Nimr levanta sérias preocupações relativamente à liberdade de expressão e ao respeito dos direitos civis e políticos básicos, que devem ser salvaguardados em qualquer situação, mesmo no âmbito da luta contra o terrorismo", reagiu em comunicado a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, recordando a oposição de Bruxelas à pena de morte.
Al-Nimr: o espinho xiita no reino sunita
As mortes decorreram em 12 cidades da Arábia Saudita - quatro prisões recorreram aos fuzilamentos e as restantes às decapitações. A execução simultânea de 47 pessoas - 45 sauditas, um egípcio e um chadiano - foi a maior em massa realizada por questões de segurança desde a morte, em 1980, de 63 jihadistas que tinham participado na tomada de reféns na Grande Mesquita de Meca. Foram as primeiras execuções de 2016 - no ano passado foram executadas 157 pessoas, contra 90 em 2014.
O anúncio da morte de Al-Nimr desencadeou protestos no distrito de Qatif, no leste da Arábia Saudita, onde se concentra a minoria xiita do país. "Fora os Al-Saud", gritava-se, segundo testemunhas citadas pela Reuters. A segurança foi aí reforçada. Os protestos repetiram-se em países de maioria xiita: no Bahrein as autoridades usaram mesmo gás lacrimogéneo para travar os manifestantes em Sitra. Os EUA, um dos maiores aliados da Arábia Saudita, mantiveram ontem o silêncio.
"Preço elevado"
O Irão, principal potência xiita, acusou a Arábia Saudita de ter fabricado as acusações de terrorismo contra o clérigo apenas para calar as suas críticas. No site do líder supremo, o ayatollah Ali Khamenei, foi publicada uma foto de um carrasco saudita junto ao famoso executor do Estado Islâmico Jihadi John com a legenda: "Alguma diferença?"
O porta-voz da diplomacia iraniana, Hossein Ansari Jaber, disse que a Arábia Saudita vai pagar um "preço elevado" pela execução . "O governo saudita apoia, por um lado, os movimentos terroristas e extremistas e, ao mesmo tempo, utiliza a linguagem da repressão e da pena de morte contra os seus opositores internos", afirmou. Riade reagiu chamando o embaixador iraniano para protestar contra esta declaração "agressiva" que considera uma "ingerência".
Face à ameaça comum que representa o Estado Islâmico, Riade e Teerão tentaram uma aproximação. Mas sem sucesso. E acabam por apoiar lados opostos na guerra na Síria - o Irão está ao lado do presidente Bashar al-Assad, tal como o Hezbollah - enquanto os sauditas têm participado nos ataques aéreos da coligação internacional. Também no Iémen estão em lados opostos da trincheira - Teerão apoia a minoria xiita dos houthis, que expulsou o governo apoiado pelos sauditas. A execução de Al-Nimr promete ser mais um prego no caixão das relações.
A morte do clérigo xiita surge também um dia depois de Riade reabrir a embaixada no Iraque, 25 anos depois do corte de relações diplomáticas que se seguiu à invasão iraquiana do Kowait em 1990. A aproximação entre os dois países decorria no meio de um esforço regional para combater os militantes do Estado Islâmico (que controlam parte do território do Iraque e da Síria), com o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, a alertar para as repercussões que este caso terá a nível da segurança regional.
No Iraque são cada vez mais as vozes que defendem novamente ao fecho da embaixada, entre eles o clérigo xiita Moqtada al-Sadr, que apelou aos protestos em toda a região do Golfo. O ex-primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, acredita que este caso irá terminar na queda do regime saudita.

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