Polícia alemã nega que uma adolescente de origem russa tenha sido estuprada por imigrantes
Frédéric Lemaître e Isabelle Mandraud - Le Monde
Arte UOL
Sergei Lavrov, ministro russo das Relações Exteriores
Enquanto Berlim investiga, Moscou faz uma tempestade. Uma ocorrência
dúbia que se passou na Alemanha assumiu um viés político após a
transmissão de uma reportagem pouco sutil pelo Perviy Kanal (Canal Um), a
maior emissora da Rússia, cuja versão foi citada na terça-feira (26)
pelo ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov. "Espero que os
problemas migratórios não levem a uma tentativa de maquiar a realidade
com fins de política interna. Esses problemas devem ser revelados
honestamente aos eleitores", assinalou o chefe da diplomacia russa.
Os fatos, no caso, não estão claros. No dia 11 de janeiro, uma jovem
berlinense de 13 anos, Lisa F., nascida em uma família de origem russa,
desapareceu quando ia para a escola. Seus pais espalharam avisos à sua
procura, e no dia seguinte, após 30 horas de ausência, ela foi
encontrada por passantes. À sua família e, depois, na presença desta
última, à polícia, a jovem contou ter sido sequestrada e estuprada por
três homens "de países do Sul", que falavam mal o alemão. No entanto, ao
ser ouvida sozinha em um segundo momento, sem a presença de seus pais,
Lisa teria dado uma outra versão.
Para a polícia alemã, "segundo a investigação, não houve sequestro nem estupro", mas "por proteção dos direitos individuais, nenhum outro elemento pode ser fornecido".
Na terça-feira, a Justiça berlinense indicou estar investigando um caso de corrupção de menor, ressaltando também que não houve estupro por parte de imigrantes. Segundo um porta-voz da promotoria, citado no jornal "Berliner Zeitung", as relações sexuais que Lisa manteve foram "consentidas" e esta já havia agido dessa maneira no passado. "Obviamente ela começou a andar com más companhias", explicou o oficial Martin Steltner.
No dia 16 de janeiro, a emissora russa dedicou em seu noticiário da noite mais de quatro minutos ao caso, introduzido da seguinte maneira pela apresentadora: "Segundo testemunhas, os imigrantes começaram a estuprar menores de idade. A nova ordem que se instaurou na Alemanha, uma reportagem de Ivan Blagoy". Em seguida foram mostradas falas de anônimos nas ruas, todos falando russo, bem como o relato da tia de Lisa e depois o de seu tio, acompanhado deste comentário: "A polícia se recusa a procurar os criminosos. Esse não foi o único caso."
Além disso, mostraram um vídeo antigo postado na internet por um coletivo de extrema-direita, Anonymous Kollektiv (a não ser confundido com os hackers que usam o mesmo nome), no qual homens de origem estrangeira não identificáveis se gabavam de terem estuprado uma jovem.
Ultrajada, a procuradoria de Berlim anunciou sua intenção de processar por "incitação ao ódio racial" o jornalista cuja reportagem teve um papel determinante na ebulição do caso.
De fato, as redes sociais logo se apropriaram da notícia, acusando a polícia de esconder a verdade.
Convocada pelo movimento neonazista NPD, uma primeira manifestação foi organizada em Marzahn, bairro do leste de Berlim onde mora Lisa. Cerca de 200 pessoas participaram, entre elas uma prima da jovem.
No dia 23 de janeiro, outras manifestações foram organizadas em Berlim, em frente à chancelaria, mas também em várias cidades de Baden-Württemberg e do norte da Bavária, em geral convocadas por movimentos de extrema-direita na rede do Pegida (Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente).
Na Rússia, o caso Lisa, divulgado pelo canal Rossia 24, também se propagou, alimentado pelo governo, que nunca perde uma oportunidade de descrever uma Europa frágil, dominada pelos Estados Unidos e que tem perdido seus "valores".
Na terça-feira, durante seu tradicional encontro anual com a imprensa estrangeira, Sergei Lavrov desejou à Alemanha, a "locomotiva da UE (...), sucesso para enfrentar os enormes problemas dos imigrantes", apressando-se para acrescentar: "Espero que os problemas não sejam varridos para debaixo do tapete e que o caso da 'nossa menina' Lisa não se repita, pois a informação sobre o fato de que ela desapareceu permaneceu escondido por muito tempo, por razões desconhecidas."
"Hoje", disse Lavrov, "estamos trabalhando com seu advogado, ele mesmo em contato com a família e nossa embaixada. Está absolutamente claro que a jovem não desapareceu voluntariamente durante 30 horas". E por que se comprometer assim tão firmemente? "Por questões de transparência", respondeu Lavrov ao "Le Monde" pouco depois, em um aparte.
Para a polícia alemã, "segundo a investigação, não houve sequestro nem estupro", mas "por proteção dos direitos individuais, nenhum outro elemento pode ser fornecido".
Na terça-feira, a Justiça berlinense indicou estar investigando um caso de corrupção de menor, ressaltando também que não houve estupro por parte de imigrantes. Segundo um porta-voz da promotoria, citado no jornal "Berliner Zeitung", as relações sexuais que Lisa manteve foram "consentidas" e esta já havia agido dessa maneira no passado. "Obviamente ela começou a andar com más companhias", explicou o oficial Martin Steltner.
Propaganda anti-ocidental
No meio tempo, o Perviy Kanal entrou na história. Em Moscou, a mídia próxima do Kremlin há muito tempo se apropriou do fluxo de imigrantes na Europa com fins de propaganda anti-ocidental, um tema que se tornou ainda mais presente após as agressões sexuais do Ano-Novo em Colônia, atribuídas pela polícia alemã a imigrantes.No dia 16 de janeiro, a emissora russa dedicou em seu noticiário da noite mais de quatro minutos ao caso, introduzido da seguinte maneira pela apresentadora: "Segundo testemunhas, os imigrantes começaram a estuprar menores de idade. A nova ordem que se instaurou na Alemanha, uma reportagem de Ivan Blagoy". Em seguida foram mostradas falas de anônimos nas ruas, todos falando russo, bem como o relato da tia de Lisa e depois o de seu tio, acompanhado deste comentário: "A polícia se recusa a procurar os criminosos. Esse não foi o único caso."
Além disso, mostraram um vídeo antigo postado na internet por um coletivo de extrema-direita, Anonymous Kollektiv (a não ser confundido com os hackers que usam o mesmo nome), no qual homens de origem estrangeira não identificáveis se gabavam de terem estuprado uma jovem.
Ultrajada, a procuradoria de Berlim anunciou sua intenção de processar por "incitação ao ódio racial" o jornalista cuja reportagem teve um papel determinante na ebulição do caso.
De fato, as redes sociais logo se apropriaram da notícia, acusando a polícia de esconder a verdade.
Convocada pelo movimento neonazista NPD, uma primeira manifestação foi organizada em Marzahn, bairro do leste de Berlim onde mora Lisa. Cerca de 200 pessoas participaram, entre elas uma prima da jovem.
No dia 23 de janeiro, outras manifestações foram organizadas em Berlim, em frente à chancelaria, mas também em várias cidades de Baden-Württemberg e do norte da Bavária, em geral convocadas por movimentos de extrema-direita na rede do Pegida (Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente).
"Questão de transparência"
Nas faixas era possível ler "Respeite a cultura alemã" ou "Tenho medo pelos meus netos". Esse caso também lembrou a existência de uma forte comunidade de origem russa na Alemanha, com cerca de 2,5 milhões de pessoas, e a influência que continuam tendo sobre eles a mídia russa e também o Kremlin, especialmente desde o conflito na Ucrânia.Na Rússia, o caso Lisa, divulgado pelo canal Rossia 24, também se propagou, alimentado pelo governo, que nunca perde uma oportunidade de descrever uma Europa frágil, dominada pelos Estados Unidos e que tem perdido seus "valores".
Na terça-feira, durante seu tradicional encontro anual com a imprensa estrangeira, Sergei Lavrov desejou à Alemanha, a "locomotiva da UE (...), sucesso para enfrentar os enormes problemas dos imigrantes", apressando-se para acrescentar: "Espero que os problemas não sejam varridos para debaixo do tapete e que o caso da 'nossa menina' Lisa não se repita, pois a informação sobre o fato de que ela desapareceu permaneceu escondido por muito tempo, por razões desconhecidas."
"Hoje", disse Lavrov, "estamos trabalhando com seu advogado, ele mesmo em contato com a família e nossa embaixada. Está absolutamente claro que a jovem não desapareceu voluntariamente durante 30 horas". E por que se comprometer assim tão firmemente? "Por questões de transparência", respondeu Lavrov ao "Le Monde" pouco depois, em um aparte.
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