A notícia de que a Inglaterra está prestes a ter sua nova “grammar school” em 50 anos despertou uma reação hostil de quase toda a esquerda. Isso era previsível porque existe uma tensão entre nossa cultura democrática e o tipo de educação tradicional que se espera encontrar em uma boa “grammar school”. Frequentemente ouvimos que um sistema que ‘segrega’ aqueles que são capazes de receber um educação acadêmica rigorosa dos que não são é ‘elitista’ e que, portanto, é contrário aos princípios igualitários de uma verdadeira democracia. Isso é verdade, especialmente no mundo da alta cultura. Se uma determinada cultura não está disponível para todos – segundo os igualitários – então ela deve ser deixada de lado como uma questão privada, que não tem espaço na educação pública.
É difícil argumentar contra essa visão. É duro persuadir alguém que cresceu sem cultura de que ela é uma coisa valiosa; e discutir com um “igualitário” é inútil, uma vez que isso pressupõe que as boas razões são superiores às más, e isso é uma opinião elitista. Tudo o que podemos fazer é abrir um espaço para a cultura em um mundo ruidoso e convidar os estudantes a entrarem. Porém, estou convencido de que isso não é inútil e que a recompensa, tanto aos professores quanto para os alunos, supera os custos.
Devemos rejeitar a visão de que a alta cultura, como algo que pertence à elite, seja inútil aos que não a possuem. Isso é tão falso quanto aquela opinião de que a ciência ou a matemática avançada sejam inúteis àqueles que não lhes compreendam. O conhecimento científico existe porque algumas pessoas talentosas estão prontas para gastarem suas energias para adquirirem-no. É para isso que serve a universidade; e uma vez que não é possível transmitir um conhecimento difícil sem discriminar entre alunos que podem obtê-lo e outros que não podem, a discriminação é um bem social. Pode-se dizer o mesmo da alta cultura. Os que podem adquiri-la serão uma minoria e o processo de transmissão cultural será criticamente impedido se o professor ensinar Mozart e Lady Gaga lado a lado para satisfazer alguma agenda igualitarista.
Entretanto, como a maioria desprovida de cultura se beneficia de uns poucos que a possuem? Eis a questão crucial. É como a velha pergunta feita sobre as aristocracias, ou seja: o que eles fazem de bom para todos nós? Por que devemos apoiar um estilo de vida baseado no prazer e no luxo se somente um pequeno grupo pode tê-lo? Essa pergunta foi feita durante a revolução francesa e, não antes da derrota de Napoleão – após 2 milhões de mortes – que as pessoas começaram a entender que uma classe ociosa, capaz de lidar com assuntos diplomáticos e dialogar com seus parceiros por toda a Europa, teve sua importância ao evitar guerras destrutivas em larga escala que imediatamente se seguiram após sua queda.
Todos temos interesse na existência de uma elite cultivada que possa garantir que a imaginação tenha um papel fundamental nas decisões que afetam a todos nós. Talvez um conhecimento de literatura e história não fosse de ajuda imediata a um soldado nas frentes de batalha durante a segunda guerra mundial; sem ele, entretanto, teria sido impossível que Churchill exercesse o tipo de liderança que lhe tornou notável e que despertou, mesmo nos mais desprovidos de educação, a sensação de que muito mais estava em risco do que eles podiam notar. Esses exemplos nos ajudam a entender o que realmente perderíamos se nossa alta cultura desaparecesse da memória. Todos entraríamos em uma crise futura sem nem ao menos sabermos o motivo.
O conhecimento adquirido é um presente para todos nós; o conhecimento perdido, uma derrota em que todos sofrem. Não importa quem tenha o conhecimento: o mais importante é que ele esteja lá, disponível ao público, e que as pessoas saibam como obtê-lo a partir do domínio público. A educação mantém o conhecimento vivo por conferir às pessoas a habilidade de recuperá-lo, tanto por tê-lo internalizado quanto por poder acessar os livros e registros onde ele é mantido. Porém, a menos que alguém realmente ‘domine essa área’, os livros e registros não são melhores que o livro da natureza, que nos encara silenciosamente até que possamos redescobrir o feitiço que lhe permita falar.
Não se transmite cultura somente pelo seu ensino. Você a transmite através de iniciação: apresentando um exemplo, um convite, uma oportunidade de se juntar. Nós, professores, temos de mostrar aos jovens não apenas o que admiramos ou por que admiramos, mas devemos mostrar a nossa admiração. Nós temos de deixar claro que a arte e a literatura que admiramos mudaram nossas vidas, e devemos convidar nossos alunos a se juntarem a essa experiência que nos foi concedida. Quando fazemos isso, mostramos nosso respeito pelos alunos. Isso é, sem dúvida alguma, o que o espírito democrático realmente espera de todos nós.
Link original: http://www.spectator.co.uk/2015/12/why-we-need-grammar-schools/
Nenhum comentário:
Postar um comentário