Didi Kirsten Tatlow - TINYT
Apenas o tom laranja de milhares de cenouras recém-colhidas, lavadas em água gelada e embaladas para entrega pelas aldeãs, dava cor a esta aldeia envolta em neblina no dia após as autoridades terem derrubado uma estátua dourada de Mao Tsé-tung erguida por admiradores locais, que se elevava sobre os campos pardos.
Alguns legumes como cenouras, um alimento básico local juntamente com batatas, rabanetes, amendoins e milho, podem ter salvo a vida de Yang Nainai, ou vovó Yang, durante a fome provocada pela política Grande Salto à Frente de Mao de 1958 a 1962. Ela devastou o condado de Tongxu, nas planícies orientais da província de Henan, onde se encontra Zhushigang, atingida de forma especialmente dura nos primeiros dois anos, ela disse.
Yang,
que não quis dizer seu primeiro nome, estava sentada com três gerações
de sua família em torno de uma fogueira de espigas de milho secas e
cascas de amendoim em Xiaoshuanggou, a aldeia vizinha de Zhushigang. O
rosto dela se enrugou ao falar sobre a fome que se seguiu à campanha de
industrialização e coletivização agrícola de Mao, quando uma cantina do
governo local distribuía duas magras refeições por dia.
"Inúmeras pessoas morreram de fome. Elas passaram fome daqui até Luoyang", a mais de 200 quilômetros a oeste, disse Yang, 75 anos, com seus brincos de argola dourados balançando sob um gorro de lã preto e roxo.
Os historiadores dizem que pelo menos 30 milhões de pessoas morreram de fome por toda a China naqueles anos, quando a agricultura privada foi proibida. Como parte do esforço para acelerar o desenvolvimento econômico, utensílios de cozinha e ferramentas agrícolas de ferro foram derretidos para produção de aço para a indústria e o Exército, disse Yang. Os pais dela morreram de fome. Um tio dela comeu seu cinto de couro, ela lembrou.
"O país tinha acabado de ser libertado e era pobre", ela disse, referindo-se à revolução comunista de Mao de 1949. "Nós tínhamos um pouquinho de ferro e tivemos que entregá-lo."
As crianças pequenas recebiam um pequeno pedaço de pão de milho cozido no vapor na hora da refeição, ela disse, apontando para seu neto de 1 ano. As crianças de 13 anos recebiam meio pedaço, disse Yang. Os adultos recebiam um pedaço, contendo alguns legumes em seu interior.
"Quando havia uma refeição, os adultos não comiam e a guardavam para seus filhos", ela disse. "Os corpos dos adultos eram todos inchados de fome. Fluido saia das partes inchadas do corpo e a pele nas mãos descamava."
O pai dela partiu para Luoyang para mendigar por inhame para sua família. Diferente do leste de Henan, uma planície cortada pelo rio Amarelo que é propensa a enchentes e, historicamente, fome, Luoyang fica em terreno elevado.
"Eles tinham inhames ali, alguns poucos inhames", ela disse.
Quatro anos depois da morte de seu pai –Yang não sabe ao certo quando ocorreu– "os ossos dele voltaram para casa", trazidos por outro aldeão, ela disse.
Apesar do horror daqueles anos, como muitos aldeões daqui, Yang mantém um grande retrato de Mao acima do relicário da família, juntamente com imagens da deusa da misericória, Guanyin, e do general Yue Fei, do século 12, um nativo de Henan.
"Ele se tornou como um deus para nós", ela disse sobre Mao. "Ele conquistou o mundo para o povo."
Os historiadores explicam o enigma da lealdade duradoura a Mao, apontando para décadas de doutrinação política e para os tempos difíceis que persistiram durante os primeiros anos da República Popular. As lembranças de uma fome anterior aqui, em 1942, se misturam com a posterior, eles dizem.
Nas reuniões políticas para "lembrar a amargura e considerar a doçura", a história da fome anterior "era repetida várias e várias vezes", disse Zhou Xun, um historiador da Universidade de Essex.
"A fome do Grande Salto à Frente nunca era mencionada", disse Zhou. "Mao também entra no quadro como o novo poder que no final acabou com a miséria. Dessa forma, Mao se tornou um novo deus que cuidou da boa fortuna deles. Na verdade, infortúnio."
No condado de Tongxu, a renda permanece baixa. Uma família que ganha cerca de US$ 8.400 (cerca de R$ 34 mil) por ano está se saindo muito bem.
Os administradores da produção de cenouras daqui disseram que os preços do produto caíram por dois anos consecutivos.
Mas a "vida hoje é um pote de mel em comparação àquela época", disse Yang.
E apesar de Yang ter expressado pesar pela estátua ter sido derrubada, o filho dela, que deu apenas seu sobrenome, Wang, disse que seus sentimentos são ambíguos.
"Não acredito que todos aqui gostem de Mao", ele disse.
"Inúmeras pessoas morreram de fome. Elas passaram fome daqui até Luoyang", a mais de 200 quilômetros a oeste, disse Yang, 75 anos, com seus brincos de argola dourados balançando sob um gorro de lã preto e roxo.
Os historiadores dizem que pelo menos 30 milhões de pessoas morreram de fome por toda a China naqueles anos, quando a agricultura privada foi proibida. Como parte do esforço para acelerar o desenvolvimento econômico, utensílios de cozinha e ferramentas agrícolas de ferro foram derretidos para produção de aço para a indústria e o Exército, disse Yang. Os pais dela morreram de fome. Um tio dela comeu seu cinto de couro, ela lembrou.
"O país tinha acabado de ser libertado e era pobre", ela disse, referindo-se à revolução comunista de Mao de 1949. "Nós tínhamos um pouquinho de ferro e tivemos que entregá-lo."
As crianças pequenas recebiam um pequeno pedaço de pão de milho cozido no vapor na hora da refeição, ela disse, apontando para seu neto de 1 ano. As crianças de 13 anos recebiam meio pedaço, disse Yang. Os adultos recebiam um pedaço, contendo alguns legumes em seu interior.
"Quando havia uma refeição, os adultos não comiam e a guardavam para seus filhos", ela disse. "Os corpos dos adultos eram todos inchados de fome. Fluido saia das partes inchadas do corpo e a pele nas mãos descamava."
O pai dela partiu para Luoyang para mendigar por inhame para sua família. Diferente do leste de Henan, uma planície cortada pelo rio Amarelo que é propensa a enchentes e, historicamente, fome, Luoyang fica em terreno elevado.
"Eles tinham inhames ali, alguns poucos inhames", ela disse.
Quatro anos depois da morte de seu pai –Yang não sabe ao certo quando ocorreu– "os ossos dele voltaram para casa", trazidos por outro aldeão, ela disse.
Apesar do horror daqueles anos, como muitos aldeões daqui, Yang mantém um grande retrato de Mao acima do relicário da família, juntamente com imagens da deusa da misericória, Guanyin, e do general Yue Fei, do século 12, um nativo de Henan.
"Ele se tornou como um deus para nós", ela disse sobre Mao. "Ele conquistou o mundo para o povo."
Os historiadores explicam o enigma da lealdade duradoura a Mao, apontando para décadas de doutrinação política e para os tempos difíceis que persistiram durante os primeiros anos da República Popular. As lembranças de uma fome anterior aqui, em 1942, se misturam com a posterior, eles dizem.
Nas reuniões políticas para "lembrar a amargura e considerar a doçura", a história da fome anterior "era repetida várias e várias vezes", disse Zhou Xun, um historiador da Universidade de Essex.
"A fome do Grande Salto à Frente nunca era mencionada", disse Zhou. "Mao também entra no quadro como o novo poder que no final acabou com a miséria. Dessa forma, Mao se tornou um novo deus que cuidou da boa fortuna deles. Na verdade, infortúnio."
No condado de Tongxu, a renda permanece baixa. Uma família que ganha cerca de US$ 8.400 (cerca de R$ 34 mil) por ano está se saindo muito bem.
Os administradores da produção de cenouras daqui disseram que os preços do produto caíram por dois anos consecutivos.
Mas a "vida hoje é um pote de mel em comparação àquela época", disse Yang.
E apesar de Yang ter expressado pesar pela estátua ter sido derrubada, o filho dela, que deu apenas seu sobrenome, Wang, disse que seus sentimentos são ambíguos.
"Não acredito que todos aqui gostem de Mao", ele disse.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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