Frances Robles - NYT
Meridith Kohut/The New York Times
Enquanto cochilava, coisa que faz sempre que pode neste abrigo lotado
ao ar livre na Costa Rica, Gretchen López sonhou que estava enviando
dinheiro para sua mãe em Cuba, para reformar a casa em ruínas e comprar
comidas deliciosas.
"Mas eu acordei e estava aqui", disse ela, olhando ao redor para o quartel dos bombeiros na zona rural da Costa Rica, onde ela dorme ao lado de centenas de outros cubanos que encalharam ali ao tentar fazer uma perigosa viagem através de oito países para chegar aos Estados Unidos.
"Mas eu acordei e estava aqui", disse ela, olhando ao redor para o quartel dos bombeiros na zona rural da Costa Rica, onde ela dorme ao lado de centenas de outros cubanos que encalharam ali ao tentar fazer uma perigosa viagem através de oito países para chegar aos Estados Unidos.
Agora, depois de dois
meses esquecidos no abrigo, López e os quase 11 mil cubanos que ficaram
pelo caminho por causa de um impasse político na América Central em
breve estarão de volta à rota para os Estados Unidos, num êxodo que
alguns funcionários compararam a uma debandada.
Enquanto políticos norte-americanos debatem se devem aceitar refugiados sírios ou não e lamentam a multidão de centro-americanos que entram ilegalmente nos EUA, a fronteira está prestes a ruir nas próximas semanas por causa de mais uma onda de recém-chegados.
Mas, neste caso, os cubanos têm um trunfo: a lei dos EUA há muito tempo lhes concede um status especial para viver nos Estados Unidos e solicitar o green card --contanto que cheguem lá.
Esta onda recente de migração cubana é resultado de uma série de mudanças implementadas pelo governo comunista de Cuba nos últimos anos, em parte para impulsionar frágil economia da ilha. As pessoas têm autorização para vender seus carros e imóveis, algo que, de repente, permitiu que muito mais gente pagasse contrabandistas para ir para os Estados Unidos. Cuba também começou a permitir que seus cidadãos obtenham passaportes e deixem o país com mais liberdade, o que levou a uma corrida para as saídas.
Se esse foi o combustível, a decisão do governo Obama em 2014 de restaurar as relações diplomáticas com Cuba foram os fósforos. Logo circularam rumores de que, com a reabertura das embaixadas, os Estados Unidos não demorariam a eliminariam a Lei de Ajuste Cubano de 1966, que dá aos cubanos que conseguem chegar aos Estados Unidos um atalho para conseguir a residência legal permanente.
"Há uma onda de cubanos agora porque muita gente está com medo de que o direito seja revogado", disse Lázaro Clarke, 34, ex-barbeiro e fornecedor de frutas em Havana, enquanto esperava na Costa Rica. "Eu vou com lei ou sem lei."
Dezenas de milhares de cubanos gastaram o dinheiro da venda de suas casas e carros para pagar a viagem traiçoeira de 8 mil quilômetros de avião, ônibus, barco e a pé. A maioria deles começa voando para o Equador, que não exige visto de viagem. Daí vão para a Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e México, na esperança de alcançar a fronteira com os EUA.
O caminho tortuoso permite que os cubanos evitem a viagem perigosa através do Estreito da Flórida, uma travessia que custou a vida de muitos cubanos, para um lugar onde seriam deportados se fossem pegos pela Guarda Costeira, devido a uma política dos EUA conhecida como "pé molhado, pé seco".
Cerca de 30 mil cubanos chegaram à fronteira sudoeste dos Estados Unidos no ano fiscal de 2015, um aumento de 77% em relação ao ano anterior, de acordo com o departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras.
Kathya Rodríguez, diretora do serviço de imigração da Costa Rica, disse: "em 2015, os números deram um salto".
A Costa Rica disse que alertou seus vizinhos no ano passado de que a onda de migração estava crescendo.
"Muitos países os ignoraram, como se fossem fantasmas --sabiam que eles estavam lá, mas não prestavam atenção", disse o ministro do Exterior da Costa Rica, Manuel González.
Então, em novembro, a Costa Rica desmantelou uma rede de contrabando que estava transportando migrantes através do país. Sem os guias para indicar o caminho, os migrantes que cruzavam a fronteira em segredo de repente tornaram-se visíveis. Milhares deles.
A Costa Rica deu vistos de trânsito e os colocou a caminho da Nicarágua –uma antiga aliada de Cuba– mas esta se esquivou, recusando-se a deixá-los passar. Os cubanos começaram a se amontoar na fronteira com a Nicarágua. Em novembro, uma multidão forçou a entrada diante dos guardas de fronteira.
Eles foram repelidos pelos soldados nicaraguenses, com gás lacrimogêneo e cassetetes. "Por mais que vivêssemos num regime [autoritário], isso nunca aconteceu conosco antes", disse López, 22. "Gás lacrimogêneo? Balas? Alguns já apanharam da polícia antes, mas não desse jeito."
No mês passado, a Costa Rica e outros países da América Central concordaram com um plano para acelerar a saída dos cubanos. Na terça-feira, um grupo de 180 cubanos deve voar da Nicarágua para El Salvador, que não fazia parte da rota da migração. De lá, eles pegarão um ônibus para a Guatemala, e depois outro para o sul do México.
Se a viagem ocorrer sem problemas, passarão a sair dois voos por dia, com a expectativa de que leve três semanas para evacuar os cerca de 8 mil cubanos presos na Costa Rica. A esperança é criar um plano semelhante para os 3.000 cubanos que estão no Panamá.
Os cubanos pagarão US$ 555 (R$ 2.240) pelo voo charter, o ônibus e alimentação, arranjados por uma agência de viagens. Uma vez no México, eles ficarão por conta própria para chegar à fronteira dos EUA. Diferentemente dos hondurenhos e outros centro-americanos que tentam chegar à fronteira, os cubanos podem receber um visto de trânsito de 20 dias no México.
As nações da região enfatizaram que o acordo é uma oferta única. Para conter o fluxo de imigrantes, o Equador começou a exigir vistos em dezembro. A Costa Rica diz que vai deportar todos os cubanos capturados a partir de agora em seu território.
O governo cubano há muito condena a política dos EUA de aceitar migrantes cubanos, dizendo que ela encoraja o tráfico humano e a "politização da imigração".
"É uma norma injusta", disse Hugo Martínez, ministro das Relações Exteriores de El Salvador. "É uma política que permite que um grupo de migrantes seja tratado de forma privilegiada e outro grupo de migrantes de forma discriminatória."
Houve um amplo diálogo para modificar ou revogar a Lei de Ajuste Cubano de 1996, mas a probabilidade de o Congresso agir parece pequena.
"Talvez as pessoas achem que não é justo que tenhamos esse privilégio", disse Igor Thondike, que está dormindo numa quadra de basquete na Costa Rica desde novembro. "Também é injusto que os cubanos tenham passado mais de 50 anos sem uma eleição."
Ele está ansioso para continuar sua jornada e espera encontrar um trabalho instalando janelas nos Estados Unidos.
Bandeira americana vira acessório e enfeite nas ruas de Havana
Mulher usa calça com a bandeira dos EUA nas ruas de Havana; símbolo norte-americano aparece em roupas e enfeita locais na capital de Cuba - Eliana Aponte Tobar/The New York Times
Tradutor: Eloise De Vylder
Enquanto políticos norte-americanos debatem se devem aceitar refugiados sírios ou não e lamentam a multidão de centro-americanos que entram ilegalmente nos EUA, a fronteira está prestes a ruir nas próximas semanas por causa de mais uma onda de recém-chegados.
Mas, neste caso, os cubanos têm um trunfo: a lei dos EUA há muito tempo lhes concede um status especial para viver nos Estados Unidos e solicitar o green card --contanto que cheguem lá.
Esta onda recente de migração cubana é resultado de uma série de mudanças implementadas pelo governo comunista de Cuba nos últimos anos, em parte para impulsionar frágil economia da ilha. As pessoas têm autorização para vender seus carros e imóveis, algo que, de repente, permitiu que muito mais gente pagasse contrabandistas para ir para os Estados Unidos. Cuba também começou a permitir que seus cidadãos obtenham passaportes e deixem o país com mais liberdade, o que levou a uma corrida para as saídas.
Se esse foi o combustível, a decisão do governo Obama em 2014 de restaurar as relações diplomáticas com Cuba foram os fósforos. Logo circularam rumores de que, com a reabertura das embaixadas, os Estados Unidos não demorariam a eliminariam a Lei de Ajuste Cubano de 1966, que dá aos cubanos que conseguem chegar aos Estados Unidos um atalho para conseguir a residência legal permanente.
"Há uma onda de cubanos agora porque muita gente está com medo de que o direito seja revogado", disse Lázaro Clarke, 34, ex-barbeiro e fornecedor de frutas em Havana, enquanto esperava na Costa Rica. "Eu vou com lei ou sem lei."
Dezenas de milhares de cubanos gastaram o dinheiro da venda de suas casas e carros para pagar a viagem traiçoeira de 8 mil quilômetros de avião, ônibus, barco e a pé. A maioria deles começa voando para o Equador, que não exige visto de viagem. Daí vão para a Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e México, na esperança de alcançar a fronteira com os EUA.
O caminho tortuoso permite que os cubanos evitem a viagem perigosa através do Estreito da Flórida, uma travessia que custou a vida de muitos cubanos, para um lugar onde seriam deportados se fossem pegos pela Guarda Costeira, devido a uma política dos EUA conhecida como "pé molhado, pé seco".
Cerca de 30 mil cubanos chegaram à fronteira sudoeste dos Estados Unidos no ano fiscal de 2015, um aumento de 77% em relação ao ano anterior, de acordo com o departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras.
Kathya Rodríguez, diretora do serviço de imigração da Costa Rica, disse: "em 2015, os números deram um salto".
A Costa Rica disse que alertou seus vizinhos no ano passado de que a onda de migração estava crescendo.
"Muitos países os ignoraram, como se fossem fantasmas --sabiam que eles estavam lá, mas não prestavam atenção", disse o ministro do Exterior da Costa Rica, Manuel González.
Então, em novembro, a Costa Rica desmantelou uma rede de contrabando que estava transportando migrantes através do país. Sem os guias para indicar o caminho, os migrantes que cruzavam a fronteira em segredo de repente tornaram-se visíveis. Milhares deles.
A Costa Rica deu vistos de trânsito e os colocou a caminho da Nicarágua –uma antiga aliada de Cuba– mas esta se esquivou, recusando-se a deixá-los passar. Os cubanos começaram a se amontoar na fronteira com a Nicarágua. Em novembro, uma multidão forçou a entrada diante dos guardas de fronteira.
Eles foram repelidos pelos soldados nicaraguenses, com gás lacrimogêneo e cassetetes. "Por mais que vivêssemos num regime [autoritário], isso nunca aconteceu conosco antes", disse López, 22. "Gás lacrimogêneo? Balas? Alguns já apanharam da polícia antes, mas não desse jeito."
No mês passado, a Costa Rica e outros países da América Central concordaram com um plano para acelerar a saída dos cubanos. Na terça-feira, um grupo de 180 cubanos deve voar da Nicarágua para El Salvador, que não fazia parte da rota da migração. De lá, eles pegarão um ônibus para a Guatemala, e depois outro para o sul do México.
Se a viagem ocorrer sem problemas, passarão a sair dois voos por dia, com a expectativa de que leve três semanas para evacuar os cerca de 8 mil cubanos presos na Costa Rica. A esperança é criar um plano semelhante para os 3.000 cubanos que estão no Panamá.
Os cubanos pagarão US$ 555 (R$ 2.240) pelo voo charter, o ônibus e alimentação, arranjados por uma agência de viagens. Uma vez no México, eles ficarão por conta própria para chegar à fronteira dos EUA. Diferentemente dos hondurenhos e outros centro-americanos que tentam chegar à fronteira, os cubanos podem receber um visto de trânsito de 20 dias no México.
As nações da região enfatizaram que o acordo é uma oferta única. Para conter o fluxo de imigrantes, o Equador começou a exigir vistos em dezembro. A Costa Rica diz que vai deportar todos os cubanos capturados a partir de agora em seu território.
O governo cubano há muito condena a política dos EUA de aceitar migrantes cubanos, dizendo que ela encoraja o tráfico humano e a "politização da imigração".
"É uma norma injusta", disse Hugo Martínez, ministro das Relações Exteriores de El Salvador. "É uma política que permite que um grupo de migrantes seja tratado de forma privilegiada e outro grupo de migrantes de forma discriminatória."
Houve um amplo diálogo para modificar ou revogar a Lei de Ajuste Cubano de 1996, mas a probabilidade de o Congresso agir parece pequena.
"Talvez as pessoas achem que não é justo que tenhamos esse privilégio", disse Igor Thondike, que está dormindo numa quadra de basquete na Costa Rica desde novembro. "Também é injusto que os cubanos tenham passado mais de 50 anos sem uma eleição."
Ele está ansioso para continuar sua jornada e espera encontrar um trabalho instalando janelas nos Estados Unidos.
Bandeira americana vira acessório e enfeite nas ruas de Havana
Mulher usa calça com a bandeira dos EUA nas ruas de Havana; símbolo norte-americano aparece em roupas e enfeita locais na capital de Cuba - Eliana Aponte Tobar/The New York Times
Tradutor: Eloise De Vylder
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