Longe da realidade
Merval Pereira - O Globo
A alta
fragmentação de nosso sistema partidário, que faz com que o governo
tenha que ter de 10 a 12 partidos com participação efetiva no Congresso
ou no Ministério de coalizão, torna a gestão pública ineficiente e cara.
O
cientista político Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na
Fundação Getúlio Vargas no Rio, criou um índice em que estima os custos
do presidente com os seus parceiros tomando como referência recursos
orçamentários, gastos de ministérios e o número de ministérios alocados
para cada membro da sua coalizão.
Chegou a números que comprovam
hipóteses anteriormente abordadas: coalizões grandes, mais heterogêneas e
menos proporcionais são mais caras para o presidente. Para outro
cientista político, Octavio Amorim Neto da Fundação Getúlio Vargas no
Rio, o governo Dilma oferece excelentes exemplos dos problemas fiscais
associados aos governos de ampla coalizão.
A partir dos protestos
de junho de 2013, ele lembra, somaram-se à complexa equação político
fiscal de Dilma as agudas pressões dos manifestantes que foram às ruas.
“Elas tinham um sentido fiscal cristalino: demandavam mais gasto público
em Educação, Saúde e transporte, além de melhor qualidade desses
serviços”.
A compensação veio pelo aumento da receita, em virtude,
diz Amorim Neto, entre outros fatores, da dinâmica inerente aos
governos de coalizão, que, por terem pouca coesão, tendem a recorrer
mais à elevação de tributos do que ao corte de gastos, uma vez que
padecem de um sério problema de ação coletiva quando se trata de reduzir
os gastos públicos.
Para Sérgio Abranches, a razão imediata do
descontentamento partidário que se registra na base aliada ao governo é o
agravamento da rivalidade eleitoral entre o PMDB — e outros partidos
menores — e o PT, relacionado “não à condução do governo nem mesmo à
reforma política, mas ao cálculo eleitoral nos estados”.
A razão é
simples, diz Abranches: a reeleição de deputados depende principalmente
do resultado da eleição estadual. Mesmo candidatos fortes a presidente
não elegem deputados. No federalismo heterogêneo como o nosso, com
vários sistemas partidários regionais, a sincronia perfeita entre os
arranjos estaduais e o nacional é muito improvável.
Jairo Nicolau,
da UFRJ, diz que um fator decisivo para a nossa fragmentação é o
sistema eleitoral em vigor. “Utilizamos grandes distritos eleitorais,
que ampliam as chances de pequenos partidos chegarem ao Legislativo”.
Ele ressalta que existem pesquisas que mostram que as regras de
coligação proporcional têm contribuído para agravar a fragmentação.
Por
isso, Nicolau tem defendido mudança profunda no funcionamento da
representação proporcional no Brasil, com o fim das coligações, nova
fórmula para distribuição de cadeiras e uma forma de reduzir a
competição dos candidatos da mesma legenda durante a campanha.
Já o
cientista político Nelson Paes Leme acha que é preciso analisar
questões mais profundas, além dos sistemas eleitorais, para chegarmos a
uma conclusão sobre a questão da representatividade e da inconsistência
dos programas partidários.
“Os partidos políticos que se formaram a
partir do fim da ditadura militar (e alguns até oriundos dela)
coincidiram com o declínio mundial das ideologias, o fim do socialismo
real e o aprofundamento da revolução técnico científica, imprimindo nova
face ao capitalismo, diversa da vigente até os anos oitenta do século
passado”.
Além disso, diz, a luta de classes foi substituída pela
luta em torno da sobrevivência da biosfera e de combate a uma
superpopulação planetária geradora de índices alarmantes de miséria
absoluta a atingirem quase um terço da humanidade.
“Veja a
importância crescente que vêm assumindo mundialmente movimentos
apartidários como o Greenpeace e o Médicos Sem Fronteiras. Os partidos
brasileiros estão distantes dessa discussão e das reais necessidades da
população”.
Diante da perplexidade que vê instalada no mundo,
devido também às crises financeiras que estão mudando o capitalismo,
Paes Leme vê no Brasil “um Estado inflado e paquidérmico, herdado de um
patrimonialismo histórico e cultural difícil de abdicar”.
E afirma
que os partidos se transformaram em “ocas siglas sem ideologia e vazias
de compromissos com a realidade, potencializadas por legislação
eleitoral herdada da ditadura e defasada da realidade democrática de
hoje”.
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