De acusador a réu
Ruy Fabiano - Blog do Ricardo Noblat
Em entrevista ao SBT,
anteontem, Lula, com ares de Conselheiro Acácio, disse, entre outras
coisas, que “o PT vai ter que enfrentar o debate da corrupção”. Ontem,
em Salvador, no lançamento da candidatura de Rui Costa ao governo da
Bahia, voltou a falar em reforma “para moralizar a política”.
O
que se percebe é que o PT ainda crê na possibilidade de retomar a
bandeira da moralidade, que o levou ao Planalto, e assumir novamente o
comando dessa discussão. Não percebeu que, em quase doze anos no poder,
passou de acusador a réu.
Seu alto comando está (ainda) na Papuda.
O debate se processará (já está, aliás, se processando) queira ou não o
partido. A rigor, não queria, mas tornou-se inevitável. As
manifestações que precederam a Copa do Mundo tinham menos a ver com o
evento que com o ambiente em que as obras se desenvolveram.
Obras
sem licitação, superfaturadas e inacabadas, constituem um velho padrão
brasileiro, mas, na Era PT, mostraram-se sistêmicas; ganharam o cunho do
oficialismo.
O Mensalão, que Lula diz jamais ter existido – o que
colocaria o Supremo Tribunal Federal, que condenou os infratores, no
banco dos réus -, não tem precedentes.
Não foi um roubo isolado,
mas a tentativa de embolsar um Poder da República – e que só fracassou
graças à inconfidência de um dos cúmplices, o ex-deputado Roberto
Jefferson, do PTB, que se sentiu enganado. Chegou-se a tal extremo que
não há exagero em afirmar que, para descobrir novas falcatruas, basta
escolher aleatoriamente uma repartição qualquer do Estado.
O
empenho do governo em impedir investigações na Petrobras equivale a uma
confissão de culpa. O partido, que fazia das CPIs o seu principal
palanque, hoje as evita a todo custo. Ao longo do exercício do poder,
viu, um a um, os seus principais quadros intelectuais o abandonarem, em
meio a desabafos de decepção. Restaram-lhe figuras que mais se amoldam a
uma delegacia policial que a uma tribuna parlamentar.
Não será
fácil a Lula enfrentar esse debate, já que ele próprio está no centro de
algumas acusações. Tanto o Mensalão como a absurda compra da refinaria
de Pasadena ocorreram sob seu governo. E há ainda casos constrangedores,
como o de Rosemary Noronha, a namorada que chefiava a Presidência em
São Paulo, e que, nessa condição – de chefe e namorada -, nomeava
figurões da República e fazia bons negócios.
Lula até hoje não emitiu uma palavra sequer sobre o assunto, o que torna seu silêncio mais eloquente que as palavras.
Difícil
imaginar um debate sobre corrupção que passe por cima desses temas. A
estratégia até aqui exibida é a de tentar implicar o concorrente em
acusações similares, na base do “eles também roubaram”. Não há como
cobrar, mais de uma década depois, atos que cabem a quem estar no poder
punir.
Lula ensaiou um discurso pacifista e autocrítico na
entrevista do SBT, ao reconhecer que os insultos do Itaquerão não
decorreram apenas da tal elite branca de São Paulo. São bem mais amplos e
foram reproduzidos em outros ambientes. Gilberto Carvalho já havia dito
isso em entrevista a blogueiros chapa-branca.
O partido sabe que
perdeu o encanto junto à classe média e ao empresariado, sustentáculos
consideráveis em sua ascensão e permanência no poder. Resta-lhe a
clientela do bolsa-família, nada desprezível do ponto de vista
estatístico, mas insuficiente para garantir um segundo mandato de Dilma.
Também
nesse segmento, a inflação dos alimentos preocupa, semeia
insatisfações e impõe perdas. E os demais candidatos também irão se
comprometer com a continuidade daquele benefício, que, aliás, foi
herdado da administração tucana.
O discurso do ódio, na base do
nós x eles, não parece eficaz e é desaconselhado pelos marqueteiros. Mas
o partido não parece ter outro. Tanto assim que ontem, em Salvador,
Dilma voltou a proferi-lo, acusando seus adversário de apelar “para o
ódio, os xingamentos e a política desqualificada”.
São palavras
que não resistem a um exame superficial. Política desqualificada? Que
tal examinar os quadros da base parlamentar governista? Xingamentos? E o
que Lula disse do ex-presidente Itamar Franco, ao ofender publicamente
sua mãe? E o que o PT fez com a blogueira cubana Yoani Sánchez quando de
sua visita ao Brasil? E com a deputada venezuelana Maria Corina? E o
apoio ao regime venezuelano?
Há bem mais: o financiamento ao porto
cubano, o perdão das dívidas de regimes totalitários africanos sem
audiência ao Congresso etc. etc. Por aí, não será fácil estabelecer o
debate que Lula acredita ter ainda sob controle.
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