domingo, 1 de junho de 2014

O novo Bin Laden: líder jihadista comanda milhares de combatentes no Iraque
Christophe Ayad - Le Monde
Reprodução/Daily Mail
Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do EIIL (Estado Islâmico no Iraque e no Levante), comanda entre 7.000 e 8.000 combatentes jihadistas no Iraque Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do EIIL (Estado Islâmico no Iraque e no Levante), comanda entre 7.000 e 8.000 combatentes jihadistas no Iraque
Só existem duas fotos dele, pouco nítidas e em 3x4. Na que foi divulgada pelo FBI, ele aparece roliço e com a barba por fazer. A do ministério iraquiano do Interior o mostra um pouco mais calvo, com um início de barba e bigode. Na verdade, ninguém sabe como se parece hoje Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do EIIL (Estado Islâmico no Iraque e no Levante). No entanto, jamais antes dele um líder jihadista havia comandado tantos combatentes, controlado um território tão vasto e tido à disposição uma fortuna tão grande. Mesmo Osama Bin Laden, na época de seu auge afegão antes dos atentados do 11 de setembro, não fora tão poderoso.
Abu Bakr al-Baghdadi, cujos homens aterrorizam desde a entrada de Bagdá até o subúrbio de Damasco, passando pela fronteira da Jordânia com a Turquia, é o "jihadista invisível", um poder sem rosto, uma força sem face. Ninguém pode dizer que o viu, nem mesmo os reféns ocidentais detidos por seus homens na Síria e que tiveram a sorte de escapar de seu inferno. Até seu nome de guerra é um engodo: Abu Bakr é uma referência ao primeiro califa e companheiro do Profeta, e Al-Baghdadi significa simplesmente vindo de Bagdá.
Enquanto Bin Laden tinha um quê de pop star em seus vídeos de propaganda, Baghdadi prefere não aparecer. Enquanto Ayman al-Zawahiri, o médico egípcio que assumiu a liderança da Al Qaeda após a morte de Bin Laden em maio de 2011, gosta de dissertar por horas em seus vídeos postados na internet, ele não fala. Ou quase: são atribuídas a ele uma série de mensagens de áudio, sem autenticidade confirmada. Esse silêncio e essa ausência só fazem reforçar seu mito: suas ações falam por ele, sua crueldade substitui seu discurso, criando uma lenda que vem abalando toda a "jihadosfera", desde a Indonésia até a Mauritânia, passando pelas periferias da Europa.
Sobre Abu Bakr al-Baghdadi só se sabe que ele é originário da província de Dyala, no leste do Iraque, onde os curdos xiitas e sunitas se digladiam em um sangrento combate de atentados-suicidas e assassinatos. Também se sabe que a família de Al-Baghdadi vem do clã tribal dos Samarrai (da cidade de Samarra) e que ele gosta de associar sua linhagem à dos Husseini, descendentes do Profeta. A mais recente informação é de que Al-Baghdadi, que estudou na universidade islâmica de Bagdá e não tem passado militar, começou sua carreira no jihad após a invasão americana do Iraque, em um dos pequenos grupos insurgentes que proliferaram na época.
Uma década depois, o homem se encontra à frente de uma dezena de milhares de combatentes no Iraque, mais de 7.000 a 8.000 na Síria. Suas tropas controlam boa parte da província de Anbar (Fallujah e parte de Ramadi) no Iraque, avançam até a entrada de Bagdá, aterrorizam as regiões de Ninive (Mossoul) e Salaheddine (Tikrit e Samarra). Na Síria, eles dominam as províncias de Deir ez-Zor e Rakka, exploram os poços petroleiros perto de Hassetché e são ativos nas regiões de Latakia, Aleppo, Idlib, Hama e até Damasco.
Voluntários chegam aos montes de toda parte à região de Cham, o nome islâmico da Síria. Vindos da Europa, da Ásia Central, da Austrália, do Cáucaso, de Magreb e do Golfo, eles chegam para se juntar ao maior jihad transnacional já conduzido. E a grande maioria deles prefere o EIIL à Frente Al-Nusra, apesar de esta última ser a sucursal oficial da Al Qaeda na Síria.
A bandeira – preta e estampada com a profissão de fé – é a mesma, o discurso e o objetivo também: instaurar um Estado puro do ponto de vista islâmico, que observe a sharia em sua acepção mais rigorista. No entanto, entre eles existe uma rixa mortal que se iniciou dentro da rede al-qaedista. O EIIL – muitas vezes designado por seu acrônimo em inglês ISIS ou árabe, Dai'sh – é a pior ameaça contra a Al Qaeda desde que foi fundado nas zonas tribais paquistanesas em 1988 por Osama Bin Laden. Um inimigo interno.
Famoso por uma decapitação
As hostilidades começaram no final de março de 2013, quando o Estado Islâmico no Iraque proclamou sua fusão com a Frente Al-Nusra, de Abu Mohamed al-Jolani, considerada como a filial síria do grupo. As ligações eram inúmeras e antigas, tecidas por uma década de jihad no Iraque, mas seria uma aquisição pouco amistosa. Não demorou até que a organização síria fizesse uma recusa polida, mas firme. Cada um com seu país, cada um com seu jihad.
Em seu refúgio paquistanês, Ayman al-Zawahiri, que dedica a maior parte de seu tempo a escapar de ataques de drones americanos, compreendeu imediatamente a ameaça. Ele dava razão à Frente Al-Nusra, mas nada mais podia conter a marcha de Abu Bakr al-Baghdadi. Zawahiri tinha boas razões para desconfiar: este último não lhe jurou fidelidade nos meses que se seguiram à morte de Bin Laden. Existia uma antiga disputa entre o ideólogo egípcio e o jovem líder iraquiano. Baghdadi era um discípulo de Abu Mussab al-Zarqawi.
Esse jordaniano não passava de uma figura secundária da Al Qaeda, um figurante. Estabelecido no Curdistão do Iraque desde 2002, ele acompanhou de perto a invasão americana no ano seguinte. Ele logo assumiu a liderança do combate antiamericano e surpreendeu a todos ao decapitar com suas próprias mãos o empresário americano Nicholas Berg, em maio de 2004. A outra peculiaridade de Zarqawi eram os massacres de xiitas, dizimados pelos repetidos atentados suicidas, que lhe valiam certa popularidade na Arábia Saudita onde o xiismo é tratado como uma heresia. Mas o estado-maior da Al Qaeda, particularmente Zawahiri, desaprovava essa estratégia que corria o risco de transformar o jihad global em uma fitna ("discórdia") entre muçulmanos. Zawahiri ordenou então a Zarqawi que desse um fim aos atentados antixiitas. Em vão. Por fim, o renegado foi morto pela aviação americana em junho de 2006 em Dyala, região de origem de Baghdadi.
O controle da Al Qaeda na Mesopotâmia foi então retomado por um "comissário político" egípcio enviado por Zawahiri: era Abu Hamza al-Muhajer (nome verdadeiro: Youssef al-Dardiri), que exercia uma co-direção com o emir iraquiano do grupo. A organização, que se fundiu com vários outros grupos menores, foi rebatizada de "Estado Islâmico no Iraque".
O objetivo era ainda mais ambicioso pelo fato de que o projeto jihadista no Iraque foi quase aniquilado: a partir do final de 2006, o exército americano começou a recrutar tribos árabes sunitas cansadas do domínio da Al Qaeda e de seus abusos. Em abril de 2010, Abu Hamza e o emir iraquiano foram mortos. Então Abu Bakr al-Baghdadi retomou as rédeas de uma organização enfraquecida, mas unida e empedernida.
Existe um abismo de gerações entre Zawahiri e Baghdadi: o primeiro conheceu o jihad afegão, o segundo se formou no jihad iraquiano. O egípcio é um teórico que fala sem parar sobre o impacto das revoluções árabes ou a história da Irmandade Muçulmana no Egito; o iraquiano é adepto da violência, que ele tornou seu principal argumento de recrutamento. Com ele, o Iraque se tornou uma escola de treinamento onde se cruzam jovens militantes vindos de toda parte do mundo, atraídos pela ultraviolência.
Por fim, cada líder é limitado por sua situação. Zawahiri tem a aura fundadora do 11 de setembro, mas não dispõe de nenhum território seguro e vive fora do mundo árabe: ele teoriza o jihad distante (contra o inimigo ocidental) para impressionar as multidões muçulmanas. Já Baghdadi teve a experiência do emirado de Fallujah: a tomada da cidade pelos insurgentes em 2004 e depois sua queda nas mãos do Exército americano. Para implementar seu Estado Islâmico no centro do mundo árabe, ele dá primazia ao jihad próximo, contra os inimigos imediatos, a começar pelos muçulmanos que são contra seu projeto.
A morte de Bin Laden, em plena "primavera árabe", detonou as rivalidades de sucessão. Na verdade, não existia razão para que a Al Qaeda escapasse, assim como qualquer organização política, das querelas de liderança. Apesar de sua saída do campo operacional, o bilionário saudita continuava sendo a incontestável autoridade suprema. Com sua morte, a jovem guarda revelou sua ambição, e Abu Bakr al-Baghdadi virou o líder.
Já no seu início no comando do Estado Islâmico no Iraque, em maio de 2000, ele organizou 60 ataques simultâneos que resultaram em 110 mortos em um único dia. No outono, ele ordenou o ataque à catedral de Bagdá (46 mortos entre os fiéis). A mensagem foi clara: a Al Qaeda não estava morta no Iraque, o Estado Islâmico assumiu seu controle. A saída das tropas americanas em dezembro de 2011 e a política sectária do primeiro-ministro xiita iraquiano, Nuri al-Maliki, fizeram o resto. Ao humilhar e oprimir os sunitas, Maliki radicalizou toda uma comunidade que ele jogou nos braços dos extremistas.
A estranha cumplicidade do clã Assad
Na primavera do mesmo ano de 2011, a revolução estourou na Síria. A população pedia por mais liberdade e justiça social, mas o levante também teve contornos religiosos: a maioria sunita não suportava mais a influência da minoria alauíta, um ramo dissidente do xiismo de onde saiu a família Assad, sobre os cargos de responsabilidade, sobretudo na imposição da lei e da ordem. O terreno era favorável para o discurso anti-xiita de Baghdadi.
Estranhamente, o regime sírio, que prende e tortura seus opositores aos montes, soltou certo número de figuras jihadistas detidos em seus cárceres. Por que recolocar no circuito esses extremistas que logicamente voltarão suas armas contra o regime ímpio dos Assad? Porque isso faz parte de uma "gestão" religiosa da crise, que permite unir todas as minorias contra a ameaça sunita fundamentalista. Porque os serviços sírios, que desde 2003 gastaram tempo gerindo, infiltrando, retirando os jihadistas em trânsito para o Iraque, também conhecem perfeitamente seus "clientes", quando eles não os manipulam à distância. Eles sabem que o objetivo primeiro de alguns deles é a instalação de um califado que aplique de modo estrito a sharia, em vez da instauração da democracia no Oriente Médio.
Os efeitos logo foram sentidos. Em janeiro de 2012, a Frente Al-Nusra anunciou sua formação sob a égide de Abu Mohamed al-Jolani, um sírio treinado no Iraque. Sua temeridade e sua integridade lhe valeram uma expansão espetacular e a simpatia entre o grande público. Ele não escondia sua proximidade com o Estado islâmico, para o qual ele atuava como "peixe-piloto". O grupo iraquiano fez sua aparição no teatro de guerra sírio em seu próprio nome no início de 2013.
Ao contrário da Frente Al-Nusra, o EIIL não parecia buscar o confronto com o exército sírio, mas se concentrava mais na tomada de controle dos postos fronteiriços para estabelecer uma continuidade territorial com o Iraque. Ele se apossou dos territórios libertados por outros, como um passarinho cuco. Em Rakka, primeira capital de província libertada do regime, ele surpreendeu ao organizar a execução pública de soldados alauítas. Em outras partes ele se apropriou de depósitos de armas da rebelião e matou alguns de seus líderes, sem reivindicar a ação. Por fim, ele visou as zonas petroleiras, fonte de lucrativos tráficos e "estocou" os reféns ocidentais discretamente. Em março de 2013, suas posições estavam suficientemente consolidadas para tomar conta da Frente Al-Nusra e reivindicar todo o poder.
Abu Bakr al-Baghdadi ficou obcecado pela experiência iraquiana e pela emergência das milícias Sahwa (sunitas anti-Al-Qaeda). Então ele fez uma limpeza nas zonas que controlava: todos os opositores ou rivais em potencial foram eliminados. O alvo principal de Dai'sh eram os rebeldes laicos e os outros grupos islamitas. "Sua estratégia era a mesma que a dos stalinistas durante a guerra da Espanha, que se livraram de seus concorrentes anarquistas e trotskistas em vez de combater Franco", resume um diplomata.
Durante esse tempo, o exército de Bashar al-Assad poupou o EIIL. Figuras próximas do regime de Damasco chegaram a comprar petróleo vendido pelos jihadistas. Seria o EIIL uma "criatura" dos serviços de Assad, como alegam os opositores laicos? "É ir longe demais na teoria da conspiração", relativiza Dominique Thomas, especialista em movimentos jihadistas e pesquisador associado à Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais (EHESS). "Primeiro, os jihadistas soltos foram na direção de outros grupos que não o Estado Islâmico. Segundo, não se podem estabelecer causalidades em relação a um contexto de guerra muito vago e instável."
Só que antigas ligações continuam a alimentar a hipótese de uma colusão entre Damasco e o Estado Islâmico. Uma coisa é certa: "A organização recrutou maciçamente entre ex-membros do Baath iraquianos", como ressalta Dominique Thomas, e estes últimos mantiveram sólidos intermediários em Damasco.
Mercado de reféns
No início de 2013, o contexto mudou no Iraque: o primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki manifestou seu apoio a Bashar al-Assad, pois ele também enfrentou uma revolta sunita na província de Anbar, que ele contribuiu amplamente para criar oprimindo essa comunidade desde a queda de Saddam Hussein. Baghdadi viu ali a oportunidade para instalar seu embrião de Estado situado entre os dois países. Ele circulava constantemente e imperceptível entre os dois lados da fronteira. O petróleo sírio e a extorsão dos funcionários públicos sírios lhe garantiram uma fortuna, bem como o tráfico de antiguidades provenientes de zonas sírias libertadas.
O mercado de reféns também se revelou lucrativo, sendo pensado e executado com determinação: do fim de 2012 até o outono de 2013, o EIIL sequestrou cerca de trinta ocidentais, sobretudo jornalistas e trabalhadores humanitários, entre eles Didier François, Edouard Elias, Nicolas Hénin e Pierre Torres, em junho de 2013. A estratégia consistia em tomar o máximo possível deles. Os ocidentais são considerados um butim, um atributo de poder. Os serviços de inteligência ocidentais assistiam, alarmados, a lista de reféns crescer, sem nenhuma reivindicação ou pedido de resgate, em um primeiro momento. Qual a finalidade de tudo isso? Escudos humanos, moeda de troca? Alguns chegaram a pensar que o projeto era criar uma Guantánamo ao contrário, uma Abu Ghraib de ocidentais. A ideia certamente agradou os candidatos europeus ao jihad, que são usados como carcereiros de seus compatriotas: britânicos, franceses e belgas que vão para servir de ajudantes no jihad de Baghdadi.
As negociações começaram no fim do inverno de 2014 e doze reféns foram sendo liberados aos poucos (três jornalistas espanhóis, quatro jornalistas franceses e cinco membros da Médicos Sem Fronteiras), em troca de resgates. Todos falavam no fanatismo e, sobretudo, no desejo de reconhecimento de Dai'sh: "Nós somos como um Estado! Vocês viram como somos bem organizados?", repetiam incessantemente os carcereiros, orgulhosos do reconhecimento ocidental assim obtido, sobretudo da França, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
O EIIL, que tinha ciência de seu ambiente geopolítico, também atacou as milícias curdas do PYD [Partido de União Democrática], que tomaram o controle do Curdistão sírio, garantindo assim a boa vontade do governo turco, que deixaram passar armas e jihadistas através de suas fronteiras, pelo menos até o fim do inverno de 2014. Ele também tomou o cuidado de manter sua imagem de pureza radical nas redes sociais, para se impor como a única força realmente jihadista, acusando a Al Qaeda de fazer um pacto com os democratas. O grupo chegou a publicar um relatório anual detalhado de suas atividades militares – o último em maio de 2014 – revelando uma estrutura hierarquizada e uma centralização da informação. Ele se vangloria sobretudo de ter permitido a fuga de milhares de detentos jihadistas no ataque a oito prisões em menos de um ano no Iraque.
No final de 2013, quando grupos como os egípcios do Ansar Beit Al-Maqdis ou Ansar al-Charia Tunísia e Líbia começaram a se aproximar do EIIL, Ayman al-Zawahiri aceitou a ideia de uma guerra aberta contra seu rival. Para ele, o EIIL está repleto de criminosos reincidentes que usam o takfir ("excomunhão") a torto e a direito e assustando os não-islamitas com seu radicalismo, ao passo que as revoluções árabes mostraram que nem todas as populações aceitam o fundamentalismo.
O líder da Al Qaeda apoiou então discretamente a grande ofensiva lançada, no final de dezembro, pelos liberais do Exército Sírio Livre e de outros grupos rebeldes islamitas contra o EIIL. Constrangida, a Frente Al-Nusra falou em trégua e mediação, até que o enviado especial pessoal de Zawahiri foi assassinado pelo EIIL. A guerra estava declarada dentro da Al Qaeda. O EIIL se retirou de Aleppo, mas estabilizou rápido suas posições graças às suas alianças tribais dentro das províncias de Rakka e de Deir ez-Zor. No Iraque, o governo Malilki passou à ofensiva em Fallujah, sem sucesso. Foi mais o EIIL que ameaçou o subúrbio de Bagdá em abril.
Na Síria, o EIIL voltará à ofensiva, prevê Jean-Pierre Filiu, professor do instituto Science Po, que acaba de publicar uma nota para a Fundação Carnegie, "A Al Qaeda está morta, viva a Al Qaeda!" E, cedo ou tarde, o EIIL atacará o Ocidente. Até o momento, o FBI oferece US$ 25 milhões pela captura de Zawahiri e 10 milhões pela de Baghdadi. Os americanos logo se renderão ao óbvio: agora a Al Qaeda é o Estado Islâmico no Iraque e no Levante.

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