A ruinosa trajetória da Argentina kirchnerista
Pode-se discutir se justiças nacionais devem
deliberar sobre dívidas soberanas, mas nada reduz a culpa das correntes
políticas hegemônicas pelas crises no país
O Globo
Vito Tanzi, economista italiano radicado nos Estados Unidos,
estabeleceu uma relação próxima, e não apenas profissional, com a
Argentina. Depois de viajar muito ao país, como representante do Fundo
Monetário Internacional, a fim de assessorar governos argentinos em
apuros cambiais, ou a lazer, Tanzi lançou em 2007 um livro sobre o que
viu. Deu um título sugestivo ao que chamou de “Crônica econômica”: “Como
um dos países mais ricos do mundo perdeu sua fortuna”.
O
economista encontraria, nas últimas semanas, rico material para
confirmar suas teses. É ilustrativo como, em 13 anos, a Argentina
conseguiu entrar em moratória duas vezes. Esta última ainda é contestada
— pelo menos em Buenos Aires e Brasília. Mas não há dúvidas que, haja
ou não o default formal, o país enfrentará problemas ainda
maiores na obtenção de financiamentos externos, além de experimentar uma
aceleração no desaquecimento da economia, em recessão, e na inflação,
já em 25%. Assim como na crise da dívida de dezembro de 2001 — na
explosão anunciada do câmbio fixo —, a atual é obra doméstica, e
produzida com eficiência. Basta observar o mundo: não há qualquer país
de algum porte em crise cambial, muito menos exportador de alimentos,
como a Argentina, um dos maiores.
Cristina Kirchner, seu ministro
da Fazenda, o jovem professor marxista Axel Kicillof, e aliados no
continente entendem não haver moratória porque a argentina deseja pagar
os US$ 832 milhões de juros devidos a credores em 30 de junho, mas a
Justiça americana, eleita contratualmente para mediar conflitos, não
deixa. E porque, em Corte americana, fundos “abutres” — especializados
em correr elevados riscos na compra de títulos “podres” com grandes
descontos, e tentar resgatá-los pelo valor de face por via judicial —
ganharam da Argentina, em tribunal de Nova York, o direito a receber
cerca de US$ 1,5 bilhão, integralmente. Parêntesis: a conotação negativa
dada por argentinos e brasileiros aliados a fundos “abutres” é de fundo
ideológico, pois os vulture funds
são atores usuais e necessários nos mercados mundiais. Pois ajudam a dar
liquidez a papeis rejeitados pelos investidores. Em certa medida,
preservam ativos.
Esta crise da dívida argentina é o desfecho de
muita arrogância e inabilidade no tratamento com os credores por parte
dos Kirchner, Néstor e Cristina. Assim como de uma política econômica
desastrosa, por populista e heterodoxa. Cristina K. chegou a intervir no
BC para desviar reservas externas a fim de financiar despesas
correntes. Hoje, elas estão em menos de US$ 30 bilhões, depois de terem
chegado a US$ 52 bilhões em 2011. E virarão pó se os demais credores
argentinos acionarem cláusula que lhes concede a mesma vantagem dos
“abutres”. Pode-se discutir se justiças nacionais devem continuar a
deliberar sobre contratos de dívidas soberanas. Mas nada consegue
minimizar a responsabilidade das correntes políticas hegemônicas na
Argentina por mais esta crise. Vito Tanzi que o diga.
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