Argentina volta à moratória 13 anos depois
Christine Legrand - Le MondeEstupor e confusão em Buenos Aires. Treze anos depois, a Argentina voltou à moratória. O governo peronista de Cristina Kirchner não conseguiu chegar a um acordo, na quarta-feira (30) em Nova York, com os fundos 'abutres' NML e Aurelius, que exigem o pagamento de US$ 1,3 bilhão de títulos que eles adquiriram.
Em dezembro de 2001, Buenos Aires já havia dado o calote em sua dívida, mergulhando o país na mais grave crise financeira de sua história. Desta vez, a agência de classificação de risco Standard & Poor's declarou a Argentina em moratória "seletiva", que atinge somente uma parte da dívida. Mas as consequências serão consideráveis.
O ministro argentino da Economia, Axel Kicillof, que até agora não havia participado das difíceis negociações, foi em caráter de urgência a Nova York, na terça-feira (29). Ele não forneceu maiores detalhes, nem disse a palavra "calote". "Vamos buscar uma solução justa, equilibrada e legal para 100% de nossos credores", ele repetiu na quarta-feira (30), mas "em condições razoáveis, sem tentativa de extorsão".
O ex-presidente do banco central Aldo Pignanelli se mostrou convicto de que "agora se abre a possibilidade de um ajuste entre instituições privadas", com um acordo que poderá ser anunciado em breve. Já o economista Guillermo Nielsen falou em "uma situação preocupante e complexa" e estimou que "os bancos privados se colocaram em uma situação política incômoda".
"A vítima será o povo"
Segundo ele, "a estratégia legal do governo foi um fracasso", e "a primeira vítima será a macroeconomia, com importações mais caras e uma queda nas exportações", o que levará a "uma maior inflação, cuja vítima será o povo".É o mesmo diagnóstico de Hugo Moyano, líder da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT, oposição): "O governo critica com razão os fundos 'abutres', mas faz a mesma coisa que eles com os salários dos trabalhadores argentinos", declarou.
Como
forma de protestar contra a crise econômica na Argentina, que tem feito
a moeda local (o peso) perder seu valor de compra, internautas criaram a
página "Los Billetes Andan Diciendo" ("As Cédulas Andam Dizendo", em
tradução livre) no Facebook. Nela, eles postam cédulas de dois, cinco e
dez pesos com desenhos que ironizam a atual situação do país. Na foto
acima, a imagem do militar argentino Manuel Belgrano foi substituída
pelo desenho do personagem cômico Chapolin Colorado Alexander Bustamante/Facebook
As reservas de câmbio já caíram para seu menor nível em sete anos, US$28 bilhões. Após uma década de forte crescimento graças às exportações agrícolas, especialmente de soja, o país entrou em recessão, levando a um crescente mal-estar social. A Argentina também se tornou dependente das exportações no plano energético. A indústria tem operado em seu regime mais baixo em dez anos.
Se o calote durar, as consequências serão graves para os bancos e as empresas argentinas, que veriam uma elevação nos seus custos de empréstimo. O Brasil, principal parceiro comercial do país, sobretudo através do setor automobilístico, bem como os bancos espanhóis Santander e BBVA, bem estabelecidos na Argentina, também seriam afetados.
Fim manchado do mandato de Kirchner
O fim do mandato presidencial de Cristina Kirchner, que termina em dezembro de 2015, será, portanto, manchado pelo segundo calote do país em treze anos. Ele também será marcado por uma forte queda de sua popularidade. A presidente argentina alega ter, junto com seu marido Néstor Kirchner (2003-2007), "reinserido a Argentina no mundo", ao libertar o país do fardo de sua dívida.Em 2003, a Argentina honrou, antecipadamente e de uma só vez, o total daquilo que devia ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e, mais recentemente, ao Clube de Paris em 28 de julho. Em um tom combativo, Kirchner transformou em causa nacional a briga contra os fundos 'abutres' acusados de tentativa de "extorsão", silenciando a oposição sobre um assunto delicado.
Porém, seus detratores a acusam de má gestão. De fato, embora as imensas entradas de divisas resultantes do boom do preço das matérias-primas exportadas pela Argentina tenham lhe permitido pagar a dívida, a presidente não usou-as para diversificar a economia, nem para melhorar o dia a dia dos argentinos, os sistemas de educação, de saúde, de moradia ou de transporte público.
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