Laure Stephan - Le Monde
Nabil Mounzer/EFE/EPA
Eva Zaatari mostra em seu celular as fotos dos sacos de lixo que se empilham na região de Baabda, a leste de Beirute, conhecida por suas ruas arborizadas e casas elegantes no limite da capital: "Às vezes os montes de lixo são levados pela prefeitura. Mas alguns dias depois ele volta."
Sami Chenaihi, residente de Baabda e voluntário de uma ONG, menciona os ratos, o fedor, os odores sufocantes liberados pelo lixo queimado. Agora também há a ameaça da chuva, uma vez que em outros subúrbios violentas chuvas arrastaram o lixo acumulado pelas ruas, no domingo.
Mais de três meses após o início da crise do lixo em Beirute, Baabda, que abriga o palácio presidencial --sem ocupante há quase um ano e meio devido a entraves políticos--, é um dos vários subúrbios da capital que não conseguem se livrar de seu lixo de maneira viável.
"As pessoas enlouqueceram"
Recapitulando: em meados de julho, o depósito de lixo que servia Beirute e seus arredores fechou. O governo não antecipou uma solução de substituição e a Sukleen, a empresa particular encarregada de coletar o lixo, cujo contrato chegou ao fim, cessou suas atividades. As ruas da capital logo foram invadidas pelo lixo, no auge do verão.Diante da fúria dos moradores, as autoridades pediram aos coletores da Sukleen que voltassem ao trabalho em Beirute. Mas não na periferia: de um dia para outro, as administrações locais foram obrigadas a encontrar uma solução enquanto não surgia um novo plano do governo.
Algumas passaram por essa etapa sem muitos traumas, instituindo a coleta seletiva ou armazenando o lixo. Mas muitas estão sofrendo pela falta de recursos, uma vez que nenhuma verba foi liberada para que as administrações locais atendessem a essa emergência, ou pela falta de terrenos.
"A crise do lixo enlouqueceu as pessoas", constata Paul Abi Rached, presidente da T.E.R.R.E. Liban, uma ONG ambientalista sediada em Baabda. "Estamos vendo prefeituras queimando seu próprio lixo. Faz mais de 20 anos que tiraram das prefeituras qualquer reflexão sobre o lixo, porque a gestão era centralizada e seus recursos financeiros eram monopolizados. Para Baabda, poderiam ter encontrado pedreiras para armazenar e separar o lixo. É um desperdício."
Em Baabda, o problema é ainda mais complicado visto que os poderes da prefeitura, que renunciou, foram transferidos para a província de Monte Líbano, e os moradores acreditam que para essa autoridade regional, que não consegue dar conta da situação, o destino dos resíduos locais é algo secundário. O medo de que o lixo passasse a ser enterrado na floresta mobilizou ativistas ambientalistas e moradores, que ouvem que soluções estão sendo providenciadas, mas não conhecem os detalhes disso. Nas últimas semanas eles se anteciparam, para o bem ou para o mal.
O próprio centro de Baabda foi poupado, em parte porque se instaurou um sistema paralelo de coleta. Rita, uma moradora na faixa dos 50 anos de idade, sorri meio constrangida: para se livrar de seu lixo doméstico, ela recorre a um coletor improvisado, uma pessoa a quem paga US$ 10 (R$ 39) por mês. "Todo mundo faz isso aqui. Egípcios ou sírios coletam o lixo das casas. Não há mais coleta pública ou caminhões de lixo, não é uma vergonha?". Mas para onde vai esse lixo, ela não quis saber. Outros comerciantes e moradores se cotizam para se livrar de um amontoado de sacos de lixo, perto de lojas ou de prédios. Ninguém sabe para onde vai esse lixo, e a conta é salgada: cerca de US$ 500 (R$ 1.900), pagos a coletores de métodos obscuros.
"Isso é como varrer a sujeira para baixo do tapete", resume Sami Chenaihi, que defende uma resposta responsável. A ONG da qual ele faz parte, a Offre-Joie, tem feito uma campanha para que as pessoas isolem o lixo acumulado na Grande Beirute e dá o exemplo. Por três vezes em outubro, em Baabda e nos arredores, jovens voluntários embalaram em sacos grossos os sacos de lixo menores, que já haviam virado uma pasta, no caso dos mais antigos. "É simples e barato. Isso permite limitar a proliferação de insetos ou de roedores, e a contaminação da água de nossas torneiras. Talvez seja a única solução que temos hoje, pois não temos nenhum lugar onde colocar esse lixo."
"Conscientização"
Na entrada das instalações da T.E.R.R.E. Liban, operários separam os resíduos não orgânicos trazidos pelos habitantes. A ONG tem recebido uma enxurrada de pedidos. "Com a crise, houve uma conscientização", diz Eva Zaatari, uma jovem mãe que junto com outras acaba de formar um grupo, o Angry Moms in Action ("mães furiosas em ação"), para convencer creches e casas a adotarem a reciclagem pensando em reduzir o volume de resíduos. "Nosso filhos estão ficando doentes com uma frequência inédita. É difícil não fazer a associação com o lixo que polui o ar."E haveria uma saída à vista para a crise? O plano anunciado pelo governo em setembro para a Grande Beirute não tem avançado, pois está no centro de um confronto político, apesar da urgência de uma solução. Prova disso é o volume de lixo da capital coletado pela Sukleen, mas que é amontado em um terreno a dois passos do porto: dezenas de milhares de toneladas, segundo especialistas, armazenadas sem tratamento. O plano também é contestado pela sociedade civil, que exige outras alternativas além do uso de novos depósitos.
O texto prevê a introdução da reciclagem ao longo de meses, cuja organização ficará a cargo das administrações locais. "Mas nada está sendo feito para incentivar isso. Nas últimas semanas ficou claro: o governo, em vez de ajudar os subúrbios de Beirute a reciclar, deixou que cada um tomasse o cuidado de resolver a situação, muitas vezes em detrimento da natureza", alega Raja Noujaim, coordenador da coalizão civil contra o plano do governo, que sugere a existência de um "complô" para se manter uma gestão privatizada do lixo. Ainda que o plano de ação seja aplicado, não se diz nada sobre o que será do lixo que vem sendo jogado na natureza desde julho.
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