Bruno Philip - Le Monde
AFP
O premiê da Malásia, Najib Razak
A Malásia, um país complexo, dinâmico e próspero do Sudeste Asiático, se encontra neste momento diante de um desafio triplo: primeiramente político, por causa de supostos desvios de seu primeiro-ministro; em seguida econômico, devido às dificuldades que podem não ser passageiras; e por último religioso, em um momento em que os defensores de uma aplicação radical das leis corânicas estão ganhando espaço, às vezes com a cumplicidade do governo.
O premiê Najib Razak, 62, está enfraquecido, sendo suspeito de ter mandado depositar em sua conta uma polpuda soma equivalente a 550 milhões de euros (R$ 2,36 bilhões). Esse montante teria vindo do fundo soberano 1MDB, que ele mesmo havia criado com o louvável objetivo de investir no desenvolvimento e na modernização da Federação Malaia.
Najib logo reagiu contra todos aqueles que estão exigindo uma investigação sobre esses "escapes" e não hesitaram em desafiá-lo dentro de seu próprio governo, de sua administração e de seu partido, a Organização Nacional Malaios Unidos (Umno, na sigla em inglês), no poder desde a independência de 1957.
Ele dispensou
repentinamente seu vice-premiê, forçou o procurador-geral a se demitir,
mandou a polícia vasculhar os escritórios da Comissão Anti-Corrupção e
ordenou a prisão de um membro da Umno que havia se atrevido a percorrer o
mundo tentando reunir provas contra ele.
Os números estagnados da economia não ajudam em nada esse chefe de governo autoritário, mas perseguido. Nesses tempos de desaceleração chinesa, a Malásia está pagando o preço de uma economia dependente demais de suas exportações: rica em recursos naturais (petróleo e gás), ela exportou menos este ano para a China, com quem seu comércio bilateral chegou a uma centena de bilhões de dólares em 2014. Para completar, o valor do ringgit em relação ao dólar despencou a um nível jamais visto em 20 anos, enquanto a Bolsa de Kuala Lumpur caiu.
A economia do país, cujo PIB per capita (R$ 38 mil) é o terceiro maior do Sudeste Asiático, atrás do rico micro-Estado de Cingapura e do sultanato de Brunei, se encontra em dificuldades por razões intrínsecas.
Apesar da diversidade de seu aparelho produtivo --desde óleo de palma até peças avulsas de automóveis, passando por componentes eletrônicos--, a Malásia tem sofrido com a queda de competitividade em termos de custos de mão de obra, em relação a vários países da região. O investimento estrangeiro na Malásia caiu pela metade este ano.
Depois de seu impressionante sucesso dos anos 1990, esse país, que foi um dos "novos tigres" do extremo Oriente, precisa se sofisticar e fabricar produtos de maior valor agregado se não quiser permanecer no nível de Cingapura ou da Coreia nos anos 1980.
A instrumentalização do islamismo feita por um governo que determina o destino de uma população de cerca de 30 milhões de habitantes, dos quais 55% são muçulmanos, está se tornando uma fonte de preocupação para os partidários da laicidade, que aqui é chamado de secularismo, termo que define melhor uma realidade diferente da francesa.
Mas o conceito tem suas ambiguidades na Malásia: a Constituição afirma o direito à liberdade religiosa para todos os membros de uma sociedade multicultural e pluriconfessional, ao mesmo tempo em que declara o islã a região do Estado.
Quando às cortes civis, elas não têm jurisdição sobre os assuntos tratados pelos tribunais islâmicos, a quem compete tudo aquilo que diz respeito à religião e à família.
Nos últimos tempos, provavelmente em razão de seu declínio eleitoral nas eleições de 2013, e com o intuito de garantir o apoio dos partidos islamitas, o governo tem deixado instituições religiosas oficiais assumirem posicionamentos abertamente fundamentalistas.
Assim, e entre outros exemplos, uma livreira foi processada pelo departamento de assuntos religiosos por ter vendido um livro da canadense Irshad Manji, partidária de uma reforma do islã e autora do livro "Allah, Liberty and Love" (Alá, liberdade e amor, não lançado no Brasil). O Tribunal Superior considerou que a queixa não procedia, mas o caso ganhou muita repercussão.
Em abril, foi o próprio governo federal que anunciou estar disposto a apoiar os Estados da federação que quisessem aplicar os hudud, as três severas punições islâmicas previstas contra ladrões, casais adúlteros, acusados de apostasia e homossexuais.
Todos esses abusos têm chocado as minorias não muçulmanas, como as chinesas (25% da população), indianas (7%) e os Orang Asli (povos "indígenas", muitas vezes cristãos), ainda que seja pequena a chance de que os hudud, voltados somente para os muçulmanos, algum dia sejam aplicados.
"Uma decisão como essa," explica Sophie Lemière, pesquisadora de antropologia política no Instituto da Universidade Europeia, "violaria diversos acordos internacionais dos quais a Malásia é signatária".
Segundo ela, "o jogo político que consiste em atiçar as divisões étnicas e religiosas permite que o partido no poder apareça como a única fonte de estabilidade e que justifique a perpetuação de um sistema autoritário instaurado desde a independência".
O uso com fins políticos de uma interpretação rigorista do islã permite que o governo firme suas posições no contexto de uma democracia há muito tempo sob vigilância. Um diplomata malaio de alto escalão aposentado, Kadir Deen, hoje se diz "preocupado com a lenta erosão da supremacia da Constituição, o que pode levar a inúmeros abusos por parte das autoridades religiosas."
Os números estagnados da economia não ajudam em nada esse chefe de governo autoritário, mas perseguido. Nesses tempos de desaceleração chinesa, a Malásia está pagando o preço de uma economia dependente demais de suas exportações: rica em recursos naturais (petróleo e gás), ela exportou menos este ano para a China, com quem seu comércio bilateral chegou a uma centena de bilhões de dólares em 2014. Para completar, o valor do ringgit em relação ao dólar despencou a um nível jamais visto em 20 anos, enquanto a Bolsa de Kuala Lumpur caiu.
A economia do país, cujo PIB per capita (R$ 38 mil) é o terceiro maior do Sudeste Asiático, atrás do rico micro-Estado de Cingapura e do sultanato de Brunei, se encontra em dificuldades por razões intrínsecas.
Apesar da diversidade de seu aparelho produtivo --desde óleo de palma até peças avulsas de automóveis, passando por componentes eletrônicos--, a Malásia tem sofrido com a queda de competitividade em termos de custos de mão de obra, em relação a vários países da região. O investimento estrangeiro na Malásia caiu pela metade este ano.
Depois de seu impressionante sucesso dos anos 1990, esse país, que foi um dos "novos tigres" do extremo Oriente, precisa se sofisticar e fabricar produtos de maior valor agregado se não quiser permanecer no nível de Cingapura ou da Coreia nos anos 1980.
A instrumentalização do islamismo feita por um governo que determina o destino de uma população de cerca de 30 milhões de habitantes, dos quais 55% são muçulmanos, está se tornando uma fonte de preocupação para os partidários da laicidade, que aqui é chamado de secularismo, termo que define melhor uma realidade diferente da francesa.
Mas o conceito tem suas ambiguidades na Malásia: a Constituição afirma o direito à liberdade religiosa para todos os membros de uma sociedade multicultural e pluriconfessional, ao mesmo tempo em que declara o islã a região do Estado.
Quando às cortes civis, elas não têm jurisdição sobre os assuntos tratados pelos tribunais islâmicos, a quem compete tudo aquilo que diz respeito à religião e à família.
Nos últimos tempos, provavelmente em razão de seu declínio eleitoral nas eleições de 2013, e com o intuito de garantir o apoio dos partidos islamitas, o governo tem deixado instituições religiosas oficiais assumirem posicionamentos abertamente fundamentalistas.
Assim, e entre outros exemplos, uma livreira foi processada pelo departamento de assuntos religiosos por ter vendido um livro da canadense Irshad Manji, partidária de uma reforma do islã e autora do livro "Allah, Liberty and Love" (Alá, liberdade e amor, não lançado no Brasil). O Tribunal Superior considerou que a queixa não procedia, mas o caso ganhou muita repercussão.
Em abril, foi o próprio governo federal que anunciou estar disposto a apoiar os Estados da federação que quisessem aplicar os hudud, as três severas punições islâmicas previstas contra ladrões, casais adúlteros, acusados de apostasia e homossexuais.
Todos esses abusos têm chocado as minorias não muçulmanas, como as chinesas (25% da população), indianas (7%) e os Orang Asli (povos "indígenas", muitas vezes cristãos), ainda que seja pequena a chance de que os hudud, voltados somente para os muçulmanos, algum dia sejam aplicados.
"Uma decisão como essa," explica Sophie Lemière, pesquisadora de antropologia política no Instituto da Universidade Europeia, "violaria diversos acordos internacionais dos quais a Malásia é signatária".
Segundo ela, "o jogo político que consiste em atiçar as divisões étnicas e religiosas permite que o partido no poder apareça como a única fonte de estabilidade e que justifique a perpetuação de um sistema autoritário instaurado desde a independência".
O uso com fins políticos de uma interpretação rigorista do islã permite que o governo firme suas posições no contexto de uma democracia há muito tempo sob vigilância. Um diplomata malaio de alto escalão aposentado, Kadir Deen, hoje se diz "preocupado com a lenta erosão da supremacia da Constituição, o que pode levar a inúmeros abusos por parte das autoridades religiosas."
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