domingo, 29 de novembro de 2015

Apesar de controvérsias, Arábia Saudita se torna importante aliado do Ocidente
Arnaud Leparmentier - Le Monde
Reprodução/Koin
Salman bin Abdulaziz Al Saud, rei da Arábia Saudita
Salman bin Abdulaziz Al Saud, rei da Arábia Saudita
Foi depois do 11 de setembro de 2001. O cineasta americano Michael Moore estava rodando "Fahrenheit 9/11" e começou a se questionar. Era curioso, realmente curioso, que 15 dos 19 autores dos atentados fossem sauditas, que o chefe deles, Osama Bin Laden, também o fosse, e que os Estados Unidos de Bush ainda assim tivesse corrido para reforçar seus laços com o reino wahhabita. Esse foi um hábito criado desde o pacto selado entre o presidente Franklin Roosevelt e o rei Ibn Saud em 1945, sobre o navio USS-Quincy.
No pós-11 de Setembro, éramos todos americanos. E continuamos sendo, após os atentados de Paris. A Arábia financia o fundamentalismo sunita em todo o planeta, como confirmaram os telegramas revelados pelo WikiLeaks e dissecados pelo "New York Times", mas eles continuam sendo nossos amigos.
"A Arábia Saudita é nossa aliada", reivindicava em fevereiro o ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, um mês depois dos ataques contra o "Charlie Hebdo" e o HyperCacher. "A partir do momento em que combatemos o Daesh e constatamos que a Arábia Saudita está atacando, intervindo, colocando aviões, a Arábia Saudita é nossa aliada. E, como temos aliados, vou certificar-me de que eles sejam respeitados."

"Indústria ideológica"

Talvez caiba levantar algumas questões pouco respeitosas, a exemplo do deputado verde alemão Cem Özdemir. "O wahhabismo saudita não é parte do problema. Ele é a origem do problema", acusou no domingo (22) esse político de origem turca. "A Arábia Saudita e os países do Golfo há anos são aliados do Ocidente. Na verdade, eles apoiam o EI. Quando o EI vende seus prisioneiros em seus mercados de escravos, há sauditas ricos e cidadãos do Golfo negociando. Por quanto tempo os ocidentais ainda vão se calar?" Enquanto eles se calarem serão acusados de hipocrisia, com seus discursos sobre valores, mas petróleo e exportação de armas na prática.
O escritor argelino Kamel Daoud resume: "O Daesh tem uma mãe, que é a invasão do Iraque. Mas ele também tem um pai, que é a Arábia Saudita e sua indústria ideológica". Em uma cáustica coluna publicada pelo "New York Times" e intitulada "A Arábia Saudita, um Daesh que deu certo", o laureado do prêmio Goncourt por seu primeiro romance ("Mersault, contre-enquête" ou "Mersault: contra-investigação",  Ed. Actes Sud, 2014) descreve um "Daesh negro e um Daesh branco". O primeiro decapita, mata, apedreja, decepa mãos, destrói patrimônio histórico e detesta arqueologia, mulheres e estrangeiros não muçulmanos. O segundo é mais bem vestido e mais limpo, mas faz a mesma coisa. (...) Querem salvar a famosa aliança estratégica com a Arábia Saudita ao mesmo tempo  em que se esquecem de que esse reino depende de outra aliança, com um clero religioso que dissemina, prega e defende o wahhabismo, o islamismo ultrapuritano do qual o Daesh se alimenta.
É possível até mesmo deixar a moral de lado: atacar o Daesh é útil, mas insuficiente se você não consegue cortar o combustível wahhabita que alimenta o jihadismo mundial. Não sejamos ingênuos: os ocidentais, que temem o Irã xiita, não querem derrubar os Saud, nem fazer "nation building" em um território que abriga os lugares santos do islamismo. Eles vão explicar que esse não é o Estado saudita, mas sim indivíduos que apoiam os jihadistas.
Entretanto, a situação inexoravelmente vai se tornando tensa. Porque os sauditas, que eram em 4 milhões em 1960, hoje são em 30 milhões, e não suportarão indefinidamente o jugo de sua teocracia medieval que no fundo é bastante frágil. Porque as populações do Oriente Médio não suportam o discurso ambíguo do Ocidente sobre os valores. Porque as opiniões públicas ocidentais, que precisam menos do petróleo, finalmente estão saindo de seu torpor.
Pouco a pouco, a Arábia vai se tornando um tema de interesse para as opiniões públicas ocidentais, e a pena de morte, com uma decapitação ocorrendo a cada dois dias, não é mais o único motivo de indignação. Riad está associada com o Estado Islâmico, a guerra no Iêmen, e também com o caso do blogueiro Raif Badawi, condenado a dez anos de prisão e mil chibatadas por blasfêmia. O abaixo-assinado da Anistia Internacional recebeu mais de 1 milhão de assinaturas, sendo 70 mil da França. Então agora a arbitrariedade saudita tem um rosto, e isso é essencial para abalar os bastiões.
Além disso, os políticos estão discretamente começando a falar. O Parlamento europeu concedeu a Badawi, no final de outubro, o prêmio Sakharov. Seu presidente, Martin Schulz, fez um apelo para que "o rei Salman cancele a execução dessa pena, liberte Badawi e permita que ele receba seu prêmio no Parlamento europeu". Em vão, ainda que a pressão não tenha sido totalmente ineficaz. "Somente" 50 chibatadas foram dadas, sobretudo por razões de saúde. Enquanto isso a sociedade vai evoluindo. Muito lentamente, mas está evoluindo.
Os dirigentes ocidentais fogem desse debate. Todos se lembram do tweet de Manuel Valls, postado no dia 13 de outubro, após sua visita a Riad: "França e Arábia Saudita: 10 bilhões de euros em contratos! O governo trabalhando em prol de nossas empresas". Mas em uma coletiva de imprensa o primeiro-ministro teve de garantir que havia "transmitido mensagens" sobre direitos humanos. A honra estava salva. Voltemos ao que interessa.
O verde Joschka Fischer, ex-ministro das Relações Exteriores da Alemanha, disse quais eram as prioridades: "Devemos cessar a guerra na Síria. Os problemas não serão resolvidos todos ao mesmo tempo". Todas as potências do planeta estão se reunindo para discutir, russos, americanos, sírios, iranianos, sauditas, turcos, europeus... Façamos então diplomacia à moda antiga, à maneira do querido Henry Kissinger, que hoje é a única possível, para evitar uma deflagração mundial. Mas a questão saudita foi levantada. Por um bom tempo.

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