terça-feira, 3 de novembro de 2015

O que fazer com os islamitas? Repetição do sucesso da Tunísia é improvável
Kamel Daoud - TINYT
Adel Ezzine/Xinhua
Representantes do Quarteto da Tunísia, Nobel da PazRepresentantes do Quarteto da Tunísia, Nobel da Paz
O que fazer com os islamitas? Eles devem ser assimilados no falso multipartidarismo dos regimes fechados? Incluídos nos processos de liberalização política? Democratizados à força? Serem mortos? Por mais de duas décadas, a questão tem sido um tormento. Primeiro para as elites árabes, depois para as elites muçulmanas e então, após o 11 de setembro de 2001, para todo o mundo.
A abordagem radical –violência– não realiza muito, exceto radicalizar ainda mais os radicais. O massacre de um jihadistas apenas confirma seus métodos e reforça sua ideologia de vitimização, o transformando em um mártir. O Ocidente se torna o inimigo, assim como sua democracia e suas regras. Por reação, o islamismo se torna a "solução" –que, por acaso, é o slogan da Irmandade Muçulmana no Egito. A visão de mundo islamita se torna justificada. Sua propaganda se torna verdade, apoiada por fotos mostrando as vítimas mortas nas Cruzadas do Ocidente.
Matar um jihadista significa transformar um problema na democracia em um choque de civilizações. O transforma em eterno. Abençoa suas maldições. As políticas do presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, ilustram como essa escolha leva a um impasse: a repressão serve como validação para mais radicalização, encorajando o recrutamento de novos jihadistas e, assim, uma repetição do ciclo de confronto.
Há outra abordagem, que é eliminar os islamitas mais radicais e assimilar os moderados. Na Argélia, que sofreu nos anos 90 com uma guerra entre um regime militar autoritário e jihadistas radicais, o atual (e eterno) presidente chama isso de "política de reconciliação". A ideia é simples: drenar o pool no qual os elementos mais violentos são recrutados, enquanto é oferecido aos demais outro caminho –com anistias legais ou com tolerância aos partidos políticos islamitas que são "brandos", isto é, controlados e limitados em suas ações.
O conceito é digno, mas sua tradução para a realidade é corrupta. "Reconciliação" com frequência se transforma em um acordo entre um regime duro e os radicais islâmicos, e juntos eles imobilizam a sociedade ao obstruírem as exigências das elites progressistas por democratização. O regime administra a receita dos recursos do petróleo ou uma posição estratégica, enquanto os islamitas administram as ruas, o espaço público, a sociedade e os costumes.
Esse arranjo tende a transformar cidadãos em fiéis, em pessoas religiosas mais preocupadas com sua fé e sua prática do que, digamos, com a recuperação da economia, a independência do Judiciário ou eleições livres. Na Argélia, como em outros lugares, marchas de protesto contra uma lei que autoriza o consumo de álcool ou contra um filme considerado imoral são costumeiras, enquanto manifestações contra a corrupção ou má gestão são extremamente raras.
Em face aos islamitas, a democracia é com frequência frustrada pela astúcia das ditaduras. Essa foi a experiência da Argélia nos anos 90, apesar disso ter permanecido invisível porque a Internet não existia até então. Isso é o que está acontecendo hoje no Egito, que está preso em um ciclo de confronto entre islamitas e militares, com os democratas em grande parte marginalizados. Quando o escritor egípcio Alaa Al-Aswany disse sobre o ex-presidente Mohamed Morsi que "ele usou a democracia como degrau para implantação de um regime islamita", ele capturou ao mesmo tempo a ansiedade da democracia e a dor da ditadura. A escolha trágica oferecida às elites progressistas é ou se submeter à teocracia ou implorar aos militares por proteção.
É preciso ver o caso da Tunísia, lar dos protestos de 2010 e 2011 que inspiraram outros levantes em muitos países árabes, para sugerir a possibilidade de um terceiro caminho: um consenso, apesar de frágil, entre as elites islamitas e as elites progressistas. Rached Ghannouchi, líder do Movimento Ennahda, o partido islamita que venceu as eleições de 2011 após o ditador Zine el-Abidine Ben Ali fugir do país, acabou cedendo à pressão –dos sindicatos, dos centristas, dos nacionalistas, dos progressistas– e em nome do interesse nacional, abraçou uma política de diálogo. Em uma entrevista para um jornal francês, Ghannouchi explicou por que rompeu com a tradição linha-dura dos islamitas no mundo muçulmano: "De que vale ficar em uma casa que está ruindo sobre você?" A admissão veio poucos meses depois da derrubada de Morsi no Egito.
Em 2014, o Ennahda deixou voluntariamente o poder e, em seu lugar, surgiu um governo baseado em uma fórmula inovadora: um consenso entre a elite que sobrepujou a maioria eleitoral. Isso foi uma heresia em termos democráticos, mas também uma forma válida de assegurar a estabilidade e afastar a violência. E é o que o comitê do Nobel aparentemente quis recompensar ao conceder seu prestigioso Prêmio da Paz ao Quarteto de Diálogo Nacional da Tunísia, que lidera a iniciativa.
Uma forma tunisiana, uma possibilidade árabe, uma solução global? Ela deve ser considerada com cautela. Para que essa opção esteja disponível, um país precisa de um regime fraco, uma ditadura derrotada e islamitas que não sejam radicais demais, ou que ao menos sejam pacientes em sua ambição de domínio mundial. Também há outras condições: uma classe média forte (para agir como mediadora neutra entre as correntes partidárias opostas, com seus próprios interesses para defender); ausência de petróleo (porque a receita do petróleo permite aos governos funcionarem sem impostos e, a longo prazo, sem prestação de contas aos seus cidadãos); pouco financiamento estrangeiro (dependência pode significar cooptação, como na Síria, pela Rússia e Irã); falta de fortes tensões étnicas ou sectárias (diferente do Iraque ou do Iêmen); e um Exército não muito forte (diferente do Egito e da Argélia).
Há tantas ressalvas que uma repetição do exemplo tunisiano é muito improvável. Se o Prêmio Nobel da Paz apontar uma lente de aumento para uma questão que preocupa o mundo todo –o que fazer com os islamitas?– isso dirá pouco sobre as chances de uma solução generalizável. A Tunísia é menos um modelo e mais um caso singular.
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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