Leonídio Paulo Ferreira - DN
Andrzej Zybertowicz | Gerardo Santos / Global Imagens
Sociólogo Andrzej Zybertowicz está acostumado a aconselhar presidentes, mas falou ao DN a título pessoal: diz que a Polónia precisa de que a NATO e a UE mostrem firmeza perante a Rússia
Como reage quando se acusa a Polónia de estar mais interessada na NATO do que na União Europeia?
Isso
não é verdade. Cada uma destas instituições tem ativos civilizacionais
que se complementam. A NATO é para a segurança, a União Europeia para o
crescimento e o desenvolvimento. Mas agora temos uma situação peculiar,
pois na crise migratória convergem ambas as dimensões: segurança e
desenvolvimento económico e cultural.
A crise migratória também é um problema de segurança?
Terrorismo,
refugiados, crise migratória, Estado Islâmico, presença da Rússia na
Síria, agressão dos russos na Ucrânia. É um complexo conjunto de
fenómenos que nem a NATO nem a União Europeia podem resolver
isoladamente. Só a cooperação entre a UE e a NATO pode fornecer uma
solução satisfatória. Podemos tentar criar um processo de resolver esta
série de problemas.
Mas visto da Polónia, a Rússia continua a ser a maior ameaça?
Absolutamente,
porque a Rússia é uma ameaça física. E por duas razões: é um Estado
autoritário controlado por uma máfia criminosa e possui poder atómico.
Estes dois fatores fazem desse país uma ameaça e não apenas para a
Polónia.
Não mede as palavras quando fala da Rússia...
Que quer dizer com isso?
Quando afirma que uma máfia controla a Rússia, por exemplo.
Essa
é uma descrição-padrão. Leia qualquer analista sério de assuntos
moscovitas - por exemplo, no ano passado foi publicado um livro por uma
reputada académica americana sobre a cleptocracia de Putin - como os
capangas de Putin, trabalhando de mão dada com várias máfias, capturaram
o Estado. É cientificamente baseada a afirmação.
Então não vê qualquer raison d"Étatna forma como Putin lida com os assuntos internacionais?
Na
política temos de falar com toda a gente que conta. Temos de falar com
Putin porque tem fortes recursos à mão. É por isso que também precisamos
de falar com ele. Mas há sempre limites na conversa. E os limites são
mostrados pelo recente incidente com o avião russo. Primeiro diz-se:
"Não cruzes a linha de fronteira." E repete-se: "Não cruzes a linha de
fronteira." Chama-se o embaixador russo e diz-se: "Não nos testem. Não
queremos que nos provoquem." E em poucos dias voltam à linha de
fronteira sem razões sérias e a Turquia, pela segunda vez, convoca o
embaixador russo e volta a dizer: "Não nos façam esta provocação." E há
um momento em que a conversa já não chega.
Este incidente entre aviões russos e turcos, embora longe, sustenta a visão da Polónia sobre a Rússia?
Sustenta
que esse é um país que não quer respeitar o primado civilizacional da
lei. Que tanto a NATO como a UE são ambas fundamentadas no respeito pela
lei, mas que o Estado russo obedece a outras premissas. Não encontra
nenhum país que não tenha prisões. O que nos diz isso sobre a natureza
humana? Que há categorias de pessoas com quem não basta falar para as
travar.
Está a fazer uma analogia com o sistema internacional?
Sim, que o princípio certo é falar, mas que depois de conversas fúteis tem de se estar na posse de alguns instrumentos de poder.
A Polónia quer maior investimento militar pelos países da NATO?
Certamente.
E a colocação de mais meios da NATO na Europa de Leste?
Em
2008, quando a Rússia invadiu a Geórgia, o presidente polaco, o
falecido Lech Kaczynski, convidou quatro presidentes para o seu avião -
os da Estónia, Letónia, Lituânia e o da Ucrânia - e viajaram até
Tbilissi. Perante uma multidão, o presidente Kaczynski disse: "Hoje é a
Geórgia, da próxima vez vai ser a Ucrânia e no futuro talvez algum dos
países bálticos e depois a Polónia." O nosso entendimento é que se a
União Europeia e a NATO tivessem cooperado unanimemente em 2008 não
teria depois havido a anexação da Crimeia, nem teria havido guerra no
Leste da Ucrânia. Se depois da guerra na Geórgia a UE tivesse promovido
duras sanções económicas - não falo de militares - à Rússia, tudo teria
sido diferente, até na Síria.
União Europeia e NATO devem ser mais firmes com a Rússia?
Com
todos os que violem a lei internacional. Não é um problema com o país, é
com o modo como é liderado. Costumamos dizer que temos uma longa
história com a Rússia, de cooperação e guerras...
Sobretudo de guerras...
Provavelmente,
mesmo se nos mil anos de história da nossa nação houve períodos sem
guerras. Mas o nosso problema não é com os russos, o povo, mas com o
sistema de poder, que se afasta de quaisquer regras democráticas.
Não
está entusiasmado com a possibilidade de cooperação entre a NATO e a
Rússia para combater o jihadismo pois não? Porque o Estado Islâmico não é
um grande problema para a Polónia?
Neste
momento, o Estado Islâmico não é um grande problema para a Polónia. Mas
isso levanta a questão da solidariedade: porque tropas polacas tiveram
de ir para o Iraque? A racionalidade disto é que no início se pensava
que Saddam tinha armas nucleares e tinha de ser travado. E apoiámos os
Estados Unidos nessa missão. Agora sabemos que foi mal planeada e
pobremente executada. Fizemos parte de outra missão pós-ataques
terroristas de 2001 à América, com uns milhares de soldados polacos no
Afeganistão...
Exigem reciprocidade, é isso?
Sim.
Estamos prontos para mostrar solidariedade quando os aliados pedem. Mas
queremos reciprocidade. Não queremos soldados ocidentais a combater.
Queremos que sejam organizados procedimentos que nos mostrem que seremos
defendidos se alguém, quem quer que seja, violar a lei internacional.
Para a Polónia isso significa o quê?
Um
plano de contingência mais convicto no quartel-general da NATO. Até
recentemente havia um vazio nesse campo. Esperamos também que soldados
da NATO treinem em território polaco, pois isso mostrará à Rússia que
somos um parceiro importante da NATO. Sabe, em 2004, quando a Polónia se
juntou à UE, a Rússia decidiu testar-nos. Exportámos muita comida para
lá e decidiram que alguma dela não cumpria requisitos de qualidade. O
que na realidade queriam ver era se a UE tratava os novos membros de
forma diferente. Por sorte, Barroso, que estava à frente da comissão em
Bruxelas, percebeu isso e respondeu que se a Rússia tinha problemas com a
Polónia tinha problemas com a União Europeia como um todo.
Exige à NATO a mesma atitude?
Sim.
O novo governo tem sido chamado de eurocético, até de extrema-direita. Prejudica a imagem do país?
Sabe
há quanto tempo este novo governo está em funções? Há menos de duas
semanas. Como é possível ser julgado? É preconceito. E quando se diz
extrema-direita o significado muda de país para país. Vamos então
analisar a ideologia ponto por ponto e ver se é mesmo extrema--direita.
Por exemplo, o governo do partido Direito e Justiça (PiS) tem uma forte
política social, de proteção das famílias pobres. Tem um programa para
promover jovens talentosos para lá das barreiras sociais. Isso é
extrema-direita? As velhas divisões entre esquerda e direita às vezes
não se aplicam.
Esta reação tem
que ver com a experiência de há uma década com Jaroslaw, o gémeo
Kaczynski sobrevivente, que volta a controlar o governo de Varsóvia
mesmo não sendo primeiro-ministro?
Esse
governo foi mal interpretado. Imaginemos que a Espanha é um Agamemnon e
Portugal um pequeno aliado. E um dia vira-se para Espanha e diz saber
que são parceiros mas que quer uma relação entre iguais, não de mestre e
escravo.
É uma analogia com a Alemanha?
Sim.
Estamos felizes por ter fortes relações com a Alemanha. Aprendemos
muito. Eles são bons em tecnologia, a organizar. E a nossa economia
beneficia desses fortes laços. Mas nós somos um grande mercado para os
produtos do Ocidente, 38 milhões de pessoas. E queremos que a relação
seja mesmo de parceria. E se de repente um governo polaco diz que vai
rever as diretivas que recebe de Bruxelas ou de Berlim há logo quem não
goste.
Passados dez anos, vai ser diferente? Aprenderam com a experiência ou a situação é que mudou?
Esse
é o ponto. O PiS aprendeu algumas lições. E o cenário é diferente. Toda
a gente pode ver que a segurança se tornou o grande tema.
Para
quem conhece a história polaca, é evidente que sempre sofreu por estar
entre a Alemanha e a Rússia. Essa memória afeta a forma como o país faz
política? A Polónia precisa de ser poderosa?
Alguns
historiadores dizem que a Polónia ou é um grande país ou não é nada.
Por isso investimos tanto na modernização das forças armadas,
esforçamo-nos tanto para ter laços estreitos com os países bálticos, que
estão numa posição semelhante perante a Rússia, por isso fortalecemos o
grupo de Visegrád. Por isso queremos melhores canais de comunicação com
vários países da NATO.
Com destaque para os Estados Unidos, obviamente...
Com
certeza. Porque receamos que algumas tendências na União Europeia, e
olhando para a forma como a crise grega foi gerida, na hora H, na
situação de stress, não teste de stress, mas na situação, a velha
fórmula de Kissinger - não se saber a quem ligar quando se quer falar
com a Europa - ainda se aplique. As negociações sobre a Ucrânia
mostraram não ser as instituições europeia mas sim Merkel e Hollande a
falar com Putin. É compreensível, mas mostra as debilidades das
instituições sediadas em Bruxelas.
Têm
um polaco como presidente do Conselho Europeu, Tusk, e no próximo ano
Varsóvia vai receber a cimeira da NATO. Que influência tem a Polónia
para mudar tanto a União Europeia como a NATO?
Primeiro
que tudo, pensamos que Putin não é um problema da Polónia. É um
problema para todo o projeto europeu. Este espaço de liberdade, de
liberdade de viajar, de comerciar, de mover capitais, em que
investigadores de tantos países podem estudar as complexidades da
política, é hostil à atual cultura do Estado russo. Putin, e
provavelmente qualquer futuro líder russo, gostaria de ver a UE
dividir-se em várias regiões. Do ponto de vista histórico, Putin é uma
espécie de teste de stress a todo o projeto europeu.
Há
quem faça piadas com o novo "pacto de Varsóvia" que vai nascer da
cimeira da NATO em 2016. É só uma piada, a relembrar a Guerra Fria, ou
algo novo pode mesmo acontecer na Aliança Atlântica?
Gostaria
que algo surpreendente acontecesse que nos desse um sinal de que existe
uma zona do mundo livre no Atlântico e que esse mundo livre consegue
mostrar a sua vitalidade. Ficaria feliz se um dia a UE fosse tão forte
que mesmo sem o guarda-chuva nuclear americano fosse capaz de se
defender sozinha.
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