domingo, 29 de novembro de 2015

"Putin é uma espécie de teste de stress a todo o projeto europeu"
Leonídio Paulo Ferreira - DN
Andrzej Zybertowicz  |  Gerardo Santos / Global Imagens
Sociólogo Andrzej Zybertowicz está acostumado a aconselhar presidentes, mas falou ao DN a título pessoal: diz que a Polónia precisa de que a NATO e a UE mostrem firmeza perante a Rússia
Como reage quando se acusa a Polónia de estar mais interessada na NATO do que na União Europeia?
Isso não é verdade. Cada uma destas instituições tem ativos civilizacionais que se complementam. A NATO é para a segurança, a União Europeia para o crescimento e o desenvolvimento. Mas agora temos uma situação peculiar, pois na crise migratória convergem ambas as dimensões: segurança e desenvolvimento económico e cultural.
A crise migratória também é um problema de segurança?
Terrorismo, refugiados, crise migratória, Estado Islâmico, presença da Rússia na Síria, agressão dos russos na Ucrânia. É um complexo conjunto de fenómenos que nem a NATO nem a União Europeia podem resolver isoladamente. Só a cooperação entre a UE e a NATO pode fornecer uma solução satisfatória. Podemos tentar criar um processo de resolver esta série de problemas.
Mas visto da Polónia, a Rússia continua a ser a maior ameaça?
Absolutamente, porque a Rússia é uma ameaça física. E por duas razões: é um Estado autoritário controlado por uma máfia criminosa e possui poder atómico. Estes dois fatores fazem desse país uma ameaça e não apenas para a Polónia.
Não mede as palavras quando fala da Rússia...
Que quer dizer com isso?
Quando afirma que uma máfia controla a Rússia, por exemplo.
Essa é uma descrição-padrão. Leia qualquer analista sério de assuntos moscovitas - por exemplo, no ano passado foi publicado um livro por uma reputada académica americana sobre a cleptocracia de Putin - como os capangas de Putin, trabalhando de mão dada com várias máfias, capturaram o Estado. É cientificamente baseada a afirmação.
Então não vê qualquer raison d"Étatna forma como Putin lida com os assuntos internacionais?
Na política temos de falar com toda a gente que conta. Temos de falar com Putin porque tem fortes recursos à mão. É por isso que também precisamos de falar com ele. Mas há sempre limites na conversa. E os limites são mostrados pelo recente incidente com o avião russo. Primeiro diz-se: "Não cruzes a linha de fronteira." E repete-se: "Não cruzes a linha de fronteira." Chama-se o embaixador russo e diz-se: "Não nos testem. Não queremos que nos provoquem." E em poucos dias voltam à linha de fronteira sem razões sérias e a Turquia, pela segunda vez, convoca o embaixador russo e volta a dizer: "Não nos façam esta provocação." E há um momento em que a conversa já não chega.
Este incidente entre aviões russos e turcos, embora longe, sustenta a visão da Polónia sobre a Rússia?
Sustenta que esse é um país que não quer respeitar o primado civilizacional da lei. Que tanto a NATO como a UE são ambas fundamentadas no respeito pela lei, mas que o Estado russo obedece a outras premissas. Não encontra nenhum país que não tenha prisões. O que nos diz isso sobre a natureza humana? Que há categorias de pessoas com quem não basta falar para as travar.
Está a fazer uma analogia com o sistema internacional?
Sim, que o princípio certo é falar, mas que depois de conversas fúteis tem de se estar na posse de alguns instrumentos de poder.
A Polónia quer maior investimento militar pelos países da NATO?
Certamente.
E a colocação de mais meios da NATO na Europa de Leste?
Em 2008, quando a Rússia invadiu a Geórgia, o presidente polaco, o falecido Lech Kaczynski, convidou quatro presidentes para o seu avião - os da Estónia, Letónia, Lituânia e o da Ucrânia - e viajaram até Tbilissi. Perante uma multidão, o presidente Kaczynski disse: "Hoje é a Geórgia, da próxima vez vai ser a Ucrânia e no futuro talvez algum dos países bálticos e depois a Polónia." O nosso entendimento é que se a União Europeia e a NATO tivessem cooperado unanimemente em 2008 não teria depois havido a anexação da Crimeia, nem teria havido guerra no Leste da Ucrânia. Se depois da guerra na Geórgia a UE tivesse promovido duras sanções económicas - não falo de militares - à Rússia, tudo teria sido diferente, até na Síria.
União Europeia e NATO devem ser mais firmes com a Rússia?
Com todos os que violem a lei internacional. Não é um problema com o país, é com o modo como é liderado. Costumamos dizer que temos uma longa história com a Rússia, de cooperação e guerras...
Sobretudo de guerras...
Provavelmente, mesmo se nos mil anos de história da nossa nação houve períodos sem guerras. Mas o nosso problema não é com os russos, o povo, mas com o sistema de poder, que se afasta de quaisquer regras democráticas.
Não está entusiasmado com a possibilidade de cooperação entre a NATO e a Rússia para combater o jihadismo pois não? Porque o Estado Islâmico não é um grande problema para a Polónia?
Neste momento, o Estado Islâmico não é um grande problema para a Polónia. Mas isso levanta a questão da solidariedade: porque tropas polacas tiveram de ir para o Iraque? A racionalidade disto é que no início se pensava que Saddam tinha armas nucleares e tinha de ser travado. E apoiámos os Estados Unidos nessa missão. Agora sabemos que foi mal planeada e pobremente executada. Fizemos parte de outra missão pós-ataques terroristas de 2001 à América, com uns milhares de soldados polacos no Afeganistão...
Exigem reciprocidade, é isso?
Sim. Estamos prontos para mostrar solidariedade quando os aliados pedem. Mas queremos reciprocidade. Não queremos soldados ocidentais a combater. Queremos que sejam organizados procedimentos que nos mostrem que seremos defendidos se alguém, quem quer que seja, violar a lei internacional.
Para a Polónia isso significa o quê?
Um plano de contingência mais convicto no quartel-general da NATO. Até recentemente havia um vazio nesse campo. Esperamos também que soldados da NATO treinem em território polaco, pois isso mostrará à Rússia que somos um parceiro importante da NATO. Sabe, em 2004, quando a Polónia se juntou à UE, a Rússia decidiu testar-nos. Exportámos muita comida para lá e decidiram que alguma dela não cumpria requisitos de qualidade. O que na realidade queriam ver era se a UE tratava os novos membros de forma diferente. Por sorte, Barroso, que estava à frente da comissão em Bruxelas, percebeu isso e respondeu que se a Rússia tinha problemas com a Polónia tinha problemas com a União Europeia como um todo.
Exige à NATO a mesma atitude?
Sim.
O novo governo tem sido chamado de eurocético, até de extrema-direita. Prejudica a imagem do país?
Sabe há quanto tempo este novo governo está em funções? Há menos de duas semanas. Como é possível ser julgado? É preconceito. E quando se diz extrema-direita o significado muda de país para país. Vamos então analisar a ideologia ponto por ponto e ver se é mesmo extrema--direita. Por exemplo, o governo do partido Direito e Justiça (PiS) tem uma forte política social, de proteção das famílias pobres. Tem um programa para promover jovens talentosos para lá das barreiras sociais. Isso é extrema-direita? As velhas divisões entre esquerda e direita às vezes não se aplicam.
Esta reação tem que ver com a experiência de há uma década com Jaroslaw, o gémeo Kaczynski sobrevivente, que volta a controlar o governo de Varsóvia mesmo não sendo primeiro-ministro?
Esse governo foi mal interpretado. Imaginemos que a Espanha é um Agamemnon e Portugal um pequeno aliado. E um dia vira-se para Espanha e diz saber que são parceiros mas que quer uma relação entre iguais, não de mestre e escravo.
É uma analogia com a Alemanha?
Sim. Estamos felizes por ter fortes relações com a Alemanha. Aprendemos muito. Eles são bons em tecnologia, a organizar. E a nossa economia beneficia desses fortes laços. Mas nós somos um grande mercado para os produtos do Ocidente, 38 milhões de pessoas. E queremos que a relação seja mesmo de parceria. E se de repente um governo polaco diz que vai rever as diretivas que recebe de Bruxelas ou de Berlim há logo quem não goste.
Passados dez anos, vai ser diferente? Aprenderam com a experiência ou a situação é que mudou?
Esse é o ponto. O PiS aprendeu algumas lições. E o cenário é diferente. Toda a gente pode ver que a segurança se tornou o grande tema.
Para quem conhece a história polaca, é evidente que sempre sofreu por estar entre a Alemanha e a Rússia. Essa memória afeta a forma como o país faz política? A Polónia precisa de ser poderosa?
Alguns historiadores dizem que a Polónia ou é um grande país ou não é nada. Por isso investimos tanto na modernização das forças armadas, esforçamo-nos tanto para ter laços estreitos com os países bálticos, que estão numa posição semelhante perante a Rússia, por isso fortalecemos o grupo de Visegrád. Por isso queremos melhores canais de comunicação com vários países da NATO.
Com destaque para os Estados Unidos, obviamente...
Com certeza. Porque receamos que algumas tendências na União Europeia, e olhando para a forma como a crise grega foi gerida, na hora H, na situação de stress, não teste de stress, mas na situação, a velha fórmula de Kissinger - não se saber a quem ligar quando se quer falar com a Europa - ainda se aplique. As negociações sobre a Ucrânia mostraram não ser as instituições europeia mas sim Merkel e Hollande a falar com Putin. É compreensível, mas mostra as debilidades das instituições sediadas em Bruxelas.
Têm um polaco como presidente do Conselho Europeu, Tusk, e no próximo ano Varsóvia vai receber a cimeira da NATO. Que influência tem a Polónia para mudar tanto a União Europeia como a NATO?
Primeiro que tudo, pensamos que Putin não é um problema da Polónia. É um problema para todo o projeto europeu. Este espaço de liberdade, de liberdade de viajar, de comerciar, de mover capitais, em que investigadores de tantos países podem estudar as complexidades da política, é hostil à atual cultura do Estado russo. Putin, e provavelmente qualquer futuro líder russo, gostaria de ver a UE dividir-se em várias regiões. Do ponto de vista histórico, Putin é uma espécie de teste de stress a todo o projeto europeu.
Há quem faça piadas com o novo "pacto de Varsóvia" que vai nascer da cimeira da NATO em 2016. É só uma piada, a relembrar a Guerra Fria, ou algo novo pode mesmo acontecer na Aliança Atlântica?
Gostaria que algo surpreendente acontecesse que nos desse um sinal de que existe uma zona do mundo livre no Atlântico e que esse mundo livre consegue mostrar a sua vitalidade. Ficaria feliz se um dia a UE fosse tão forte que mesmo sem o guarda-chuva nuclear americano fosse capaz de se defender sozinha.

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