Paul Krugman - NYT
O Dia de Ação de Graças, como o conhecemos, não data da época colonial, mas da Guerra Civil, quando Abraham Lincoln o transformou em feriado nacional. Em outras palavras, é a celebração da união nacional. E nossa união nacional é realmente algo que devemos agradecer.
Para entender por quê, considere o desastre em câmera lenta que domina o projeto europeu em diversas frentes. Para os que não são familiarizados com a expressão, o "projeto europeu" tem um significado muito específico. Refere-se ao esforço em longo prazo para promover uma Europa próspera e pacífica, por meio de uma integração econômica e social cada vez mais estreita, um esforço que começou há mais de 60 anos com a formação da Comunidade do Carvão e do Aço.
O esforço continuou
com a criação do Mercado Comum, em 1959; a expansão desse mercado para
incluir países recém-democratizados no sul da Europa; o Ato Único
Europeu, que garante o livre movimento de pessoas e de produtos; a
extensão da União Europeia aos antigos países comunistas; o Tratado de
Schengen, que aboliu muitos controles de fronteira no continente; e, é
claro, a criação de uma moeda comum europeia.
Uma maneira de pensar em todas essas medidas é que foram tentativas de dar à Europa muitos dos atributos de um único país, sem uma união política formal --pelo menos não ainda. A esperança mais ou menos explícita de muitos membros da elite europeia era que a integração técnica e econômica gradualmente promovesse uma unificação psicológica, e eventualmente abrisse caminho para os Estados Unidos da Europa.
E durante muito tempo o projeto funcionou bem, enquanto a Europa se tornava cada vez mais próspera, pacífica e livre. Mas como o processo enfrentaria os reveses? Afinal, o projeto europeu estava criando uma interdependência crescente sem criar as instituições ou, apesar das esperanças das elites, o sentido de legitimidade política que seria necessário para administrar essa interdependência se as coisas dessem errado.
O que me leva aos desastres.
À primeira vista, a crise financeira, a crise dos refugiados e os atentados terroristas talvez pareçam não ter nada em comum. Mas em cada caso a capacidade da Europa de se proteger revelou-se minada por sua união imperfeita.
Sobre a crise financeira: há um consenso generalizado entre os economistas (embora não entre os políticos, infelizmente) de que os problemas da Europa foram causados principalmente por mudanças de ânimo entre investidores privados, que despejaram dinheiro insensatamente no sul da Europa depois da criação do euro e inverteram o curso abruptamente uma década depois.
Mas algo semelhante ocorreu nos EUA, também, onde o dinheiro abasteceu primeiro os empréstimos de hipotecas nos "Estados de areia" --Flórida, Arizona, Nevada, Califórnia-- e depois levantou voo. Nos EUA, porém, a dor dessa reversão foi limitada pelas instituições federais, desde a seguridade social aos seguros de depósitos.
Na Europa, infelizmente, o custo da ajuda aos bancos e muito mais recaiu sobre os governos nacionais, de modo que os excessos do setor privado logo extravasaram para uma crise fiscal.
Sobre os refugiados: a política de imigração em geral, e os refugiados em particular, são incômodos em todo lugar --basta escutar Donald Trump ou Ted Cruz. Mas a Europa também está tentando manter abertas as fronteiras internas enquanto deixa a administração das externas aos governos nacionais, como o da Grécia empobrecida e assolada pela austeridade. Não admira, portanto, que os controles de fronteira estejam retornando.
E sobre o terrorismo: nenhuma sociedade livre pode ser perfeitamente segura contra ataques. Mas pense em como fica muito mais difícil quando o antiterrorismo é deixado principalmente aos governos nacionais, cuja capacidade de policiamento é muito variável. Imagine como os nova-iorquinos se sentiriam se a paralisia política em Nova Jersey estivesse atrapalhando qualquer política efetiva contraterrorista de lá, e você terá uma boa ideia dos problemas que a Bélgica criou para a França.
Idealmente, a Europa reagiria a esses reveses reforçando sua união, criando mais das instituições necessárias para administrar a interdependência. Mas a vontade política para esse tipo de medida parece ausente, mesmo para os passos mais óbvios. Por exemplo, na terça-feira (24), a Comissão Europeia propôs a implementação gradual de um sistema europeu de seguro de depósitos, que é o mínimo necessário para manter os bancos estáveis em uma união monetária. Mas o plano enfrenta uma oposição furiosa na Alemanha, que o considera um presente para seus vizinhos gastadores.
A alternativa é dar um passo atrás, o que já está acontecendo no controle de fronteiras. Os líderes europeus estão adequadamente preocupados que cada medida dessas prejudique todo o projeto europeu. Mas qual é a alternativa realista? A verdade é que não sei a resposta. Apenas sou grato porque os EUA têm o tipo de união com que a Europa só pode sonhar --pelo menos por enquanto. Acho que veremos o que restará quando o presidente Trump cuidar dela.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Uma maneira de pensar em todas essas medidas é que foram tentativas de dar à Europa muitos dos atributos de um único país, sem uma união política formal --pelo menos não ainda. A esperança mais ou menos explícita de muitos membros da elite europeia era que a integração técnica e econômica gradualmente promovesse uma unificação psicológica, e eventualmente abrisse caminho para os Estados Unidos da Europa.
E durante muito tempo o projeto funcionou bem, enquanto a Europa se tornava cada vez mais próspera, pacífica e livre. Mas como o processo enfrentaria os reveses? Afinal, o projeto europeu estava criando uma interdependência crescente sem criar as instituições ou, apesar das esperanças das elites, o sentido de legitimidade política que seria necessário para administrar essa interdependência se as coisas dessem errado.
O que me leva aos desastres.
À primeira vista, a crise financeira, a crise dos refugiados e os atentados terroristas talvez pareçam não ter nada em comum. Mas em cada caso a capacidade da Europa de se proteger revelou-se minada por sua união imperfeita.
Sobre a crise financeira: há um consenso generalizado entre os economistas (embora não entre os políticos, infelizmente) de que os problemas da Europa foram causados principalmente por mudanças de ânimo entre investidores privados, que despejaram dinheiro insensatamente no sul da Europa depois da criação do euro e inverteram o curso abruptamente uma década depois.
Mas algo semelhante ocorreu nos EUA, também, onde o dinheiro abasteceu primeiro os empréstimos de hipotecas nos "Estados de areia" --Flórida, Arizona, Nevada, Califórnia-- e depois levantou voo. Nos EUA, porém, a dor dessa reversão foi limitada pelas instituições federais, desde a seguridade social aos seguros de depósitos.
Na Europa, infelizmente, o custo da ajuda aos bancos e muito mais recaiu sobre os governos nacionais, de modo que os excessos do setor privado logo extravasaram para uma crise fiscal.
Sobre os refugiados: a política de imigração em geral, e os refugiados em particular, são incômodos em todo lugar --basta escutar Donald Trump ou Ted Cruz. Mas a Europa também está tentando manter abertas as fronteiras internas enquanto deixa a administração das externas aos governos nacionais, como o da Grécia empobrecida e assolada pela austeridade. Não admira, portanto, que os controles de fronteira estejam retornando.
E sobre o terrorismo: nenhuma sociedade livre pode ser perfeitamente segura contra ataques. Mas pense em como fica muito mais difícil quando o antiterrorismo é deixado principalmente aos governos nacionais, cuja capacidade de policiamento é muito variável. Imagine como os nova-iorquinos se sentiriam se a paralisia política em Nova Jersey estivesse atrapalhando qualquer política efetiva contraterrorista de lá, e você terá uma boa ideia dos problemas que a Bélgica criou para a França.
Idealmente, a Europa reagiria a esses reveses reforçando sua união, criando mais das instituições necessárias para administrar a interdependência. Mas a vontade política para esse tipo de medida parece ausente, mesmo para os passos mais óbvios. Por exemplo, na terça-feira (24), a Comissão Europeia propôs a implementação gradual de um sistema europeu de seguro de depósitos, que é o mínimo necessário para manter os bancos estáveis em uma união monetária. Mas o plano enfrenta uma oposição furiosa na Alemanha, que o considera um presente para seus vizinhos gastadores.
A alternativa é dar um passo atrás, o que já está acontecendo no controle de fronteiras. Os líderes europeus estão adequadamente preocupados que cada medida dessas prejudique todo o projeto europeu. Mas qual é a alternativa realista? A verdade é que não sei a resposta. Apenas sou grato porque os EUA têm o tipo de união com que a Europa só pode sonhar --pelo menos por enquanto. Acho que veremos o que restará quando o presidente Trump cuidar dela.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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