domingo, 3 de janeiro de 2016

De volta à casa: há mais mexicanos partindo dos EUA do que chegando
Jorge Ramos - NYT
Julio Cortez/AP
Avião decola de aeroporto na Flórida (EUA) 
Avião decola de aeroporto na Flórida (EUA)
Estamos lotados. É quase meia-noite e há mais aviões chegando ao aeroporto da Cidade do México do que portas para recebê-los. Esperamos meia hora em um avião que não se mexe, mais meia hora em um caminhãozinho que não vai a lugar nenhum e mais uma hora fazendo fila e passando pela imigração e a alfândega. Aperto um botão. Verde. Ouço: "Siga". Faz frio e é de madrugada, mas não importa. Cheguei.
Mais que em outros anos, tinha necessidade de voltar ao México, mesmo que fosse por pouco tempo. Para ver minha mãe, meus irmãos e a cidade que deixei há quase 33 anos.
A nostalgia começa pela boca: me encho de tacos al pastor, de ovos à mexicana, de caldo de camarão, de Churrumais, de bolachas Maria com manteiga La Abuelita, de leite frio com Chocomilk --o do Pancho Pantera. Era meu cardápio quando menino. Hoje é a comida reconfortante de quem retorna (mesmo que a barriga doa).
Esses odores e sabores me devolvem a um México que já não existe, mas que trago marcado como sulcos em minha memória. Proust à mexicana. As conversas são salpicadas de onde andam fulano e sicrano, ou de quem mora hoje em "nossa casa". Sim, nossa casa.
Um de meus irmãos mostra uma foto em seu celular. Agora nossa casa está pintada de amarelo e alguém mandou cortar a árvore da entrada. Nossa casa é, desde já, onde eu cresci durante quase duas décadas --no Bosque de Echegaray, no Estado do México-- e que duas décadas atrás meus pais venderam.
Mas essa é a casa que minha alma --seja o que for isso-- reconhece como própria, não as outras 20 casas e apartamentos em que morei nos EUA.
Quem pode retorna à sua casa (onde quer que esteja, pelo menos uma vez por ano). De preferência no Natal e no Ano Novo.
Desta vez, possivelmente, muitos regressarão com mais alegria que antes porque Donald Trump, que está se candidatando para a nomeação republicana a presidente, quer tornar impossível a vida dos imigrantes nos EUA. Sua mensagem de ódio se espalhou nas pesquisas, nas redes sociais e nas bocas amargas que agora se sentem livres para insultar, igual ao topetudo.
Eu vou e venho. Minha vida --essa trama composta por filhos, trabalho, sonhos, investimentos e amores-- está bem ancorada em Miami. Miami --uma generosa e cambiante cidade povoada em grande medida por gente que não nasceu lá-- é meu segundo lar. Os hispânicos em Miami, diz um bom amigo, são tratados como cidadãos de primeira. É verdade. Ninguém se sente estrangeiro em "Mayami".
Mas muitos mexicanos já se cansaram. Cansaram-se em Chicago e em Houston, em Los Angeles e em "Puebla York" de batalhar durante anos e continuar igualmente distantes do sonho americano --essa mistura de casa bonita, trabalho decente, boa escola para as crianças e a promessa de que amanhã as coisas vão melhorar. E por isso estão retornando ao México para não mais voltar.
Pela primeira vez desde a selvagem operação "Wetback" em 1954, há mais mexicanos partindo dos EUA do que chegando. De 2009 a 2014, 1 milhão de mexicanos voltaram ao México, segundo o Centro Pew, e só 870 mil vieram para os EUA. Quer dizer, hoje há 130 mil mexicanos a menos nos EUA.
Trump está muito enganado. Não há uma invasão mexicana nos EUA. Mas Trump, como todos sabem, usa o medo para ganhar votos.
Apesar da narcoviolência no México, da corrupção oficial e de um presidente que continua escondido, muitos imigrantes estão retornando ao México. Por quê? Pela falta de oportunidades econômicas nos EUA, pelo crescente clima anti-imigrantes e pelas deportações. E também porque no México não há nem Trump nem terrorismo.
Subo em outro avião e, mais uma vez, sinto-me dividido. Deixo alguns no México, mas outros me esperam em Miami. E percebo que, no fundo, sou de muitas casas e de muitos lugares. É o que nos cabe aos imigrantes. De repente me lembro de Isabel Allende e me tranquilizo. Não é preciso escolher entre um país e outro, disse-me ela, você pode ser dos dois.
Fecho os olhos e tento fazer as pazes comigo mesmo enquanto o avião, suave mas inevitavelmente, se levanta.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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