Êxodo recorde de médicos cubanos para os EUA irrita governo Castro
Cuba vem denunciando o programa americano que incentiva imigração de profissionais de saúde
Victoria Burnett / Frances Robles - NYT
O médico José Ángel Sanchez, que se mudou para o país em setembro, e trabalha como assistente: “Sempre quis sair de Cuba”
- The New York Times / BRYAN ANSELM
Quando chegou à idade certa, em Cuba, José Angel Sánchez se inscreveu
na faculdade de Medicina pelas razões mais comuns: para ajudar os
doentes e viver melhor do que a maioria dos habitantes de sua pobre
cidade no Leste. Mas também tinha outro motivo em mente.
— Era uma maneira de sair de Cuba — explica Sánchez, de 29 anos, que
se mudou para os EUA em setembro, quatro anos depois de se formar.
A rota de fuga de Sánchez foi desenhada pelo governo americano, sob
um programa de 2006 que oferece residência nos EUA a trabalhadores de
saúde cubanos no exterior. É uma porta pela qual milhares de
profissionais emigraram e que o presidente Raúl Castro está determinado a
fechar.
Qualificações não reconhecidas
Um ano depois
que os países anunciaram seu reatamento, leis como essa, que lembram uma
era hostil, mostram que a diplomacia não será tão fácil quanto hastear
as bandeiras nas embaixadas. O número de médicos que pediram asilo nos
EUA atingiu o recorde, forçando Cuba a se mexer para acabar com o êxodo.
O Departamento de Segurança Interna autoriza rapidamente a residência
para os profissionais de saúde cubanos que fogem de seu país. Mas o
processo está cada vez mais lento devido à quantidade de inscrições, às
acusações de fraude e à lentidão, que deixaram centenas de pessoas como
Sánchez presas por meses na Colômbia.
Em abril, 18 meses depois que assumiu um posto por dois anos na
Venezuela, Sánchez viajou para Bogotá. Lá, inscreveu-se no Cuban Medical
Professional Parole Program na embaixada americana. Mas o processo, que
leva de quatro a seis semanas, estendeu-se por cinco meses. Hoje, ele é
assistente de medicina em Paterson, Nova Jersey.
Há poucas semanas, enquanto os dois governos discutiam regras de
imigração para os EUA, Cuba denunciou o programa que dá a seus cidadãos
oportunidades especiais para entrar no país e tornar-se residentes. Com
tantos cubanos preocupados com a possibilidade de que o cobiçado status
possa ficar mais difícil, agora que as relações diplomáticas entre os
dois países foram restabelecidas, houve uma onda de profissionais saindo
da ilha durante o ano.
A questão é uma lembrança poderosa, dizem os analistas, das
diferenças que continuam a dividir os dois governos, apesar da
reaproximação. Robert Muse, advogado de Washington que se especializou
em leis americano-cubanas, chama o programa para trabalhadores de saúde
de “charuto explosivo deixado pelo governo Bush”, que Obama deveria
eliminar:
— Nenhum país vai achar bom que outro estimule a deserção de seus
cidadãos. Os EUA não estavam agindo com o espírito das relações
normalizadas.
O sistema de saúde cubano é uma fonte de grande prestígio
internacional para o governo, que provê treinamento gratuito para
milhares de cubanos e estudantes estrangeiros pobres. A diplomacia
médica também é uma fonte de lucro indispensável: Cuba aluga os serviços
de dezenas de milhares de médicos, enfermeiras e dentistas para países
em desenvolvimento em troca de bilhões de dólares em petróleo e dinheiro
vivo. Esses prêmios, no entanto, são ganhos nas costas dos
profissionais que trabalham por pouco dinheiro em condições difíceis.
O cirurgião ortopedista Lino Alberto Neira, que trabalhou em Cuba por
23 anos antes de partir para Miami em 2013, conta que o salário mensal
de US$25 em seu país mal durava quatro dias. Ele sobrevivia de gorjetas
dos pacientes que trabalhavam com turismo.
— Uma pessoa que limpa o chão em um hotel está sustentando você. É muito humilhante — afirma.
Cuba mais do que dobrou os salários de alguns médicos no ano passado,
para US$ 70 por mês. Mas, com pagamentos tão baixos em sua terra natal,
muitos aceitam assumir um posto em outro lugar para ganhar mais. Ainda
assim, recebem apenas uma parte do que o país que os acolhe paga ao
governo cubano por seu trabalho.
Mara Martínez, dentista e noiva de Sánchez, diz que era leal à
Revolução Cubana, mas se desiludiu quando chegou à Venezuela e descobriu
que teria que trabalhar seis dias por semana e dormir em um quarto com
mais duas pessoas por um salário de US$ 210 por mês. A Venezuela,
segundo seus supervisores, estava pagando US$ 7 mil por mês por seus
serviços.
— É uma escravidão dos dias de hoje — diz Mara, de 25 anos, que deixou a Venezuela com Sánchez.
Mais de sete mil cubanos tiveram seus pedidos de residência aprovados
desde que o programa começou há quase uma década. De acordo com as
estatísticas da Segurança Interna, 1.662 médicos foram aceitos para
entrar nos EUA em 2015, um aumento de 32% em relação ao ano anterior.
Autoridades cubanas vêm atacando o programa de indulto para os
profissionais de saúde como uma “prática condenável”, destinada a
“roubar” talentos. Um funcionário do Departamento de Estado diz que os
EUA “não recrutam médicos cubanos”, apenas dão a eles o caminho para
conseguir residência.
Profissionais de saúde de qualquer país nos EUA frequentemente
descobrem que suas credenciais são inadequadas e que os empregos
disponíveis pagam pouco. Em Miami, Neira cuida de um idoso e estuda
enfermagem, já que suas qualificações não são reconhecidas. Em Paterson,
Sánchez, que ganha US$ 15 por hora, planeja o mesmo. Mas primeiro,
Mara, sua noiva, tentará a licença de dentista. Ele gostaria de ir para
Miami, onde há sol o ano todo e grande população de cubanos.
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