domingo, 3 de janeiro de 2016

Êxodo recorde de médicos cubanos para os EUA irrita governo Castro
Cuba vem denunciando o programa americano que incentiva imigração de profissionais de saúde
Victoria Burnett / Frances Robles - NYT
O médico José Ángel Sanchez, que se mudou para o país em setembro, e trabalha como assistente: “Sempre quis sair de Cuba” - The New York Times / BRYAN ANSELM
Quando chegou à idade certa, em Cuba, José Angel Sánchez se inscreveu na faculdade de Medicina pelas razões mais comuns: para ajudar os doentes e viver melhor do que a maioria dos habitantes de sua pobre cidade no Leste. Mas também tinha outro motivo em mente.
— Era uma maneira de sair de Cuba — explica Sánchez, de 29 anos, que se mudou para os EUA em setembro, quatro anos depois de se formar.
A rota de fuga de Sánchez foi desenhada pelo governo americano, sob um programa de 2006 que oferece residência nos EUA a trabalhadores de saúde cubanos no exterior. É uma porta pela qual milhares de profissionais emigraram e que o presidente Raúl Castro está determinado a fechar.
Qualificações não reconhecidas
Um ano depois que os países anunciaram seu reatamento, leis como essa, que lembram uma era hostil, mostram que a diplomacia não será tão fácil quanto hastear as bandeiras nas embaixadas. O número de médicos que pediram asilo nos EUA atingiu o recorde, forçando Cuba a se mexer para acabar com o êxodo.
O Departamento de Segurança Interna autoriza rapidamente a residência para os profissionais de saúde cubanos que fogem de seu país. Mas o processo está cada vez mais lento devido à quantidade de inscrições, às acusações de fraude e à lentidão, que deixaram centenas de pessoas como Sánchez presas por meses na Colômbia.
Em abril, 18 meses depois que assumiu um posto por dois anos na Venezuela, Sánchez viajou para Bogotá. Lá, inscreveu-se no Cuban Medical Professional Parole Program na embaixada americana. Mas o processo, que leva de quatro a seis semanas, estendeu-se por cinco meses. Hoje, ele é assistente de medicina em Paterson, Nova Jersey.
Há poucas semanas, enquanto os dois governos discutiam regras de imigração para os EUA, Cuba denunciou o programa que dá a seus cidadãos oportunidades especiais para entrar no país e tornar-se residentes. Com tantos cubanos preocupados com a possibilidade de que o cobiçado status possa ficar mais difícil, agora que as relações diplomáticas entre os dois países foram restabelecidas, houve uma onda de profissionais saindo da ilha durante o ano.
A questão é uma lembrança poderosa, dizem os analistas, das diferenças que continuam a dividir os dois governos, apesar da reaproximação. Robert Muse, advogado de Washington que se especializou em leis americano-cubanas, chama o programa para trabalhadores de saúde de “charuto explosivo deixado pelo governo Bush”, que Obama deveria eliminar:
— Nenhum país vai achar bom que outro estimule a deserção de seus cidadãos. Os EUA não estavam agindo com o espírito das relações normalizadas.
O sistema de saúde cubano é uma fonte de grande prestígio internacional para o governo, que provê treinamento gratuito para milhares de cubanos e estudantes estrangeiros pobres. A diplomacia médica também é uma fonte de lucro indispensável: Cuba aluga os serviços de dezenas de milhares de médicos, enfermeiras e dentistas para países em desenvolvimento em troca de bilhões de dólares em petróleo e dinheiro vivo. Esses prêmios, no entanto, são ganhos nas costas dos profissionais que trabalham por pouco dinheiro em condições difíceis.
O cirurgião ortopedista Lino Alberto Neira, que trabalhou em Cuba por 23 anos antes de partir para Miami em 2013, conta que o salário mensal de US$25 em seu país mal durava quatro dias. Ele sobrevivia de gorjetas dos pacientes que trabalhavam com turismo.
— Uma pessoa que limpa o chão em um hotel está sustentando você. É muito humilhante — afirma.
Cuba mais do que dobrou os salários de alguns médicos no ano passado, para US$ 70 por mês. Mas, com pagamentos tão baixos em sua terra natal, muitos aceitam assumir um posto em outro lugar para ganhar mais. Ainda assim, recebem apenas uma parte do que o país que os acolhe paga ao governo cubano por seu trabalho.
Mara Martínez, dentista e noiva de Sánchez, diz que era leal à Revolução Cubana, mas se desiludiu quando chegou à Venezuela e descobriu que teria que trabalhar seis dias por semana e dormir em um quarto com mais duas pessoas por um salário de US$ 210 por mês. A Venezuela, segundo seus supervisores, estava pagando US$ 7 mil por mês por seus serviços.
— É uma escravidão dos dias de hoje — diz Mara, de 25 anos, que deixou a Venezuela com Sánchez.
Mais de sete mil cubanos tiveram seus pedidos de residência aprovados desde que o programa começou há quase uma década. De acordo com as estatísticas da Segurança Interna, 1.662 médicos foram aceitos para entrar nos EUA em 2015, um aumento de 32% em relação ao ano anterior. Autoridades cubanas vêm atacando o programa de indulto para os profissionais de saúde como uma “prática condenável”, destinada a “roubar” talentos. Um funcionário do Departamento de Estado diz que os EUA “não recrutam médicos cubanos”, apenas dão a eles o caminho para conseguir residência.
Profissionais de saúde de qualquer país nos EUA frequentemente descobrem que suas credenciais são inadequadas e que os empregos disponíveis pagam pouco. Em Miami, Neira cuida de um idoso e estuda enfermagem, já que suas qualificações não são reconhecidas. Em Paterson, Sánchez, que ganha US$ 15 por hora, planeja o mesmo. Mas primeiro, Mara, sua noiva, tentará a licença de dentista. Ele gostaria de ir para Miami, onde há sol o ano todo e grande população de cubanos.

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