O acordo. Qual acordo?
Bernardo Pires de Lima - DN
O
acordo assinado por membros dos dois parlamentos líbios rivais no
passado dia 17 em Marrocos é, em tese, um passo importante para encerrar
as hostilidades após a queda de Kadhafi. O compromisso para formar um
governo de unidade nacional, realizar eleições em dois anos e recolocar a
sede do executivo e do Parlamento nacionais em Tripoli são pontos
difíceis de alcançar no plano dos princípios, mas todos eles constam do
acordo. A chegada do ISIS a Sirte, a fadiga da guerra civil e a falta de
legitimidade do governo islamita de Tripoli, com ligações à Irmandade
Muçulmana, fizeram que o momento surgisse. A principal dúvida é se não
passará disso mesmo, um intervalo esperançoso sem continuidade no tempo.
A primeira questão está no facto de o acordo só ter sido assinado,
digamos, pelos deputados moderados dos parlamentos de Tripoli (ilegítimo
e islamita) e de Tobruk (reconhecido internacionalmente e de retaguarda
militar), cerca de um terço do total. É muito pouco. Além disso, tribos
e conselhos locais não aderiam, o que limita ainda mais o seu alcance
nacional. Ou seja, em rigor este não é um acordo nem de unidade nem
nacional, apenas minimalista num quadro de fragmentação e total
insegurança territorial. A segunda questão encaixa aqui. Não estão
garantidos mínimos de segurança ao deixar fora do compromisso fações
políticas radicais e tribos que facilmente podem convergir numa mesma
luta para rapidamente incendiar o acordo. A par disto, não há unidade
nas forças armadas para sequer pensar numa investida anti-ISIS ou
confiscar o tráfico de armas que alimenta a guerrilha no país. Por fim, o
obreiro do acordo, Bernardino León, está hoje à frente da academia
diplomática dos Emirados, um dos patrocinadores do governo de Tobruk. A
insensatez do gesto pode deitar tudo a perder. Se é que alguma coisa
alguma vez poderia ser ganha.
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