Um modelo sem sentido na Amazônia
As maiores empresas são as que usam
tecnologia, informação, inteligência, comunicação, serviços. Será que
nosso plano estratégico a longo prazo será anacrônico?
Leonal Kaz - O Globo
Um homem e um país podem cometer suicídio? Podem. No
mesmo dia do suicídio de Vargas, 24 de agosto, o Diário Oficial da
União publicou decreto do Executivo extinguindo, na Amazônia, a Reserva
Nacional do Cobre e Associados (Renca), criada em 1984 pelo presidente
Figueiredo. A área de 47 mil quilômetros quadrados tem o tamanho do
Espírito Santo ou mais de duas vezes o tamanho de Israel.
A primeira pergunta que se impõe é: pode uma canetada tudo
exinguir? Não deveria, previamente, ter ocorrido a oitiva de órgãos
ambientais? Amanhã haverá outro decreto extinguindo a estátua do Cristo
Redentor ou a Catedral de Brasília? A lógica não deixa de ser a mesma,
embora este decreto tenha sua origem na Lei 12.278, de 2012, do governo
Dilma, que “dispõe sobre alterações nos limites dos parques nacionais da
Amazônia (…) e dá outras providências”.
Noves fora o abrupto do decreto, cabe perguntar: é este o
modelo econômico e social de país que ainda se pretende? Aquele mesmo do
extrativismo do tempo das capitanias hereditárias e do Ciclo do Ouro,
aí pelos idos do século XVIII?
Na década de 1950, aprendia-se na escola primária que os
animais eram divididos em úteis e nocivos, segundo a ótica vigente da
exploração econômica predatória. Eram tempos da era JK, que tinha como
sua máxima “o progresso a qualquer preço”. Lembro-me sempre do símbolo
de seu governo: a cena do presidente derrubando com um trator a maior
seringueira da estrada Belém-Brasília, que então se construía; em
seguida, JK caminhava sobre o imenso tronco que jazia sobre a terra.
Como o Brasil é um país fundado todo dia de novo pela manhã,
não é surpresa encontrar no Diário Oficial um decreto que preserva e,
dia seguinte, outro que o extingue. Em 1980, houve no bairro do Jardim
Botânico uma luta pela preservação da figueira da Rua Faro, que tinha
mais de 350 anos. O presidente do então Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (atual Ibama) a preservou por sua “magnitude,
porte e rara beleza”. Foi demitido; o que veio a seguir extinguiu a
portaria. A árvore ainda está lá, graças à ação pública ajuizada que fez
o procurador Samuel Buzaglo restaurar a portaria original com sua tese
de que “a manutenção da figueira envolve um interesse geral e assim é
óbvio que há de prevalecer sobre o interesse individual”.
Agora, dá-se o mesmo. O recente episódio da destruição do
Rio Doce já deveria bastar como sinal vermelho de que homens, bichos,
plantas, territórios (enfim, o que constitui um país) podem ser
dizimados pela lógica voraz do interesse individual. Mas a grande
pergunta é esta mesma: pode o Brasil se dar ao luxo de correr o risco de
dizimar uma área desta importância para a botânica, a pesquisa
farmacêutica, a indústria do turismo e outras explorações não
predatórias, em troca de algum minério que enriquecerá precariamente os
cofres do Tesouro Nacional?
Sim, poderia até fazer algum sentido tal lógica nos anos
1950, quando as indústrias extrativas de minérios, a começar pelas
petrolíferas, eram as maiores do mundo. Hoje, tudo isto está sumindo. As
maiores empresas são as que usam tecnologia, informação, inteligência,
comunicação, serviços. Será que nosso plano estratégico de
desenvolvimento a longo prazo será este mesmo: anacrônico? Será que não
há meio de construir um país que não seja sobre coisas destroçadas?
Homens destroçados? Florestas destroçadas?
Como me disse uma amiga: “É como o maluco que mata a mãe
para, com o dinheirinho da herança, sair por aí comprando bolsa Chanel.”
A Amazônia é nossa mãe, nosso seio fértil, o que nos alimenta de
oxigênio e vida. Estamos nos suicidando em nossa História.
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