Por quem Gilmar Mendes se dobra?
Conrado Hübner Mendes - FSP
Gilmar Mendes mandou soltar o empresário Jacob Barata Filho, investigado
por suspeita de corrupção no Rio. O juiz federal Marcelo Bretas expediu
novo mandado de prisão preventiva. Gilmar Mendes mandou soltar de novo,
em menos de 24 horas.
Nesse insólito jogo de "solta, prende e solta", Gilmar Mendes deu um
recado de xerife: "em geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro
que abana o rabo".
O Código de Processo Penal diz que "o juiz dar-se-á por suspeito se for
amigo íntimo" de uma parte. A regra da suspeição tenta evitar que
relações pessoais façam parecer que a imparcialidade está comprometida.
Repare na sutileza: a regra não está preocupada com a capacidade de o
juiz julgar um amigo ou parente de modo imparcial, mas com a imagem
suspeita que isso passa ao público. É regra de autoproteção
institucional, de manutenção da credibilidade. É dessa moeda que vive a
autoridade do Judiciário. É essa moeda que Gilmar Mendes despreza.
O caso é exemplar. A mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal foi
madrinha de casamento da filha de Barata. O advogado de Barata é também
advogado de Gilmar. No escritório desse advogado trabalha a mulher de
Gilmar. Barata é sócio do cunhado de Gilmar. O telefone da esposa de
Gilmar está na na agenda do celular de Barata.
Para negar sua suspeição, Gilmar respondeu com pitada de humor
surrealista: "o casamento [da filha de barata] não durou nem seis
meses".
O episódio sintetiza livros de sociologia brasileira: os nexos de
compadrio e parentesco na reprodução de elites predatórias, as trocas
patrimonialistas de favor em prejuízo do interesse público, a cínica
retórica legalista ao lado de seguidos abusos de poder. Está tudo ali,
num único caso.
A biografia judicial de Gilmar Mendes esgota os atributos do que um juiz
não pode fazer, um guia passo a passo da improbidade judicial.
Um ministro do Supremo nunca foi alvo de tantos pedidos de impeachment:
de Fábio Konder Comparato a Alexandre Frota, um sem número de pessoas já
assinou pleitos formais ao Senado. Já esgotamos as palavras, os
argumentos, os apelos. Gilmar Mendes esgotou nossa capacidade de nos
surpreender.
A omissão do STF causa danos incalculáveis ao país. A corte se acua,
enquanto Gilmar Mendes sapateia à margem da lei. Trata-o com a
deferência e o respeito que ele perdeu até por si mesmo. Sequestrado, o
tribunal contraiu Síndrome de Estocolmo (estado psicológico em que o
agredido adquire afeto pelo agressor).
Os gritos e sussurros de Gilmar dependem do freguês: aos inimigos, o
ataque histriônico (Rodrigo Janot e Ricardo Lewandowski foram os alvos
recentes); aos amigos, um "abraço de solidariedade" e a certeza de que
não se declarará suspeito.
A amizade de Gilmar Mendes é ativo político e gera dividendos. Michel
Temer, Eduardo Cunha, Rodrigo Maia, Aécio Neves, José Serra, Romero Jucá
e Moreira Franco sabem disso. João Doria captou e o recebeu para
"discussão de conjuntura". Já sabemos quem se dobra por Gilmar, resta
saber por quem ele se dobra.
Gilmar Mendes trata a Constituição com choques elétricos. Atiça as
emoções primárias de seu público, mas a resistência da democracia
brasileira a emoções primárias está se esgotando.
Desobedecer a Gilmar Mendes tornou-se imperativo democrático, uma causa
suprapartidária. Manda quem não pode, desobedece quem tem juízo.
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