Brasil vai para a batalha do comércio exterior com a tropa dividida
Matias Spektor - FSP
A política brasileira de comércio exterior atingiu um patamar elevado de
risco. Enquanto tenta emplacar acordos com vários países, ela embarca
em difíceis contenciosos novos. O resultado terá enorme impacto
redistributivo. Essa política comercial define quais setores brasileiros
ganham ou perdem na economia global.
Diplomatas e analistas de comércio exterior –as duas carreiras de Estado
dedicadas ao assunto– possuem talento e qualificação para brigar com a
faca na boca nos cenários mais adversos. Só que a tropa, quando deveria
estar mais unida, se encontra dividida.
A disputa por espaço entre Itamaraty e Ministério da Indústria, Comércio
Exterior e Serviços (MDIC) é de longa data e independe dos ministros de
plantão, pois a cisão entre as duas burocracias é estrutural: enquanto o
Itamaraty é um instrumento a serviço da Presidência, o MDIC é uma caixa
de ressonância dos interesses do setor privado. Um ministro deriva sua
força do ouvido do Planalto; o outro, de sua capacidade de arbitrar
grupos organizados em choque permanente.
Também há diferenças de cultura institucional. Se diplomatas possuem
formação genérica e galgam às posições de comando depois de adquirir
senioridade na carreira, os analistas de comércio exterior têm
treinamento específico, experiência pregressa no setor privado e uma
atitude pragmática em relação à hierarquia.
Em tese, bastaria ao governo dividir tarefas de acordo com a vantagem
comparativa de cada instituição: o Itamaraty tocaria os contenciosos
comerciais e o MDIC executaria o dia a dia da abertura de mercados.
Ganho de eficiência para todos.
Não é assim, entretanto, que a banda toca. Quando o setor privado
sugeriu ao governo um sistema para remover barreiras burocráticas às
exportações e aos investimentos, sonhava em ter um mecanismo único para
apontar gargalos e estabelecer prazos para superá-los. Três anos e muito
quiproquó depois, Itamaraty e MDIC montaram sistemas próprios e
separados. O contribuinte terminou pagando duas vezes por programas que,
desconexos, não cumprem a função.
A disputa continua. Quando a rodada Doha fracassou, há dez anos, o
Itamaraty trocou uma posição outrora proativa por outra, mais defensiva e
protecionista. O MDIC, contudo, apostou na estratégia oposta. Emplacou
vitórias com o Plano Nacional de Exportações, um modelo novo para
acordos de investimento e o início de negociações ambiciosas com Japão,
México, Peru e União Europeia. Para avançar, precisa da anuência do
Itamaraty, que manteve controle sobre o ritmo da política comercial.
Enquanto não acabar essa fissura em nossas próprias fileiras, o Brasil
continuará sendo o pior inimigo de si próprio. O ônus é debitado na
conta da sociedade.
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