Reinaldo Azevedo - VEJA
Ah,
que coisa bonitinha! Que coisa encantadora! De súbito, percebo uma
estridência moralista, inclusive em certa crônica política, com o fato
de o PTB ter deixado a base do governo Dilma e decidido apoiar a
candidatura de Aécio Neves, do PSDB, à Presidência. Notem que falo em
“crônica política”, não em análise. A crônica, mesmo quando boa — e não é
o caso desta de que falo, pode ser ligeira, atendo-se, digamos, a
aspectos epiteliais da realidade; um cronista pode falar, assim, dessas
“coisas de pele”, que não requerem o concurso do cérebro.
“Oh, o PTB
não está indo para o lado de Aécio por ideologia”, escreve um. “É falta
de caráter”, diz um outro. É mesmo? O PP vai apoiar a presidente Dilma.
É por ideologia? O tal PROS, que nem existe (é uma invenção do
Planalto), vai apoiar a presidente Dilma. É por ideologia? Calma! Vamos
direito ao ponto: o PMDB, oficialmente, vai apoiar a presidente Dilma. É
por ideologia? E o PR? Por pressão do partido, Dilma acaba de tirar o
ministro César Borges da pasta, deslocando-o para a Secretaria dos
Portos. Volta ao cargo Paulo Sérgio Passos. Alô, cronistas! Por que
aquela plêiade de patriotas do PR quer tanto o Ministério dos
Transportes? Para ver triunfar a sua ideologia? Foram os escândalos
nessa pasta, diga-se, que deram início àquilo a que se chamou “faxina” e
que levaram a popularidade de Dilma a mais de 70%. Bons tempos aqueles
para a soberana, né?
Deixem-me
ver, então, se entendi: quando Dilma Rousseff e o PT fazem acordo até
com o capeta, chama-se a isso de inteligência e de pragmatismo. Eu já
cansei de ler análises, a maioria delas ditada por Gilberto Carvalho,
que me adora (“Olá, ministro, lembra de mim?”), segundo a qual não
importa com quem o PT se junte; o importante é que o partido mantenha a
hegemonia da aliança. Se, no entanto, um partido da base decide apoiar o
candidato de oposição, ah, isso é, então, inaceitável! Isso é
oportunismo! Os mais furibundos chegam a dizer que se trata de falta de
caráter.
Aí,
tentando parecer profunda, não enigmática, Dilma afirma que “a esperteza
tem vida curta”. É claro que é uma alusão ao PTB e àqueles que não
estão dispostos a fazer a sua campanha. Convenha, não é, governante?
Mais “esperto” ainda é ficar com o Planalto, que tem benesses a oferecer
— como o Ministério dos Transportes, por exemplo. Os “espertos” sempre
conseguem lucrar mais negociando com quem está no poder.
O PP acaba
de bater o martelo: vai com Dilma mesmo! É por ideologia? É por excesso
de caráter que o partido herdeiro direto da Arena se junta com a
herdeira direta da VAR-Palmares? Ora, vão plantar batatas!
Houve um
tempo em que o campo, sem trocadilho, do impressionismo, do chute, da
torcida nada velada, do fígado era a crônica esportiva. Felizmente, com o
tempo, ela melhorou bastante. Está cada vez mais técnica — ainda que
não possa abrir mão, e eu acho correto, de lidar com um pouco de paixão.
Já a análise política, convertida em crônica, com a chegada do PT ao
poder, foi cedendo cada vez mais terreno àqueles vícios antes atribuídos
aos boleiros. E faz sentido, né? Um comentador de futebol luta para que
a sua escolha pessoal não seja percebida pelo leitor, internauta,
ouvinte ou telespectador. Já os comentadores da política fazem questão
de demonstrar a seus juízes do PT que eles são boas pessoas.
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