domingo, 1 de junho de 2014

Vinícola do último czar da Crimeia resiste ao tempo e turbulências
Neil Macfarquhar - NYT 
James Hill / The New York Times
A adega empoeirada abriga algumas das garrafas mais importantes produzidas na Massandra A adega empoeirada abriga algumas das garrafas mais importantes produzidas na Massandra
As adegas cavernosas da vinícola de Massandra são testemunho tanto do tumulto da história quanto do apelo duradouro do vinho produzido nas encostas vulcânicas íngremes.
O czar Nicholas 2º fundou Massandra em 1894 para fornecer vinho para seu palácio de verão; a águia de duas cabeças de seu brasão ainda é visível em algumas garrafas empoeiradas. Durante a 2ª Guerra Mundial, Stalin ordenou a evacuação de 60 mil garrafas dos melhores vinhos antigos. Nos tempos mais recentes, houve algumas tentativas malsucedidas de fazer com que presidentes norte-americanos bebessem o vinho.
"Czar. U.R.S.S. Ucrânia. Rússia", enumerou Valentyn Mytyayev, chefe de comércio internacional da vinícola, enquanto andava entre as 971 mil garrafas da adega.
"Veja! Revolução. Guerra Civil. Guerra Mundial", disse ele, apontando datas significativas para a Rússia e para a história mundial: 1905, 1917 e 1944. "Estávamos trabalhando o tempo todo ao longo da história."
Com a repentina anexação da Crimeia pela Rússia em março, a vinícola mudou de mãos mais uma vez, perdida pelo governo ucraniano e reconquistada por Moscou. A única constante, observou Mytyayev, é que a média de 300 dias de sol por ano da Crimeia produzem uma safra constante de uvas doces.
A agricultura é um setor crucial que o Kremlin espera rejuvenescer para tornar a Crimeia uma história de sucesso econômico sob tutela russa. O novo governo espera explorar a indústria do vinho, também para
"Graças a Deus que ela não foi totalmente arruinada nos últimos 23 anos", disse Yelena Yurchenko, ministra do turismo e resorts, falando sobre a vinicultura. "É claro que ela estaria melhor se tivesse havido investimentos nessa área."
Na verdade, enquanto a maior parte da Crimeia estava lamentando quartos vazios de hotel e um número escasso de turistas, a base da economia, a equipe de Massandra estava de ótimo humor. Os vinhos desapareciam das prateleiras das três lojas locais no mês passado, a caminho de dobrar o volume de vendas em relação ao ano passado, disseram.
A vinícola atribuiu o aumento a muitos visitantes russos de primeira viagem ansiosos por comprar souvenires potáveis. A antiga vinícola do czar agora atende principalmente aos visitantes menos abastados do que à elite, produzindo 10 milhões de garrafas por ano. A produção de vinho na Crimeia data de mais de 3.500 anos, mas o intenso sol do Mar Negro significa que ela é mais conhecida por vinhos doces e xerez.
Massandra foi considerada um pouco diferente desde seu princípio. Ela era popular entre os membros da alta sociedade artística que passavam o verão próximos ao czar. Anton Tchekov levou amigos lá de sua casa ali perto. Nacionalizada em 1922, depois da Revolução Russa, Massandra continuou uma atração popular. Maksim Gorky escreveu um tributo que foi gravado em uma placa de metal na parede. Mas ninguém tem muita certeza sobre quem visitava a vinícola antes da 2ª Guerra Mundial, porque os ocupantes nazistas roubaram o livro de convidados.
Uma lei especial de 1936 que preserva as adegas sob proteção estatal continua em vigor. Quando Mikahil S. Gorbachev, enquanto secretário-geral do Partido Comunista, começou uma campanha anti-álcool no final dos anos 80, vinícolas por toda a Rússia foram desativadas. Mas Massandra foi poupada. 
James Hill/The New York Times
 
Nikolay Boyko, diretor-geral pelos últimos 27 anos de Massandra 
"Massandra é um país diferente, como o Vaticano na Itália", disse Nikolay Boyko, diretor-geral de Massandra pelos últimos 27 anos. "Vivemos de acordo com nossas próprias leis e normas."
Funcionários da vinícola não fazem segredo de sua alegria de estar de volta sob controle russo. Eles pintaram a principal empilhadeira nas adegas com as cores da bandeira russa. Boyko disse que não podia especular sobre a repercussão das sanções ocidentais impostas sobre a Rússia depois da anexação. O grosso das exportações da vinícola já eram destinadas à Rússia de qualquer forma, e eles só terão que passar por este período sombrio como passaram pelos anteriores, disse ele.
A gerência espera que a incerteza gerada pelos acontecimentos na Ucrânia não desencoraje os colecionadores de longe interessados nos raros vinhos da vinícola dos Romanovs. Em um dia recente, um comprador de Londres e outro de Moscou eram esperados para o almoço. Boyko disse que considerava a visita deles um sinal encorajador de que o apelo histórico da vinícola é duradouro.
A vinícola vendeu algumas vezes garrafas em leilões internacionais. Uma das mais antigas, um xerez espanhol De La Frontera de 1775, arrecadou U$ 50 mil em um leilão da Sotheby's em 2001, disse Boyko, observando que aquele foi considerado um ano ruim para as vendas.
Ele descreveu duas tentativas de dar o vinho como presente para presidentes norte-americanos.
Em 1987, gabinete do líder soviético na época, Gorbachev, telefonou pedindo garrafas de vinho de 1911, o ano do nascimento do presidente Ronald Reagan. Reagan estava visitando Moscou na época.
Uma das vinicultoras, Galena I. Mytyayev, carregou as garrafas em mãos a bordo de um avião até o Kremlim. (Ela é a mãe de Mytyayev, a terceira geração a trabalhar na vinícola. Seu tataravô se mudou para a Crimeia para supervisionar o suprimento de água para o palácio do czar.)
Massandra esperou uma palavra de Reagan, mas não recebeu nenhuma. Uma fonte no Kremlin mais tarde disse que o someliê de lá havia aberto uma das garrafas e decidido não dar nenhuma ao presidente.
"Mas nunca descobrimos se foi porque os vinhos eram muito bons ou muito ruins!", disse Boyko. "O vinho nunca voltou."
Boyko, em uma visita a um empresário de Arkansas que planejava importar os vinhos Massandra para os Estados Unidos em 1994, entregou ao homem uma garrafa de um vinho de 1946 como presente para Bill Clinton, então presidente. Novamente, não teve nenhuma notícia sobre o que aconteceu.
Tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia, o vinho de Massandra é usado há muito tempo para celebrar ocasiões especiais, e a vinícola tem sido um destino importante para dignatários estrangeiros. O livro de quase cinco centímetros de grossura produzido para seu 115º aniversário mostrou fotos de visitantes como Ho Chi Mihn do Vietnã, Josip Broz Tito da Iugoslávia e inúmeros outros luminares da galáxia comunista.
Em 1997, para homenagear a assinatura do Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria entre a Ucrânia e a Rússia, a vinícola acrescentou garrafas de xerez de Massandra produzidas naquele ano à sua coleção permanente.
"Ainda estão maturando", disse Mytyayev.
Tradutor: Eloise De Vylder

Nenhum comentário: