domingo, 1 de junho de 2014

Escritor Ian Morris explora como guerras trouxeram paz ao longo de milênios
Edward Luttwak - Prospect
David Goldman/ AP
26.mai.2014 - Rosa sobre a lápide de um soldado americano no cemitério nacional de Marietta, na Geórgia 26.mai.2014 - Rosa sobre a lápide de um soldado americano no cemitério nacional de Marietta, na Geórgia
Todo mundo sabe que o propósito da guerra é trazer paz acabando com disputas letais de uma forma ou de outra. Em seu novo livro, Ian Morris explora as diferentes formas com as quais esse objetivo foi atingido ao longo de milênios, retirando exemplos desde os estudos de primatas anteriores à pré-história até as manchetes de 2013, utilizando a arqueologia (sua profissão) e pura historiografia (sua paixão). Morris repete o famoso argumento do sociólogo Norbert Elias de que o "processo civilizatório" é responsável pelo declínio da violência ao longo dos últimos séculos. Minha crença pessoal é que as armas nucleares, e apenas elas, evitaram uma terceira guerra mundial durante os anos da Guerra Fria.
Morris, que é professor de clássicos e arqueologia na Universidade de Stanford, começa eliminando a ilusão de que a paz poderia existir no "estado de natureza" – ou seja, antes do desenvolvimento da sociedade civil ou do estado político. Antes que existissem indústrias militares gananciosas, soldados profissionais beligerantes ou políticos maus para provocar guerras periódicas, havia, em vez disso, uma guerra perpétua de todos contra todos. Muitos antropólogos têm sido relutantes em reconhecer o óbvio – que os povos tribais são guerreiros que gostam de praticar mesmo quando os recursos não são escassos.
Isso permite que Morris se divirta desbancando o mito do bom selvagem popularizado no século 20 pelo best-seller "Coming of Age in Samoa" (1928), de Margaret Mead. A ilha que Mead estudou, Ta'u, tinha uma taxa de criminalidade maior do que Detroit em seu pior momento (quando Mead esteve lá, Ta'u estava sob controle dos EUA e da lei norte-americana). Morris também fala sobre as tentativas escandalosas de expulsar Napoleon A. Chagnon da academia por ter registrado durante muitos anos a violência habitual da tribo Yanomami da Amazônia. (Chagnon foi até mesmo acusado de ter tornado os Yanomamis violentos ao dar-lhes facões.)
É necessário um estado excepcionalmente desafortunado e mal governado para fazer pior do que a sociedade tribal em termos de produzir a paz interna, porque a própria existência de qualquer estado é delimitada por seu monopólio da força, mas Morris corretamente devota maior atenção aos impérios. Eles são os fornecedores desse bem precioso – mesmo que os impérios sejam primeiramente adquiridos por guerra, mesmo que eles continuem fazendo guerras para proteger ou para expandir mais suas fronteiras. Mas esse é precisamente o ponto: em vez da guerra de todos contra todos que existe no estado de natureza, em vez da multidão de guerras que uma multidão de estados menores permite (como com os rajás da Índia pré-britânica), os impérios exilam a guerra às periferias, permitindo assim que a paz exista dentro deles. De fato, existiram muitas guerras pós-imperiais entre ex-súditos imperiais no Oriente Médio e além.
Os impérios, mais do que os Estados menores, precisam de toda uma superestrutura ideológica para legitimar seu poder. Como um arqueólogo em prática, contudo, Morris continua firmemente focado na base material dos impérios – a extração de recursos por quem coleta impostos. Enquanto os impérios que Morris pesquisa variam desde o assírio até o norte-americano, passando pelo Mauryan, Han, Kushan e Tang, bem como pelo Romano, todas as imensas diversidades entre eles são reduzidas pela mesma regra de ouro da extração de recursos.
Primeiro, a própria paz imperial gera prosperidade que permite que os rendimentos cresçam com o tempo, pagando assim mais soldados que podem conquistar mais terras para o império, gerando ainda mais prosperidade e assim por diante. De fato, é assim que acontecem os impérios.
Mas, em segundo lugar, os impérios não são nações que podem sobreviver a qualquer coisa a menos que sejam exterminadas ou aniquiladas – eles são máquinas de coletar impostos e gastar rendimentos cuja eficiência está sempre sob ataque.
Normalmente é o próprio sucesso dos impérios que leva à sua dissolução: o exército forte que garante a paz duradoura enfraquece por causa da inação; oficiais trabalhadores e dedicados que ascenderam por mérito ganham tamanha aclamação que seus cargos se tornam hereditários; a prosperidade desencadeia demonstrações competitivas de riqueza que fazem com que os oficiais roubem mais do tesouro, e assim por diante. E com a decadência imperial, a paz imperial também se deteriora, com o aumento do crime, depois saques além das fronteiras, depois invasões que não podem mais ser repelidas. Foi assim que aconteceu com império após império, e não foi diferente para os Ming do que foi para o Império Romano do Oriente, ao qual o Império Romano do Ocidente ultrapassou por um milênio.
Morris enumera os benefícios da paz imperial citando Cícero, majores leais do exército e outros, mas ele busca números sempre que possível para demonstrar a prosperidade crescente – por exemplo, o número de naufrágios como testemunho do aumento da navegação.
Morris olha para o outro lado da balança também: as mortes causadas pelas conquistas imperiais e manutenção do império. Os espanhóis, portugueses, ingleses, franceses, belgas e italianos mataram milhões de pessoas, e as doenças epidêmicas que eles trouxeram consigo mataram ainda mais milhões de pessoas, antes que os sobreviventes pudessem começar a desfrutar dos longos anos de paz garantidos pelos impérios coloniais. No entanto, Genghis Khan e seus filhos e netos, bem como Mao e Stalin individualmente, provavelmente mataram mais pessoas do que todos os impérios coloniais combinados no que Morris chama de "guerra dos 500 anos", de 1415-1914. Durante este período a Europa quase conquistou o mundo - apenas para abrir mão das colônias porque sua própria democracia minou o domínio colonial.
A guerra, imperial ou não, não pode trazer a paz sem vitória, e as guerras não podem normalmente ser vencidas apenas com estratagemas inteligentes (uma persistente ilusão chinesa por inúmeras derrotas). Elas exigem tanto a força batalha quanto habilidade operacional para vencer confrontos. Morris segue o eminente classicista e historiador militar Victor Davis Hanson ao identificar uma "forma ocidental de guerra", que é distinguível por sua ferocidade em buscar brigas decisivas. Esta maneira de guerrear se originou na Grécia pré-clássica, entre 700 B.C. e 500 B.C., com os ataques frontais de homens com armaduras e lanças – os hoplitas, como Sócrates, que queriam terminar logo a luta para voltar para Atenas e filosofar mais um pouco. Esta foi a tática que chocou os persas em Thermopylae em 480 B.C. e Plataea no ano seguinte, especialmente ao se confrontar com os espartanos, mais disciplinados.
Esta mesma maneira de lutar mais tarde chocaria os astecas e incas, as tribos siberianas, Mughal e Manchu quando os soldados espanhóis, russos e ingleses lutaram contra eles num combate próximo. Este foi o motivo para a superioridade tática das forças ocidentais nos cinco séculos coloniais, que tiveram de compensar as desvantagens de lutar muito longe de casa. Pense nos cossacos no rio Amur no século 17, a 8 mil quilômetros de Moscou, lutando contra as tropas Manchu. Na época teria levado pelo menos 250 dias para fornecer a eles um único mosquete.
Para o bem ou para o mal, essa ferocidade ocidental ainda existe e se manifesta até mesmo em conflitos menores em lugares como Mali. Na minha única experiência séria de guerra, nos anos 60, esta foi nossa única vantagem. Nós buscamos o confronto mão-a-mão, e o inimigo tentou evitar fugindo.
Mas esse tipo de violência vai contra a tese - à qual Morris defende – do influente livro de Elias "O Processo Civilizatório". "Desde a Idade Média", escreve Morris sumarizando o argumento de Elias, "homens europeus de classe alta (que foram responsáveis por grande parte da brutalidade) havia gradualmente renunciado ao uso da força, e o nível geral de violência havia declinado." Elias publicou o livro pela primeira vez em 1939, mas apesar da 2ª Guerra Mundial e do Holocausto, Morris considera o argumento de Elias vingado pelos acontecimentos pós-1945, apesar de pequenas guerras (não houve uma batalha do Somme no Iraque ou Afeganistão, nem tampouco El Alamein).
É aí que eu discordo de Morris: ele atribui o declínio da guerra ao processo civilizatório, citando outros testemunhos, também, ao passo que eu dou o crédito às armas nucleares que são poderosas demais para serem usadas, e assim inibem toda a guerra entre as potências nucleares.
Mas esse desacordo não reduz o tanto que desfrutei deste livro – que é uma espécie de experiência multimídia, com fotos, desenhos, tabelas e mapas. Mas é a prosa elegantemente sucinta do livro que cativará mais os leitores. É um livro cheio de explicações lúcidas das questões mais recônditas, com muitas citações reveladoras e apartes inteligentes. Morris termina o livro com mais um paradoxo: "se nós quisermos mesmo um mundo onde a guerra não sirva para absolutamente nada, precisamos reconhecer que ela ainda tem um papel a desempenhar."
Tradutor: Eloise De Vylder

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