Escola sem limites: o papel das universidades na crise da autoridade docente
- MSM
Se
a Europa criou o Estado do bem-estar social, o Brasil consolida o
Estado do mal-estar geral – que começa com a pedagogia do Marquês de
Sade nas escolas, onde a razão, vista com desconfiança pela esquerda,
cede lugar aos instintos.
(Texto apresentado no 1º Congresso Nacional sobre Doutrinação Política e Ideológica nas Escolas, realizado em Brasília pela ONG Escola Sem Partido, com o apoio da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares.)
“A verdadeira ciência não é a que se incrusta para ornato, mas a que se assimila para nutrição.” Essa máxima de Machado de Assis, “o gênio brasileiro”, na precisa definição de um de seus biógrafos, o jornalista Daniel Piza, precocemente falecido, revela a essência do conhecimento, que é o principal nutriente da humanidade desde os seus primórdios, definindo o homo sapiens diante das demais espécies. Nessa frase, Machado usa o termo “ciência” como sinônimo de “educação”, vista não só em sentido amplo, como um aprendizado que permeia a vida, mas também em sentido estrito, como sinônimo de ensino formal, ou de instrução pública, como se dizia em seu tempo.
“A verdadeira ciência não é a que se incrusta para ornato, mas a que se assimila para nutrição.” Essa máxima de Machado de Assis, “o gênio brasileiro”, na precisa definição de um de seus biógrafos, o jornalista Daniel Piza, precocemente falecido, revela a essência do conhecimento, que é o principal nutriente da humanidade desde os seus primórdios, definindo o homo sapiens diante das demais espécies. Nessa frase, Machado usa o termo “ciência” como sinônimo de “educação”, vista não só em sentido amplo, como um aprendizado que permeia a vida, mas também em sentido estrito, como sinônimo de ensino formal, ou de instrução pública, como se dizia em seu tempo.
E,
ao dizer que a ciência não pode ser mero ornato, o escritor critica a
sociedade brasileira, que, historicamente, dá mais valor aos títulos que
ao conhecimento – tema que Machado desenvolve num de seus contos
antológicos, “A Teoria do Medalhão”, em que um pai ensina ao filho
como transformar-se num vencedor não por mérito, mas pelo cultivo das
aparências. É que “cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que
olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro…” – como
também ensina Machado, em outro conto, em que explica a inelutável
dualidade do ser, que só é capaz de se enxergar como “eu” porque se vê
no espelho dos “outros”.
Essa
irônica visão machadiana do homem antecipa o pensamento do francês
Émile Durkheim, fundador da sociologia como ciência empírica e também
pioneiro da sociologia da educação. Para Durkheim, em cada um de nós
existem dois seres. “Um – constituído de todos os estados mentais que
não se relacionam senão conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa
vida pessoal – é o que se poderia chamar de ‘ser individual’. O outro é
um sistema de ideias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós, não a
nossa personalidade, mas os diferentes grupos de que fazemos parte, como
as crenças religiosas, as práticas morais, as tradições nacionais ou
profissionais, as opiniões coletivas de toda a espécie. Esse conjunto
forma o ‘ser social’”.
Durkheim
observa que os vestígios da autoridade moral da sociedade sobre o
indivíduo estão por toda parte na história humana, a começar pela
mitologia dos mais diferentes povos. Uma prova do que diz o sociólogo
pode ser encontrada na mitologia hebraica (que veio a ser a literatura
sagrada do Ocidente, através da Bíblia), em que a primeira sanção no
âmbito da humanidade (já que a Queda de Adão e Eva ainda se inscreve no
plano divino do Éden) foi o banimento de Caim depois que ele assassina
Abel. Expulsar o indivíduo de seu meio social é, sem dúvida, uma dura
punição, que se repete, ao longo do tempo, nas mais diversas culturas.
Sócrates, por exemplo, preferiu a cicuta ao banimento, rendendo-se a
autoridade moral da sociedade grega para melhor condená-la como mártir.
A
rigor, banir o indivíduo do seu meio social pode ser até mais doloroso
do que privá-lo da liberdade. Na prisão, o indivíduo ainda mantém os
laços sociais, seja com familiares, seja com os demais presos. Mas se o
banimento pudesse ser total, privando a pessoa do contato físico ou
psicológico com outras pessoas, isto é, se em vez de banir o indivíduo
da sociedade se pudesse banir do indivíduo o seu ser social, sem dúvida,
nada poderia haver de mais doloroso e perceber-se-ia o quanto Durkheim
tem razão ao enfatizar que o homem é, no que tem de melhor, uma criação
da sociedade. A própria linguagem, que nos faz humanos, é uma construção
social e histórica, que herdamos da coletividade.
Um
dos mais pungentes contos da literatura em língua portuguesa, o belo “A
Terceira Margem do Rio”, do escritor mineiro Guimarães Rosa, ilustra a
tragédia do “banimento”, com o relato de um pai que se exila do mundo
em uma canoa, mas não vai a parte alguma, “só executava a invenção de
se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro
da canoa, para dela não mais saltar, nunca mais”.
Esquerda adere ao totalitarismo de Esparta
Durkheim
explica que a finalidade da educação é constituir em cada indivíduo
este ser social, ou seja, a educação é, por excelência, a tentativa de
conjugar o “eu” com os “outros” formando o “nós”, que é a sociedade. O
sociólogo constata que cada sociedade, considerada em uma determinada
época de seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se impõe
aos indivíduos de modo geralmente irresistível. Durkheim é taxativo: “É
uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há
costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar”. Por
isso, não existe a educação perfeita, atemporal, apropriada a todos os
homens indistintamente – o que existe, de concreto, é uma educação
histórica que varia conforme a época e o meio.
Para
Durkheim, “quando se estuda historicamente a maneira pela qual se
formaram e se desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles
dependem da religião, da organização política, do grau de
desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias, etc; separados
de todas essas causas históricas, os sistemas educacionais tornam-se
incompreensíveis”.
O
historiador da educação Paul Monroe conta que na Grécia Antiga, a
educação tinha como objetivo formar guerreiros, cuja principal virtude
era a bravura, moderada pela reverência. Em Esparta, a educação era
ainda mais rígida: no século IX antes de Cristo, o Estado espartano,
governado por Licurgo, instituiu uma rígida educação das crianças, que, a
partir dos sete anos de idade, eram retiradas da guarda direta da mãe e
iam morar em casernas públicas, custeadas pelo Estado. Como se vê, a
esquerda brasileira, que impôs o ensino obrigatório a partir dos quatro
anos, é, de certo modo, herdeira do totalitarismo militar de Esparta.
Os
sistemas educacionais geralmente atendem a uma necessidade social.
Roma, por exemplo, educava as crianças para que se tornassem homens de
ação, apaixonados pela glória militar, necessária à propagação e
manutenção do Império. Por isso, Durkheim afirma que, se a educação
romana tivesse tido um caráter individualista comparável ao das
sociedades contemporâneas, a cidade romana viria por terra e, com ela, a
própria civilização latina.
Ensino formal é aprendizagem e iniciação
Com
base no estudo da educação real, que permeia a história, Durkheim
define a educação como sendo “a ação exercida pelas gerações adultas
sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida
social”, e seu objetivo é desenvolver na criança “certo número de
estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade
política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança,
particularmente, se destine”. Nas sociedades menos complexas, como as
tribos primitivas, a educação da criança se dá de modo quase natural,
pela imitação livre da vida adulta, caçando, pescando, engendrando jogos
e lutas que simulam guerras, até que os ritos de passagem se
encarreguem de sacramentar seu ingresso na sociedade dos adultos.
Mesmo
nas antigas comunidades rurais, a infância, tal como a conhecemos hoje,
praticamente não existia. A criança, tão logo conseguia firmar-se nos
próprios pés, começava a ajudar os adultos nas lides domésticas ou na
lavoura, conforme o sexo. No sertão brasileiro, um filho de peão de
fazenda, aos 7, 6 ou até mesmo aos 5 anos de idade, já trabalhava como
candeeiro de carro de boi, guiando pelas estradas a parelha de animais –
uma atividade que exigia destreza e astúcia para compreender a
psicologia dos bois de carro, que, mesmo propensos à mansidão, podiam se
assustar e causar um acidente, ferindo o jovem candeeiro. Nesse tipo de
sociedade primitiva, tribal ou rural, a sociedade, para se perpetuar
nas novas gerações, praticamente prescinde de escola – a educação se dá
pelo trabalho.
Já
nas complexas sociedades urbanas que surgiram com a Revolução
Industrial, a educação escolar não só é imprescindível, como se
caracteriza pela diversidade, permitindo a existência das mais diversas
especializações, que atendem a diferentes segmentos sociais. Todavia,
Durkheim sustenta que, por mais diversificada que seja uma sociedade,
ela só pode subsistir se entre seus membros existirem laços comuns – e a
função essencial da educação é justamente perpetuar esses laços,
inculcando na criança valores essenciais à vida coletiva.
Explica
o sociólogo que, se um grupo social vive em guerra com sociedades
vizinhas, sua educação tende a refletir um forte espírito nacionalista,
capaz de forjar os guerreiros necessários à sua defesa. Se, no entanto,
sua competição externa se dá pacificamente no campo econômico, a
educação de suas escolas tende a ser mais geral e humanista, reforçando a
solidariedade orgânica, que, segundo Durkheim, caracteriza as
sociedades modernas, calcadas no aprofundamento da divisão social do
trabalho.
A
sociedade moderna, ao emancipar o homem da solidariedade mecânica da
horda, que anula sua condição de indivíduo, possibilita a emergência de
um conceito universal de humanidade. E para que surja este homem
universal, é preciso que os valores que o norteiam não sejam apenas
sociais no sentido de “históricos”, mas sociais no sentido de “humanos”,
isto é, suficientemente universais para captar a natureza transcendente
da humanidade — aquela que, para Durkheim, reside na consciência
coletiva da sociedade moderna.
Por
isso, o filósofo da educação Olivier Reboul afirma que o ensino formal,
escolar, é um misto de aprendizagem e iniciação – ele não apenas
possibilita à criança o aprendizado de determinados conteúdos e
técnicas, como também a introduz na ética da sociedade adulta.
Educação divorciada da realidade
E
assim chegamos ao cerne do problema da educação brasileira – que se
agravou com a doutrinação esquerdista, mas está longe de se limitar a
esse fenômeno. A rigor, o ensino brasileiro sempre foi ideológico, mais
preocupado em imitar modismos importados do que em refletir sobre a
realidade, constituindo o ser social que o país requer.
A
educação brasileira sempre foi divorciada da realidade da nação e, por
isso, nem sempre foi um meio de edificação intelectual e moral do
indivíduo – quase sempre foi um salvo-conduto para o sucesso social. Nas
nações que levam a sério o conhecimento, o indivíduo primeiro busca o
saber e, como consequência, conquista o diploma. No Brasil, costuma
ocorrer o contrário: o sujeito busca avidamente o diploma e, se sobrar
tempo, vai à cata de algum conhecimento para fingir que não é de todo
ignorante.
Essa
tendência vem desde os tempos coloniais, quando os jesuítas, segundo o
sociólogo Gilberto Freyre, incutiram nos rapazes brasileiros, desde
cedo, o gosto pelo bacharelismo. Analisando o ensino jesuíta na França,
Durkheim observa que os jesuítas, procurando ser homens do seu tempo,
valorizavam o humanismo e seu culto aos gregos e latinos antigos, mas,
sabendo que essa cultura podia pôr em perigo a fé cristã, esvaziavam-na
de seu conteúdo pagão, limitando-se a usá-la como instrumento de
retórica. Vem daí a vocação do ensino brasileiro para o bacharelismo, a
discursividade, o apego aos títulos.
Essa
tendência só se agravou com o tempo. Raymundo Faoro, no clássico “Os
Donos do Poder”, afirma que, na época do Império, “o letrado se torna
letrado para conquistar o cargo, para galgar o parlamento, até que o
assento no Senado lhe dê o comando partidário e a farda ministerial,
pomposa na carruagem solene”. Enquanto isso, segundo ele, reinava na
base da pirâmide a apatia, a indiferença, o alheamento, periodicamente
acordados pelos capangas, no interior, ou pelos capoeiras, nas cidades.
Os bacharéis, diz Faoro, criaram um Estado maior do que a nação, em que a
caça febril ao emprego público não tinha correspondência com a
atividade econômica. Qualquer semelhança com o nosso tempo não é mera
coincidência.
Segundo
o professor e crítico Hélio de Seixas Guimarães, autor do livro “Os
Leitores de Machado de Assis”, ao longo de todo o século XIX, o índice
de alfabetizados nunca ultrapassou 30% da população brasileira. E, de
acordo com o primeiro censo realizado no país, publicado em 1872, apenas
18% da população livre e 15% da população total, incluindo os escravos,
sabia ler e escrever. Ou seja, entre 70% e 80% da população brasileira
permaneceu analfabeta até o alvorecer do século XX. Enquanto isso, em
1878, a Inglaterra já tinha alfabetizado 70% de sua população e a
França, 77%. Já os Estados Unidos, bem antes disso, em meados do século
XIX, já era considerado uma nação de leitores, com 90% da população
branca alfabetizada, centenas de jornais e revistas e edições de livros
que superavam a casa dos 225 mil exemplares vendidos, cifra que até
hoje um escritor brasileiro raramente alcança.
Historicamente,
as elites brasileiras nunca se preocuparam em educar a população, daí o
completo descaso a que sempre foi relegado o ensino público. O
jornalista e escritor carioca Benjamin Costallat, em um crônica
publicada em 3 de março de 1927, no “Jornal do Brasil”, descreve uma
escola pública do Rio de Janeiro, em que as crianças conviviam com
animais, entulhos e esgoto a céu aberto, “sem as mais elementares regras
de higiene, na promiscuidade sórdida”, como ele próprio afirma.
Indignado com as pocilgas que se faziam passar por estabelecimentos de
ensino, obrigando as crianças a chafurdarem na sujeira, Benjamin
Costallat não hesitou em defender o fechamento das escolas públicas de
seu tempo, fazendo uma dura afirmação: “Melhor é ver aumentar o número
de brasileiros analfabetos do que ver aumentar o número dos porcos
brasileiros”.
Cenário promissor para o marxismo
O
promissor Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, liderado em 1932 por
Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho, que defendia a
implantação do ensino público e gratuito no país, não foi suficiente
para reverter a situação calamitosa da educação brasileira, que, para
usar um vocábulo caro a pensadores de esquerda, como Pierre Bourdieu,
continuou excludente.
As
boas escolas públicas da época eram redutos das classes média e alta. A
maioria dos pobres era expulsa pelo funil do exame de admissão, chamado
de “primeiro cemitério” pelo padre e educador José Vieira de
Vasconcelos. Esse exame foi extinto pela reforma educacional de 1971,
promovida pelo regime militar, que criou o 1º grau de oito anos,
tornando o ensino obrigatório dos 7 aos 14 anos e dando aos pobres uma
sobrevida de quatro anos a mais de escolaridade.
Mas
a educação brasileira continuou elitista, enganando os pobres com um
ensino profissionalizante que não funcionava, por falta de recursos
técnicos e humanos, e reservando à classe média e aos ricos as boas
universidades públicas e gratuitas, como a USP e as universidades
federais, numa completa inversão de prioridades.
Não
poderia haver um cenário mais promissor para a propagação das ideias
marxistas, que começaram a se infiltrar no ensino superior já na década
de 1930, com Caio Padro Junior, um rico representante da nobreza
paulista, e na década de 1940, com Florestan Fernandes, oriundo de uma
família paupérrima, que começou a trabalhar aos seis anos de idade para
ajudar a mãe, que era lavadeira. Florestan Fernandes tornou-se um dos
mais respeitados intelectuais do país e elegeu-se deputado federal pelo
PT de São Paulo, exercendo dois mandatos consecutivos, até 1994.
Publicou, em 1946, uma tradução da “Crítica da Economia Política”, de
Karl Marx, e foi o fundador da “sociologia crítica” no Brasil, calcada
no marxismo, tendo sido professor de Fernando Henrique Cardoso.
Esses
antigos marxistas ortodoxos, entre os quais se incluem o fervoroso
machadiano Astrogildo Pereira e o sociólogo e crítico literário Antonio
Candido, decano da USP, que está completando 96 anos hoje [quinta-feira,
24], eram todos filhos do iluminismo, como o próprio Marx, e
acreditavam na alta cultura, sendo eles próprios leitores de
Shakespeare, de Balzac, de Eça, de Zola e até da Bíblia.
Hoje,
quando a universidade brasileira tornou-se obcecada por essa estranha
mistura de Paulo Freire com Michel Foucault, a esquerda já não quer
saber de reivindicar para o proletariado o acesso à alta cultura – o que
esses marxistas pós-modernos querem é simplesmente destruir a cultura,
transformando a escola numa terra devoluta, onde esperam cultivar o
homem novo, fazendo das crianças verdadeiras cobaias de seus
experimentos revolucionários. A guerra selvagem contra o sexo biológico,
travada pelos corrosivos estudos de gênero, é um exemplo cabal dessa
transformação das crianças em cobaias dos engenheiros sociais.
Hoje,
nas escolas, impera a pedagogia do Marquês de Sade. A razão é vista com
desconfiança. Em seu lugar, a esquerda universitária entronizou o
desejo e, por consequência, os instintos, como se viu no recente evento
“Xereca Satânica”, promovido na Universidade Federal Fluminense, em que
uma mulher teve a vagina costurada como atividade pedagógica de uma
disciplina acadêmica. Esse ataque sistemático à razão enfraquece o papel
do professor da educação básica. Se a mente já não conta e tudo se
reduz ao desejo, para que serve o professor? Sua autoridade deixa de ser
um mandato social exercido em nome dos pais e da sociedade para se
tornar uma instável concessão dos próprios alunos.
A
esquerda, que outrora acusava a burguesia de ministrar uma educação
sexista, hoje impõe uma educação pornográfica. Os textos paradidáticos
adotados na educação básica muitas vezes submetem as crianças a um
verdadeiro festival de violência, que vai da chacina à tortura, passando
pelo estupro e o incesto, sem contar a indefectível e deletéria
discussão sobre drogas, que ocupa o lugar dos modelos positivos, tão
necessários à formação das crianças. Para a universidade, a infância é
uma invenção burguesa, que precisa ser destruída. A morte da infância
dispensa a autoridade paterna; com isso, crianças, jovens e adolescentes
tornam-se presas fáceis da ideologia revolucionária – sempre em busca
de marionetes humanas.
Nada
escapa à sanha destruidora dessa esquerda revolucionária. Se a Europa
criou o Estado do bem-estar social, o Brasil está consolidando o Estado
do mal-estar geral. Todas as políticas públicas do País desde a
redemocratização têm como principal objetivo fomentar um sentimento de
culpa nas pessoas normais, acusadas injustamente de excluir
homossexuais, mulheres, negros, índios, loucos, drogados, mendigos,
menores de rua, deficientes físicos, deficientes mentais e toda sorte de
excluídos reais e imaginários que povoam a mística esquerdista.
Até
os jovens – que são ostensivamente privilegiados em todos os quadrantes
da sociedade brasileira – também foram transformados em oprimidos de
manual pela esquerda, que, com o malfadado Estatuto da Juventude, deu um
golpe etário na Constituição e, em vez de reduzir a maioridade penal,
como esperam quase todos os brasileiros, fez foi adiar a infância até a
idade de 29 anos. Quem duvida, leia o artigo 227 da Constituição,
modificado pela chamada Emenda Constitucional nº 65, a PEC da Juventude.
Aluno se tornou o verdadeiro regente de salaHoje, esse culto à juventude que emana das universidades tende a transformar o aluno no verdadeiro regente de sala. O psicólogo Yves de la Taille, professor da USP, tece críticas às correntes pedagógicas que, no afã de cativar o aluno, olvidam os limites necessários à educação. A tentativa de facilitar o aprendizado interfere até no conteúdo dos currículos e no modo de ministrá-lo em sala de aula.
La Taille observa que muitas “perspectivas educacionais ditas construtivistas”, que procuram alicerçar o ensino na experiência do estudante, acabam reduzindo a história e a geografia às “experiências íntimas” dos alunos e “aos diâmetros que seus pés ou carros podem percorrer”; passam à criança “a idéia de que suas teorias espontâneas têm tanto valor quanto as teorias científicas; dizem ao aluno que “suas formas de falar têm tanta beleza e estilo quanto as formas literárias”.
“Alegando
ter o cuidado de respeitar a inteligência infantil, alguns educadores
procedem a uma verdadeira ‘sonegação de informações’, a uma sacralização
dos erros, a uma proibição quase religiosa da apresentação de modelos”,
afirma Yves de la Taille. O psicólogo deixa claro que educação se faz
com limites – título de um de seus livros. Afirma La Taille: “A
colocação de limites, no sentido restritivo do termo, faz parte da
educação, do processo civilizador, e, portanto, a ausência total dessa
prática pode gerar uma crise de valores, uma volta a um estado selvagem
em que vale a lei do mais forte”.
Yves
de La Taille mostra que o limite é fundamental para o amadurecimento do
indivíduo e é ferramenta essencial da pedagogia: respeitando limites, o
aluno reconhece o outro e aprende a viver em sociedade; transpondo
limites, o aluno alcança a maturidade e a excelência, superando suas
próprias fraquezas; impondo limites, o aluno garante seu direito à
intimidade, à privacidade, tão necessário ao seu autoconhecimento.
É
por essa via que o aluno deixa de ser o mimado “sujeito de direitos” da
pedagogia progressista e do Estatuto da Criança e do Adolescente para
se tornar senhor de si – consciente de que a liberdade custa o caro
preço da responsabilidade. A isso se chama mérito, infelizmente banido
da escola brasileira, onde a ciência já não é nem mesmo ornato, pois se
tornou bandeira da mais nociva ideologia – a que sacrifica o homem
concreto no altar de uma humanidade utópica.
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