Análise: Temer mostrou conhecer como poucos a alma do parlamento
Presidente consegue barrar na Câmara dos Deputados denúncia por corrupção passiva
Paulo Celso Pereira - O Globo
Uma das máximas atribuídas a Antônio Carlos Magalhães era de que na
política é necessário saber dar a cada aliado o que ele espera de você:
alguns querem dinheiro, outros poder, outros proteção. E é fundamental
não confundir as demandas. O resultado da sessão desta quarta-feira
coloca o presidente Michel Temer no panteão dos detentores dessa arte da
política.
Desde que tornou-se alvo da delação da JBS, revelada pelo GLOBO,
Michel Temer usou tudo o que tinha em mãos: distribuiu cargos, abriu os
cofres públicos a demandas duvidosas, entregou um mar de emendas
parlamentares para as bases políticas de deputados, recebeu no gabinete
presidencial todo tipo de deputado, sem qualquer linha de corte.
Quando montou seu quartel-general para tentar se defender do
impeachment, Dilma Rousseff já havia se consagrado como uma presidente
que tentava exercer um poder imperial sobre o Congresso. Durante todo
seu primeiro mandato e o início do segundo, distanciou o quanto pode os
parlamentares do gabinete presidencial e restringiu o acesso ao
Alvorada, onde residia, apenas aos amigos pessoais. Proibiu deputados e
senadores de acompanhá-la no avião presidencial durante as viagens pelos
estados e tratava seus pedidos de auxílio, mesmo os legítimos, como se
fossem puro fisiologismo.
Temer é o exato oposto. Desde o primeiro dia de seu governo fez
questão de dizer publicamente que faria uma gestão parlamentar. Nomeou
12 deputados e dois senadores para seu ministério, recebeu dia e noite
todo tipo de parlamentar no Palácio do Planalto ou no Jaburu. Nas
viagens que fez, mesmo as internacionais, carregou a tiracolo até os
mais folclóricos dos integrantes do baixo-clero.
A conduta ao longo de seus mandatos se mostrou decisiva quando o
inverno chegou para ambos. Os métodos de Dilma ao longo do processo de
impeachment não foram menos fisiológicos que os de Temer agora. A
petista, como o peemedebista, fez tudo o que estava a seu alcance para
garantir votos que preservassem seus mandatos. Apenas a título de
exemplo, na mesma delação que deu origem ao pedido de investigação
contra Temer, o empresário Joesley Batista disse ter sido procurado na
véspera da votação do impeachment na Câmara com pedido de R$ 150 milhões
para comprar 30 votos pró-Dilma.
A diferença está na sólida relação que havia sido construída antes e
na intimidade do núcleo político de Temer — liderado pelo próprio, ao
lado dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco — com a massa média
da Câmara. O resultado desta quarta-feira explica, em boa medida, como
Temer conseguiu presidir durante 15 anos o mais complexo partido do
Brasil e chegar três vezes à presidência da Câmara.
Há, no entanto, outro fator inolvidável. Não fosse a absoluta falta
de mobilização popular, talvez essa diferença de capacidade política
tivesse sido insuficiente para Temer se segurar no poder. Se entre 2013 e
2016, tornou-se costumeiro ver no Brasil centenas de milhares de
pessoas ocuparem as ruas pelos mais diversos motivos, no início da tarde
desta quarta-feira apenas três militantes — sim, três — apareceram na
frente do Congresso — e dois deles acabaram abandonando o local, tamanha
solidão. Do alto de seus 5% de popularidade, Temer terá agora que
reorganizar sua pinguela até as eleições presidenciais - ou até a
próxima crise.
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