O festival de privilégios em castas do Estado
A crise tem permitido que se conheça o
conteúdo da caixa-preta do sistema de elevados salários do
funcionalismo, em certas carreiras no serviço público
O Globo
Um saudável desdobramento da crise têm sido pesquisas sobre
vantagens que segmentos privilegiados da burocracia da União usufruem —
uma festa com o dinheiro do contribuinte que também se reproduz em
estados e municípios. A grave crise fiscal instalada a partir do governo
lulopetista de Dilma Rousseff força um ajuste que passa, por
necessário, pela revisão dos grandes itens da despesa pública.
O maior deles, a Previdência, tanto do INSS, dos
trabalhadores do setor privado, quanto do chamado regime próprio, em que
estão os servidores públicos. No caso dos benefícios previdenciários,
com reflexos também no regime próprio, há um projeto de reforma
encalhado na Câmara. Sem a aprovação dele, o teto constitucional das
despesas será atingido, prevê-se, em 2020. A partir deste ano, o
administrador público enfrentará a “escolha de Sofia”: cortar onde para
pagar aposentadorias que aumentam sem controle?
A segunda grande rubrica nas despesas são os salários do
funcionalismo. Quando se veem os dados um pouco mais de perto,
constata-se não só uma brutal discrepância em relação ao resto da
sociedade, como o uso de subterfúgios para se romper o teto salarial,
inscrito na Constituição, que é a remuneração de ministro do Supremo
Tribunal (R$ 33.763). Chegou a ser criado um “abate-teto”, para
enquadrar o salário no limite legal. Mas, na sua aplicação, também há
espertezas.
Um personagem que simboliza o desrespeito desta alta
burocracia ao contribuinte é o juiz Mirko Vincenzo Giannotte, da 6ª Vara
de Sinop, Mato Grosso. Depois de o juiz receber em junho R$ 503 mil de
remuneração, o caso teve compreensível repercussão, diante da qual o
servidor deu uma resposta arrogante: “não estou nem aí”.
A frase reflete à perfeição a postura de segmentos da
burocracia pública diante da crise e da sociedade. A bolada recebida por
Mirko foi acumulada com base numa miríade de dispositivos instituídos
pela própria burocracia, para ressarcir o servidor das mais diversas
formas. Algumas compreensíveis, outras, não.
Há gratificações de todo tipo. Na Justiça do Trabalho, por
exemplo, paga-se a mais ao juiz se houver “excesso de trabalho” — algo
corriqueiro no universo da economia privada, sem que haja adicionais no
contracheque.
Juízes e procuradores, por exemplo, recebem
auxílios-moradia, e há casos em que o servidor é ressarcido mesmo que
tenha residência própria na cidade em que trabalha. O drible na lógica
ocorre em outras categorias.
O “não estou nem aí” também apareceu por trás da proposta de
aumento para o MP de 16,7%, depois engavetada. A presidente do Supremo,
ministra Cármen Lúcia, tratou de desestimular reajustes também no Poder
Judiciário.
Mas como essa disparidade não é distorção nova, a
remuneração média de servidores é acintosa diante dos salários no setor
privado. Nos ministérios, segundo “O Estado de S.Paulo”, R$ 9.963; no
Judiciário, R$ 17.898; no Legislativo, R$ 15.982; e no MP, R$ 15.623. O
mapa do ajuste é muito claro.
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