O alvo no Irã é o regime
O Estado de S.Paulo - Editorial
O acirramento das tensões em torno do programa nuclear iraniano - com o endurecimento das sanções econômicas contra o governo de Teerã, as bravatas do presidente Mahmoud Ahmadinejad sobre os avanços do país no setor de enriquecimento de urânio e a iminência de uma decisão israelense, de que se fala com espantosa naturalidade, de atacar as instalações onde o inimigo poderia produzir a bomba atômica - faz lembrar a escalada que levou os EUA a invadirem o Iraque em 2003, para erradicar a ameaça das armas de destruição em massa que o ditador Saddam Hussein teria acumulado.
Quando os próprios americanos foram obrigados a admitir que esses arsenais não existiam, o então presidente George W. Bush se saiu com outro pretexto para a guerra: o imperativo de levar a democracia ao Iraque e daí para o mundo árabe. Evidentemente, entre ele e o sucessor Barack Obama as diferenças de estratégia não são poucas nem pequenas - sem falar no fato de que, a contar da invasão do Afeganistão, em 2001, os EUA vivem o mais prolongado período de guerra da sua história. Nos campos de batalha do Oriente Médio e da Ásia, o país perdeu 6.300 homens, teve 46 mil feridos e torrou algo como US$ 3 trilhões.
Mas é bom ter em mente que não foi Bush quem inventou a teoria da "mudança de regime" para fazer avançar os interesses americanos na esfera árabe-muçulmana. Em 1998, o presidente democrata Bill Clinton assinou o Ato de Liberação do Iraque. A lei determinava que os EUA devem "apoiar esforços para remover o regime encabeçado por Saddam Hussein do poder no Iraque e promover o surgimento de um governo democrático em substituição àquele regime". A diferença em relação ao Irã é que, neste caso, embora a meta final seja a mesma, o objetivo declarado pelos setores filo-israelenses de Washington é impedir que a República Islâmica faça a bomba.
Eles se dizem convictos de que o país quer tê-la para lançá-la sobre Israel, não obstante o preço aterrador que pagaria por isso - como se a teocracia iraniana pretendesse ser o primeiro regime suicida da história. Na realidade, o que os belicistas almejam é derrubar aquele regime. Se não por sua natureza ditatorial e o seu antiamericanismo militante, porque o Irã prega a destruição do "ente sionista", financia o Hamas em Gaza e o Hezbollah no Líbano, e deixa claro que fará tudo para impedir um acordo de paz que dê aos palestinos o seu Estado e a Israel, o seu reconhecimento pelo mundo árabe. A recusa iraniana é absoluta - e assim permanecerá enquanto os aiatolás detiverem o poder.
Menos audíveis, talvez, outras vozes americanas sustentam que o Irã ainda não resolveu se quer a bomba. É o que pensa, por exemplo, o chefe do estado-maior conjunto das Forças Armadas, general Martin Dempsey. O diretor da Inteligência Nacional dos EUA, James Clapper Jr., tende a concordar. "Eles se mantêm em condições de tomar essa decisão", observa. "Mas há certas coisas que ainda não fizeram e outras que não têm feito por algum tempo" em busca de uma arma atômica. Pode ser. Em novembro passado, a AIEA, a agência nuclear da ONU, disse ter sido informada de que o Irã efetuou testes "relevantes para o desenvolvimento de um artefato nuclear explosivo".
Esta semana, na terça-feira, Teerã negou aos inspetores do organismo acesso às instalações de Parchin, ao sul da capital, onde esses testes teriam sido realizados em anos recentes. Manteve, no entanto, o compromisso de retomar o diálogo com o sexteto (os membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha) sobre a questão nuclear. A chamada "escola realista" da política externa americana argumenta que o regime iraniano busca a capacitação atômica antes para se defender do que para atacar - e principalmente para consolidar uma teia de interesses que dê suporte à perpetuação da teocracia. E há quem invoque a guerra fria. Durante 40 anos e em meio a turbulências, os Estados Unidos conviveram com uma União Soviética dotada de armas atômicas até ela cair de podre.
Por que, perguntam os realistas, seria diferente com o Irã?
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